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Infância Reduzida
Infância Reduzida

INFÂNCIA REDUZIDA

 

O “encurtamento” da fase em que a criança brinca e cria laços afetivos é apontado como causa de dificuldades emocionais e futuras.

 

Alexandre Magno ainda não era “o Grande” mas, antes dos 13 anos, já tinha aulas de retórica e política com Aristóteles, preparava-se para comandar exércitos e logo se tornaria rei da Macedônia.  Assim como ele, em 300 a.C, milhares de  crianças assumiam responsabilidades para além de suas capacidades e eram tratadas como adultos.  A ideia da infância, então, não existia – muito menos conhecimentos sobre este período da vida.

 

Nos anos 2000 d.C.. tornou-se comum deparar com crianças atuando como modelos, atrizes, cantoras ou apresentadoras de televisão, trilhando um caminho no qual precocemente o futuro profissional já é uma preocupação – sob o incentivo dos pais.  Neste século, entretanto, os estudos sobre a infância e a importância dessa etapa para o desenvolvimento do indivíduo  já estavam esclarecidos pela ciência.

 

Tema controverso e pulsante nos debates entre psicólogos, pediatras e pesquisadores, o chamado “encurtamento da infância” – motivado pelo excesso de atividades e de obrigações atribuídas aos pequenos – preocupa especialistas de diferentes áreas, e deixa os pais sem saber como agir frente às pressões da sociedade.  Depois de décadas de estudos e mudanças comportamentais que permitiram às crianças terem o seu tempo de amadurecimento, de brincar e estabelecer laços afetivos, fica a pergunta sobre o que estaria levando a um retrocesso nesse processo.

 

Devo colocar meu filho em mais de uma atividade extracurricular?  Se o colega já fala dois idiomas, não está na hora de fazer meu filho aprender mais um?  Essas e outras questões têm levado as crianças  a ficarem sobrecarregadas de atividades e, os pais, a exigirem cada vez mais dos pequenos.  O resultado, diferentemente do que se pensava há algumas décadas, não são adultos mais preparados para enfrentar os desafios do mundo.  São pessoas com dificuldades emocionais e, suspeita-se, também distúrbios biológicos.

 

  

Ainda mais do que a genética, experiências vivenciadas na infância são determinantes para garantir o desenvolvimento cerebral pleno.

 

Momento de brincar, aprender e desenvolver as capacidades físicas, intelectuais e emocionais.  Pesquisas recentes afirmam que, ainda mais do que a genética, as experiências vivenciadas durante essa fase – a infância, período que vai até os 12 anos – são determinantes para moldar o funcionamento cerebral diante de situações estressantes, desafiadoras e frustrantes.  Frente a isso, nada mais correto do que encher as crianças de atividades e prepara-las, o quanto antes, para lidar com os desafios do mundo, correto?  Não necessariamente.

 

Um dos temas centrais da 36ª Jornada Anual do Centro de Estudos, Atendimento e Pesquisa da Infância e Adolescência (Ceapia), que ocorre neste final de semana em Porto Alegre, o excesso de estímulos atribuídos aos pequenos – e as consequências desse padrão de educação – apontam para a necessidade de uma desaceleração na rotina dos filhos. 

– Estas crianças estão tão atribuladas que não experimentam mais prazer em atividades singelas como brincar de esconder, pular corda e soltar pandorgas, fundamentais para o amadurecimento psicológico e emocional – alerta a psiquiatra e psicanalista da Infância e da Adolescência Maria Lucrécia Zavaschi.

 

Segundo a especialista, hoje vivemos um tempo em que as influências externas, seja pela TV, pela internet ou até pelos outdoors das ruas, chegam às crianças com a mesa intensidade que para os adultos.  Por isso, é dever dos pais ajudar os pequenos a filtrar o que realmente é importante para o seu desenvolvimento, em vez de inseri-los nesta lógica de aceleração do tempo e pressão para alcançar o melhor desempenho a todo instante:

- Eles, os adultos, sabem melhor do que as crianças quais as necessidades básicas de seus filhos, quais as influências benéficas e quais as prejudiciais para um bom desenvolvimento.  Convém que os adultos sejam os reguladores da qualidade e do tempo dos estímulos aos quais serão submetidas suas crianças.  O excesso de exigências e responsabilidades na infância pode levar a pessoas com dificuldades em diversos aspectos da vida.

 

 

EXCESSO DE ESTÍMULOS E A PUBERDADE PRECOCE

 

Não é só no âmbito emocional que a pressão exercida sobre a infância traz consequências.  Fenômeno que vem despertando a curiosidade de médicos ao redor do mundo, a puberdade precoce (desenvolvimento de características físicas nas crianças que deveriam surgir apenas na adolescência) pode ter, entre suas causas, o estresse causado pelo excesso de estímulos a que os pequenos são submetidos nos primeiros anos de vida.

 

Conforme a pediatra Andrea Hercowitz, do Hospital Israelita Albert Einstein, foi principalmente a partir da última década que se começou a perceber, em consultórios médicos, um aumento no número de crianças com sintomas da puberdade mais cedo do que o esperado.  Enquanto, há cerca de um século, a idade média da primeira menstruação das meninas era ao redor dos 14 anos, hoje já está com 12.  E a tendência é seguir diminuindo, diz Andrea:

- Cada vez mais recebemos pacientes menstruando pela primeira vez com 10 anos ou menos.  É uma tendência que tem sido percebida em diversos países.  O que ocorre é que acabamos tendo adolescentes muitos jovens, com corpos e comportamentos de adultos, mas com uma maturidade emocional e mental ainda infantis.

 

O grande problema dessa condição, explica a pediatra, é o aumento da exposição a situações de risco destes jovens, que não têm capacidade de prever nem medir as consequências de muitos de seus atos.

 

Alterações hormonais mais precoces aumentam o risco para problemas emocionais, como explica o psiquiatra Christian Kieling, coordenador do Grupo de Pesquisa em depressão na Adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA):

- Embora as causas de puberdade precoce possam ser múltiplas, existe uma associação entre a ocorrência deste fenômeno e o surgimento de sintomas depressivos na adolescência, por exemplo.

 

  

TEMPO DE NÃO AMADURECER

“Muitos pais acreditam que cada criança tem um talento escondido e que falham se não fazem o possível para trazê-lo à tona.”  William Doherty, psicólogo.

 

 

CRIANÇAS MENOS PRODUTIVAS

 

Para os pais que acreditam que, apesar de prejudicar o amadurecimento emocional dos pequenos, o excesso de atividades é compensado pela garantia de um futuro profissional bem-sucedido, especialistas indicam que não é bem assim.  E algumas das conclusões mais interessantes sobre o assunto não vêm de psicólogos, mas, sim, de economistas.  Em recente publicação, o professor de economia na Universidade de Chicago Steven Levitt, um dos autores do best-seller Freakonomics (Editora Elsevier), foi enfático ao afirmar que pesquisadores da área não encontraram evidências de que as escolhas dos pais referentes às atividades dos filhos estavam relacionadas com sucesso acadêmico dos pequenos.  Segundo o economista, além de não assegurar benefícios futuros, o excesso de atividades na infância pode provocar o efeito contrário:  crianças mais infelizes e menos produtivas.

 

Psicólogo e professor da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, o americano William Doherty disse, em entrevista por e-mail, entender que o problema está na ansiedade de muitos pais que acreditam ser necessário começar a estimular os pequenos desde cedo para que alcancem o seu máximo potencial:

- Já sabemos que o cérebro humano não chega à maturidade completa até os 25 anos.  Há tempo para tudo.  A única atividade infantil que é consistentemente relacionada ao sucesso acadêmico e futuro profissional é a frequência com que as crianças passam tempo com os pais.  Infelizmente, o excesso de atividades extracurriculares delas faz com que esse processo seja prejudicado.

 

                                      

O ESPAÇO OCUPADO PELA TECNOLOGIA

 

Na década de 1980, o escritor americano Neil Postman afirmou que o grande responsável pelo encurtamento da infância, ou até pelo término dela, seria o fato de crianças estarem assistindo aos mesmos programas de TV que os adultos.  Ele nem imaginava que a internet estava por vir.

- A tecnologia é sem dúvida um dos fatores que contribuem para este fenômeno, mas não pode ser a única responsabilizada por isso.  Em um período em que prevalecem a falta de tempo e o cansaço constante, brincar com os filhos ao final do dia parece estar sendo mais uma exigência para os pais do que um prazer.  Diante da dificuldade de se dedicar com mais tempo ao vínculo com as crianças, a tecnologia acaba ocupando esse espaço – diz Aline Restano, psicóloga e diretora científica do Ceapia.

 

Conforme a especialista, telas de televisão, tablets e celulares são fortemente contraindicadas para crianças de até dois anos. A partir dessa faixa etária, os pais devem estar muito atentos para que a internet não seja a principal fonte de lazer e prazer para uma criança, já que um dos malefícios que a tecnologia pode trazer ao desenvolvimento infantil é uma lógica em que os reforços e as recompensas  precisam chegar rápido demais.

- Os jogos e mesmo as redes sociais estimulam que a obtenção de prazer seja algo muito rápido.  E assim como o prazer vem rápido, ele acaba rapidamente também.  Não há muito espaço para a espera, as frustrações e a paciência para que se conquiste algo – resume a psicóloga.

 

Como atualmente é quase inevitável que as novas tecnologias sejam uma das fontes de estímulo e prazer para os pequenos, os pais devem ficar atentos para que a criança tenha também uma rotina que inclua atividades ao ar livre, música, jogos não eletrônicos, conversa com os pais, interação com amigos da vida real, entre outras.

 

  

AS SETE REGRAS DO SLOW PARENTING

A preocupação com a saúde física e mental dos pequenos e as recentes pesquisas apontando os malefícios do excesso de atividades têm induzido muitos pais a escolherem padrões alternativos na educação dos filhos.  Em crescente expansão pela Europa e pelos Estados Unidos, o movimento slow parenting (em português, traduzido como “pais sem pressa”), ainda cresce timidamente no Brasil.  Baseado em uma linha contemporânea na educação das crianças, que prega a desaceleração da rotina dos pais – e, consequentemente, dos filhos – a metodologia visa a alcançar uma infância mais saudável e menos estressante.  Para tal, o movimento conta com sete regras, ou mandamentos, que buscam respeitar o tempo de cada criança.

 

                   

1 OUVIDOS ATENTOS  >Escutar é fundamental para uma relação de confiança.

2 NÃO AO MINIEXECUTIVO  >Crianças não precisam cumprir diversas atividades e sentir o peso de agendas sobrecarregadas.

3 MENOS, MENOS  >Deixe tempo para a criança brincar,  A falta de brincadeiras, somada à carga de cobrança, gera ansiedade e sintomas físicos.

4 TÉDIO FAZ BEM  >É nestes momentos que a mente se expande a livres pensamentos, desenvolvendo a criatividade e diminuindo a ansiedade.

5 ÓCIO FAMILIAR  >A família toda precisa entrar no clima slow.  Deixar a agenda livre faz bem a todos.  Crianças de até cinco anos devem aprender de forma livre, sem agendas estruturadas.

6 NOVOS AMIGOS  >É importante deixar a criança se relacionar com outras crianças.  O círculo social dos filhos precisa ser maior do que apenas o círculo familiar.

7 SEM AGENDA  >Muitas crianças têm agendas extensas com atividades prazerosas.  Mas alguns questionamentos devem ser feitos:  é mesmo necessário tudo isso?  A criança tem a permissão de não querer realizar todas as atividades?

 

Fonte:  ZeroHora/Caderno Vida/Jaqueline Sordi (Jaqueline.sordi@zerohora.com.br)  em 29/08/2015.