BOI DA CARA PRETA.
A mensagem veio pela internet, enviada ao colunista (Rogério Mendelski/OSul) por um leitor. Mas como é um primor de análise sócio antropológica de nossa cultura infantil de fazer dormir uma criança, repasso aos nossos leitores. E o site Almanaque Literário faz o mesmo.
“Eu, um brasileiro morando nos Estados Unidos da América, para ajudar no orçamento, estou fazendo bico de babá. Ao cuidar de uma menina, certa vez, cantei Boi da Cara Preta para ela dormir. Ela adorou e essa passou a ser a música que sempre me pede para cantar quando a coloco para dormir. Antes de adotarmos essa canção de ninar, cantávamos, em inglês, algo que dizia assim:
Boa noite, linda menina, durma bem. Sonhos doces venham para você, sonhos doces por toda a noite...”
“Que lindo, não é mesmo? Eis que, um dia, Mary Helen (a menina) me pergunta o que as palavras da música Boi da Cara Preta significavam em inglês: Boi, boi, boi da cara preta, pega essa menina que tem medo de careta... Como eu ia explicar para ela e dizer que, na verdade, a letra era uma ameaça, era algo como dorme logo, pentelho, senão o boi vem te comer?”
“Como explicar que eu estava tentando fazer com que ela dormisse com uma canção que incita um bovino de cor preta a pegar uma cândida menina?”
“Claro que menti para ela, mas comecei a pensar em outras canções infantis, pois não me sentiria bem ameaçando aquela menina com um temível boi toda noite...”
“Que tal, nana, neném, que a cuca vem pegar? Caramba! Outra ameaça! E agora com um ser mais maligno que um boi preto!. Depois de uma frustrante busca por uma canção infantil do folclore brasileiro que fosse positiva, me deparei com a seguinte situação: o brasileiro tem é trauma de infância. Trauma causado pelas canções infantis!”
“Exemplificarei minha tese:
Atirei um pau no gato-to-to, Mas o gato-to-to, não morreu-reu-reu. Dona Chica-ca-ca admirou-se-se. Do berro, do berro, que o gato deu: miauuuu!”
“Para começar, esse clássico do cancioneiro infantil é uma demonstração clara de falta de respeito aos animais [pobre gato!] e incitação à violência e à crueldade. Por que atirar o pau no gato, essa criatura tão indefesa? E, para acentuar a gravidade, ainda relata o sadismo dessa mulher sob alcunha de Dona Chica? Uma vergonha!
! Eu sou pobre, pobre, pobre, de marré, marré, marré. Eu sou pobre, pobre, pobre, de marré de si. Eu sou rica, rica, rica, de marré, marré, marré. Eu sou rica, rica, rica, de marré de si.”
“Colocar a realidade tão vergonhosa da desigualdade social em versos tão doces! É impossível não lembrar do amiguinho rico da infância com um carrinho fabuloso, de controle remoto, e você brincando com seu carrinho de plástico. Fala sério!
Vem cá, Bitu, vem cá, Bitu! Vem cá, meu bem, vem cá! Não vou lá, não vou lá, não vou lá, Tenho medo de apanhar!”
“Quem foi o adulto sádico que criou essa rima? No mínimo, ele espancava o pobre Bitu...
Marcha soldado, cabeça de papel, Se não marchar direito, vai preso pro quartel.”
“De novo, a ameaça! Ou obedece ou você vai se ferrar. Não é à toa que o brasileiro admite tudo de cabeça baixa...
A canoa virou, quem deixou ela virar, Foi por causa da [nome da criança] Que não soube remar.”
O AUTOR
Tenho no meu endereço eletrônico como Paulo Silva o autor dessa saudável crítica.
UMA BONITA
Mas outro leitor, cujo nome indesculpavelmente perdi, mandou lembrar que uma bela canção se pode cantar para crianças:
“Se essa rua, se essa rua fosse minha, Eu mandava, eu mandava ladrilhar, Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes Para ver, para ver meu bem passar”.
Fonte: Do meu arquivo pessoal [Nell Morato] Foi publicado no Jornal O Sul, na coluna do jornalista Rogério Mendelski e não consta data.