Os que não sabem estudar
Published on 06/06/2015 by Paulo Ghiraldelli
Há quem saiba estudar? No Brasil, é difícil. Qualquer forma de estudo, melhor ou pior, no Brasil, não é ensinada de modo algum. Além disso, a forma efetiva de estudo – a verdadeira e boa – é quase que desconhecida em uma sociedade de tradição escravista, autoritária, como a nossa.
Do que sei (e olha que não sei pouco disso), a educação como autodidatismo é alguma coisa que só no Brasil é alardeada como tendo algum valor maior ou até igual ao que se faz na escola. No Brasil as pessoas querem diploma, e só por isso procuram a escola. Mas quando falam que aprenderam alguma coisa, remetem a si mesmas, em forma de autodidatismo. Talvez por isso não saibam nada mesmo, e nosso país consegue os mais baixos níveis de performanceem exames internacionais, de todo tipo.
Não existe aprendizagem na relação livro-leitor. Há contato entre o leitor e a informação, mas não mais que isso. A aprendizagem, qualquer ela, é um ato dinâmico, socrático, que depende de alguma variação do elenkhós, e por isso a filosofia é que ensinou ao homem a realmente aprender. Aliás, ela foi inventada exatamente por conta dos homens que começaram a ver que o “amor ao saber” (philo + sophia) é o que se exerce e se faz em confraria, em dinâmica conversacional a partir da parrhesia (o falar franco) e do jogo “de dar e pedir razões” (Robert Brandon), e que é aí e só aí que se faz conhecimento e se adquire conhecimento. Mas, em nossa sociedade, ainda é vigente o mito do produtor solitário de saber e do estudante solitário. Aqui se acredita que há quem aprende algo sozinho, ou na relação entre o estudante e um livro.
Aqui é o lugar que aluno de Matemática faz listas de exercício sem discutir o exercício com o professor e o colega. Aqui é o lugar em que História é um aprendizado dito de “decoreba”. Aqui é o lugar em que o aluno de Letras não treina fazer textos. Aqui é o lugar que o professor de Filosofia imagina que a prática dele pode ser diferente da prática do professor de Medicina. Não pode. O professor da Filosofia deveria ver como que um bom médico leva os estudantes para uma sala de operação. Aqui é o lugar em que o professor da Medicina deveria ver como que o bom filósofo encaminha o saber confrontacional em um grupo.
O aprendizado solitário com o livro é um falso aprendizado. O que se consegue com o livro é uma primeira abordagem de um assunto. É algo como background. Mas os que não sabem o que é saber algo acreditam que aprenderam ao lerem alguma coisa. Não! Foram informados, ganharam alguns procedimentos de ação, talvez uma técnica, tiveram o chamado “básico”, mas não aprenderam a ponto de poderem falar “eu sei”. Isso fica claro quanto a saberes complexos, como é o caso da própria filosofia. O conhecimento aí depende da confrontação dinâmica e, como Sócrates dizia, o livro sempre dá as mesmas respostas.
Claro que o livro é necessário. Fundamental. No Brasil o livro é desprezado, inclusive pelos que se dizem autodidatas que, enfim, não leem nada do que dizem. Mas o contato solitário com o livro, sem que a investigação conjunta se faça, é um engodo. O aprendizado se dá a partir de problemas que conjuntamente queremos resolver. Só um tolo se acha um verdadeiro aprendiz nessa situação que é a da solidão, mas há tolos no Brasil o suficiente para dizer que aprenderam assim. Não aprenderam. E quando escrevem sobre o que dizem que sabem mostram bem isso, que não aprenderam. Vejo isso em colegas da filosofia que, diante da mínima objeção, ou não respondem ou respondem a mesma coisa que já disseram – errada. E isso fica patente não só entre professores de filosofia, mas nos filósofos metidos a jornalistas, que agora virou moda. Viraram papagaios ou, então, gente que acha que saber é “pregar” posições doutrinárias.
Todos os grandes filósofos trabalharam coletivamente. Kant reunia seus amigos para jantares filosóficos. Até ele, que todos citam como pensador solitário. Mas só quem experimentou o saber na lida dinâmica sabe do que estou falando.
Paulo Ghiraldelli Jr., 57, filósofo