EM UMA PALAVRA
Gosto de sínteses.
Um inspirado autor desconhecido já registrou que escrever é a arte de cortar palavras. A máxima ainda é atribuída a Carlos Drummond de Andrade, mas o próprio poeta, inquirido pelo cronista Armando Nogueira, negou a autoria, ressalvando sua total concordância com a mensagem. Poetas são especialistas em dizer muito com poucas palavras, pois sabem escolher aquelas que nos tocam o coração.
O próprio Armando Nogueira, que era um cronista-poeta, exemplifica a importância da releitura seletiva com o célebre conto do inglês John Ruskin sobre o vendedor de peixes. O homem colocou na sua banca o cartaz “Hoje vendo peixe fresco” e perguntou a um amigo escritor se estava bem escrito. O amigo observou: “Você notou que todo dia é sempre hoje? Dispensável, portanto, essa palavra inicial”. Ficou “Vendo peixe fresco”. Nova observação: “Numa feira, vende-se, né?”. Caiu o verbo e ficou “Peixe fresco”. Outra pergunta: “Por que apregoar que o peixe é fresco? Você não vende peixe estragado”. O cartaz resumiu-se, então, à palavra “Peixe”, que também foi retirada quando o escritor argumentou que a mercadoria estava exposta e descrevê-la seria um menosprezo à inteligência da clientela. Sem o aviso, conclui o conto, todo o estoque foi vendido.
É uma alegoria, obviamente. Mas mostra magistralmente como as frases podem ser poupadas de desgastes desnecessários. O exemplo da síntese mais significativo para mim vem de uma história bem mais antiga, e da cabeça de um filósofo, o chinês Confúcio, que passou a viga apregoando a ética e a justiça. Um dia, foi desafiado por seus seguidores a definir todo o seu código moral em uma só palavra e respondeu de pronto:
Reciprocidade!
Simples assim: não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem. Ou, de forma positiva, procura fazer aos outros o que gostarias que fizessem para ti.
Pois bem, os cronistas podem ser um pouco mais prolixos (que é uma palavra adequada para o que estamos abordando). Não têm a obrigação de serem tão sintéticos. Tanto que escrevi tudo isso para dizer que concordo plenamente com a escolha de Bob Dylan para o Nobel de Literatura. Ele sabe escolher as palavras que nos chegam ao coração.
Fonte: ZeroHora/Nílson Souza (nilson.souza@zerohora.com.br) em 21/10/2016