A DIFÍCIL ARTE DE EDUCAR OS FILHOS
“Castigar por castigar não ensina novas habilidades e não favorece o desenvolvimento. Onde deveria haver conversa, os pais apostam no isolamento”.
Aos 57 anos, o psiquiatra americano Daniel Siegel é uma das principais referências em comportamento infantil e adolescente. Professor da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, ele se dedica ao estudo do desenvolvimento cerebral e cognitivo ao longo das primeiras décadas de vida. Seu livro mais recente, No-Drama Discipline (Disciplina sem Drama, em tradução livre), esteve na lista dos mais vendidos do The New York Times e deverá chegar ao B rasil até o fim deste ano pela editora nVersos. No livro, Siegel defende a tese de que um dos maiores erros que os pais modernos cometem é confundir disciplina com punição. E isso acontece, segundo ele, porque os adultos de hoje não têm a menor noção do que seja educar uma criança.
Por que é tão difícil para os pais disciplinar seus filhos?
Os pais do mundo moderno estão realmente muito ocupados, têm pouco tempo disponível e esperam que seus filhos simplesmente se comportem bem. O problema é que isso não acontece de uma hora para outra. Eles devem tentar saber o que está se passando na cabeça das crianças. Não apenas lidar com o mau comportamento em si. Nos Estados Unidos, a palavra disciplina tem sido associada a punição. Quando os pais pensam que deveriam disciplinar seus filhos, logo intuem que deveriam puni-los quando algo está errado. É um equívoco. Não é cerro punir as crianças, e ponto. Deveriam ensinar, agir como os bons professores.
Falta paciência?
Sim. Mas convém ressaltar que os pais simplesmente não têm o conhecimento necessário para lidar com a educação de suas crianças. São essas habilidades que precisamos ensinar-lhes. Em primeiro lugar, os pais devem estreitar os vínculos com os filhos. Eles têm de desenvolver a habilidade de perceber os sentimentos. Pensamentos e memórias das crianças e adolescentes – e não somente reagir a uma malcriação qualquer, por mais agressiva, deslocada e irritante que seja. É preciso tentar entender o que se passa na mente dos filhos.
E o que os pais deveriam fazer para reforçar os laços com seus filhos?
Precisam fundamentalmente abrir uma pausa e refletir sobre o que está acontecendo em sua cabeça. Pesquisas científicas mostram que a melhor atitude dos pais em relação à educação dos filhos é mergulhar em sua própria reflexão. Os pais que não têm a habilidade de entender o próprio comportamento, incapazes de perceber onde erram ou exageram, acabam tratando os filhos como objetos, e não como seres humanos. Geralmente, as crianças não respondem muito bem a essa postura. A longo prazo, não conseguem desenvolver o que chamo de compasso interno – algo que guiará o modo de ser das crianças pelo resto da vida, como o senso de moralidade e de autocontrole. Quando você só briga e não explica, elas só aprendem como responder às expectativas dos mais velhos.
Mas, com uma rotina cheia de demandas e nervosismo, em que há falta de dinheiro e em que os relacionamentos com outros adultos já são suficientemente difíceis, o que fazer para não perder o controle?
É preciso tentar se acalmar e conseguir reparar o vínculo perdido com a criança. Antes de agir, é fundamental pensar qual a melhor forma de conversar com seu filho, e não resolver a situação no piloto automático. É o único caminho para ter certeza de que a reação foi adequada, no diapasão das demandas específicas da criança para aquele momento.
O “cantinho da disciplina”, clássico recurso do castigo, funciona?
O cantinho da disciplina, bem aplicado, é boa ideia, sim. Se a criança faz alguma coisa errada, ela é posta de castigo. Para refletir sobre o que fez de errado. Passado o tempo de reflexão, os pais conversam com seus filhos sobre o acontecido. A eficácia dessa abordagem já foi comprovada por estudos de comportamento. Funciona, mas, na minha opinião, não é a melhor estratégia. Na prática, a maioria dos pais não consegue pôr o método em prática. Eles fazem tudo errado.
Onde erram?
Primeiro, eles começam gritando e fazendo um escândalo quando a criança age de forma inapropriada. Depois, banem a criança para o isolamento. Castigar por castigar, convenhamos, não ensina novas habilidades e não favorece o desenvolvimento. Onde deveria haver conversa, os pais apostam no isolamento.
Em seu mais recente livro, o senhor diz que, quando as crianças estão nervosas, as lições tendem a ser ineficazes. Por quê?
Quando as crianças estão agitadas, o cérebro delas não tem capacidade de reter nada. Ninguém está aberto ao aprendizado nos momentos de stress. Para entender isso, é preciso dividir o cérebro em dois estados: o receptivo e o reativo. Por isso, o que ensinamos aos pais é “conecte-se antes de redirecionar”. Quando você se conecta às emoções da criança, você a tira do estado de reação e a leva a um estado receptivo, em que está disposta a ouvir e aprender. Só vamos conseguir atingir esse ponto se pararmos para pensar por que um filho está agindo dessa forma, o que desencadeou a reação brava.
Por que os momentos de imposição de disciplina são tão duros, um incômodo tanto para adultos quanto para crianças?
Porque o recém-nascido, o bebê, a criança, o adolescente são criaturas sociais. E o ato humano mais decisivo é a interação de uns com os outros. É exatamente o que eu pesquiso: como podemos melhorar o vínculo dos pais com as crianças. Assim, a criança desenvolve a habilidade para entender a própria mente, a mente dos outros e, dessa forma, consegue se integrar.
Alguns pais acreditam que precisam ser autoritários para evitar a permissividade. É esse o caminho?
Não encorajamos nem o autoritarismo nem a permissividade. Podemos dividir o perfil dos pais de três formas: os autoritários, os permissivos e os participativos. No primeiro caso, agem como ditadores e não escutam o que a criança sente, apenas exigem que ela atenda às suas expectativas. No caso dos permissivos, falta estrutura. Eles deixam a criança totalmente livre e não favorecem a construção de habilidades. O meio-termo são os pais que chamamos de “autoritativos” – ou participativos. Eles exercem uma autoridade, mas estão preocupados com a relação e o desenvolvimento dos filhos. É o modelo ideal.
Punições pontuais dão resultados?
Muitas vezes, sim. “Se você não fizer a lição, não jogará videogame”, por exemplo. Punições desse gênero funcionam, desde que aplicadas com parcimônia. As crianças podem se sentir motivadas, sem dúvida, a trocar o risco de perder algo por uma postura correta. Propor acordo é positivo, mas sem soar a chantagem e sem gritos, ofensas nem exageros.
O que dizer aos pais de uma criança que tem o costume de dar escândalos em público quando não é atendida em suas demandas?
Depende do que está acontecendo. Primeiro é preciso descer até o nível da criança. Olhá-la nos olhos e se conectar. “Eu sei que você está triste. Você quer esse brinquedo, mas não pode ter o brinquedo. Entendo o que você está sentindo.” E, geralmente, a criança vai se acalmar quando perceber que foi compreendida. Nomear um sentimento é a melhor maneira de mostrar a uma criança que ela não está sozinha.
Deixar chorar é bom?
Os pais podem deixar a criança chorar, mas não por muito tempo e dependendo da situação. Se a criança está mesmo triste, ela pode ficar ao seu lado e você pode dizer “sei quanto você está triste”. E ela poderá ter seus sentimentos ao seu lado. Ela sabe que você estará lá para apoiá-la. Se a criança estiver manipulando, aí é outra história. Cabe uma conversa, mas é fundamental não atender à exigência da criança apenas para que ela cesse o pranto.
Fonte: Revista Veja/Natalia Cuminale