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A Escola do Futuro, por Marcos Piangers
A Escola do Futuro, por Marcos Piangers

EDUCAÇÃO É UMA DAS GRANDES DORES DO PAI MODERNO

 

Marcos Piangers conquistou o país escrevendo sobre paternidade. Desde que lançou O PAPAI É POP, em 2015 – a obra já vendeu 250 mil cópias e foi editada em outros quatro países – passou a percorrer o Brasil, de ponta a ponta, falando para auditórios lotados sobre a experiência com filhos e relacionamento familiar. Obcecado por inovação, o escritor decidiu explorar outra área de interesse de pais e filhos: educação. Neste mês, lança no Rio Grande do Sul A ESCOLA DO FUTURO (Editora Penso/Grupo A em parceria com Belas letras, 132 páginas), escrita a quatro mãos com o professor Gustavo Borba.

- Educação é uma das grandes dores do pai moderno. Se falo de paternidade, tenho de falar de educação – diz o comunicador.

 

 

Como surgiu o tema escola do futuro?

Sinto fascínio pelas transformações que estamos passando. Quando entrei na universidade, em 1999, já notava que o jornalismo passava por transformações. A migração do mundo analógico para o digital traz série de oportunidades que, estranhamente, sempre considerei que a maioria das pessoas não conseguia visualizar. Temos cegueira voluntária para manter nosso comportamento, nossa profissão, nosso estilo de vida idêntico ao que sempre foi, igual ao de nossos pais. Tentamos emular essa segurança constantemente, talvez até como proteção ancestral e milenar de grupo. Comecei a me desgarrar desse grupo e percebi tendências no jornalismo, na comunicação, na publicidade, e fui transformando isso em palestras. Educação é uma das grandes dores do pai moderno. Se falo de paternidade, tenho de falar em educação. Assim como tenho de versar sobre tecnologia. Quando chego à escola, vejo que minhas filhas não estão estudando com apostila, quadro negro e giz como eu e minha mãe aprendemos. Ou seja, elas estão rodeadas de conhecimento e informação, em um mundo em que a interação com o processamento de dados e essa informação toda é muito intuitivo. Isso tudo diferentemente de apostila, de narrativa de um livro didático e da pedagogia de professores que ainda estão inspirados pelo conceito histórico da instituição de ensino, de figura detentora de conhecimento.

 

 

Como associar a interação das crianças com a modernização da escola?

Estamos partindo da premissa de que a criança tem de ir à escola no Brasil. Essa instituição nada mais é que uma combinação de características que são focadas nas aprendizagens sociais e técnicas. Você aprende matemática e línguas e cria habilidades de interação, respeito ao próximo e trabalho em equipe. E há um terceiro fator em que a escola ainda é especialmente importante, que é passar um sinal de que tenho uma formação acadêmica, ou seja, estudei naquela escola, a minha é melhor do que a sua. Existe uma construção curricular, que vai além do currículo técnico, mas inclui a percepção social do que é a escola. Então, o que a modernidade nos oferece é o desmembramento dessas três frentes. Por um lado, meu conhecimento técnico está disponível na internet. Tenho a capacidade de aprender matemática avançada, cálculo de engenharia e idiomas pela internet. Então, tecnicamente, está resolvido. A questão do network, do aprendizado de grupo, em um mundo claramente conectado, isso também se resolve. Quem não se resolveu, vai se adaptar logo. Outro ponto é o conceito de que “ah, fiz Harvard”. Isso é uma credencial. É um desafio fazer um curso online, ter capacidade de aprendizado cognitivo por meio de videogame e apresentar isso para uma empresa. Nenhuma companhia aceita ainda esse carteiraço. Mas o que tem substituído essa visão social, esse conceito, é a prática. Há muitas empresas mais modernas dizendo: “Não quero saber se você tem diploma, quero saber se fez trabalho voluntário, onde que você morou, se fez uma startup, se tem um canal no YouTube, se as suas aptidões de áudio estão no Spotify”.

 

Nota: Em setembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu no Brasil o “homeschooling” - ou seja, a prática de educar alunos em casa, sem a frequência na escola. À época, a maioria dos ministros concordou que a Constituição Federal não proíbe a prática. No entanto, como não há lei regulamentando o ensino domiciliar, não haveria como instituir essa alternativa no país.

 

 

Quão distante estamos do que vocês tratam como “escola do futuro”?

O Brasil é gigante e há clara divisão entre escolas públicas e privadas. A primeira, sucateada e com uma visão retrógrada de educação. Há tendência a ter maior controle, não digitalização, não acesso à formação acadêmica. Já, a privada tornou-se uma empresa. Estão comprometidas em não perder alunos e, como consequência, esses caras vão fazer o que o pai está pedindo. A escola do futuro está sendo experimentada em grandes centros e é, em geral, mais cara. Trata-se da união de uma pedagogia mais moderna, de um approach diferente com a tecnologia e de um preparo para as habilidades do futuro, que são não técnicas. É um caminho para estar formando crianças hoje e, no futuro, profissionais preparados. Gosto da noção da educação não mais preparando o jovem para apertar botão, com conhecimento técnico restrito, mas a capacidade de flexibilidade, de aprendizado e mudança constante ao longo da vida.

 

 

Na escola do futuro, o hino está incluído?

Risos. Não me ponha em polêmicas.

 

Nota: No final de fevereiro, o Ministério da Educação havia enviado e-mail para escolas pedindo a leitura de uma carta do ministro Ricardo Vélez Rodriguez, seguida da execução do Hino Nacional. Crianças seriam filmadas durante o ato. Após polêmica, a pasta desistiu alegando questões técnicas e de segurança.

 

 

Que tipo de aluno esta escola do futuro vai precisar formar?

Em geral, tem de preparar o aluno para aquilo que a máquina não vai poder fazer. Há tendência clara de que a máquina e o algoritmo sejam mais importantes, em algumas áreas, do que as pessoas. Diante disso, como essas pessoas precisam ser treinadas? Para os diferenciais humanos, para o pensamento crítico. A comunicação, a colaboração, que a máquina não tem. Criatividade, inovação. As habilidades sociais, a capacidade de trabalhar em grupo, de ter empatia, de desenvolver compaixão. E isso é aliado ao conhecimento técnico também. A gente percebe que a educação vai se espalhar por toda a vida. Isso já acontece. E a formação que vai nos guiar nesse processo todo é essa inteligência emocional, a capacidade e a flexibilidade para encarar as mudanças constantes. E é interessante ver que a molecada nativa digital já consegue entender esses conceitos.

 

 

Há algum país no mundo que esteja mais próximo da escola do futuro?

A Escola da Ponte, em Portugal, a Riverside School, na Índia, e algumas instituições americanas são exemplos. Tenho amigos que viajaram por todo o mundo conhecendo esses locais. E não precisa ir muito longe. Elon Musk, insatisfeito com a escola dos filhos, resolveu criar uma própria. Há instituições modernas, focadas em exercitar essa escola do futuro. Em geral, são caras e difíceis de entrar. O exemplo mais interessante são os nórdicos, que conseguiram instituir a escola do futuro. Mesclando conhecimentos técnicos e humanos, como escola pública, acessível e gratuita para todos. É uma transformação que parece ser o melhor caminho em um ambiente em que a instituição particular vai ter sempre comprometimento com o business, com o agradar o pai e essa figura paterna não vai querer inovar na educação do filho. Então, é papel da escola pública, talvez, fazer essa transformação, essa adaptação, essa modernização do sistema de ensino.

 

Nota: Fundador da Tesla e da Spacex, Elon Musk tirou os cinco filhos da prestigiada Mirman, escola voltada para crianças superdotadas em Los Angeles (EUA), para criar a Ad Astra (em latim, “Para as Estrelas”), um centro privado nos Estados Unidos do qual pouco se sabe.

 

Fonte: Zero Hora/Scola Entrevista/Daniel Scola (daniel.scola@rdgaucha.com.br) em 03/03/2019