ENTREVISTA: Gilberto Manoel Soares
Sua Biografia:
Funcionário público municipal de Porto Alegre (atualmente aguardando aposentadoria); Produtor cultural da Associação Cultural Sawabona Shikoba; Produtor cultural do Grupo de Arte Dança e Expressão do Negro; fundador da Rede Nacional de Ação Afirmativa Afrodescendente; Articulador de Cidadania Negra; Escultor; Produtor Cultural; Coordenador de Projetos Sociais. Prêmio da 33ª Semana da Consciência Negra e Ação Antirracismo – Troféu Carlos Santos como Líder Comunitário – Câmara Municipal de Porto Alegre. Curso Superior de História Incompleto.
Sua Obra:
O processo de esquecimento da história do negro é mais uma forma de nos escravizar, pois uma etnia sem passado, jamais terá um presente ou futuro.
A Série Negros do Sul – A Saga, vem com o propósito de trazer novas discussões sobre a participação do negro na história gaúcha, principalmente durante a Revolução Farroupilha.
Ona ti Òmìnira – Caminho da Liberdade
É a primeira história da série, fictícia, mas traz dados verídicos, como datas e alguns nomes que já estão gravados na história do povo gaúcho. Ela acontece num período em que os estancieiros gaúchos lutam contra o Império Brasileiro, por discordarem da política imposta para o Sul do Brasil. Durante esta disputa negros foram convocados para se aliarem em troca de sua liberdade, mas as histórias destes bravos nunca foram registradas ou visibilizadas. Os ditos heróis Farroupilhas são brancos, que mancharam a história gaúcha com sangue negro. A história conta da formação de uma Tropa Negra, que passa a auxiliar os revolucionários gaúchos, durante a Revolução Farroupilha.
Quem é Gilberto Manoel Soares? (Família, dia a dia, como tu te define)
Pai de quatro filhos, avô de três netos, vivo com Carmem Suzana, a minha fonte inspiradora, aposentado da prefeitura municipal. Articulador de ações afirmativas afrodescendentes, um dos fundadores da Associação Cultural Sawabona Shikoba, fundador da rede nacional GAAA - Grupo de Ação Afirmativa Afrodescendente, começando a realização do sonho de escrever histórias afro-gaúchas.
Como surgiu o escritor?
Pela necessidade de exercitar o direito a iniciativa histórica, senti a importância de construir um legado literário negro gaúcho, historiando a nossa cultura Afro, pois somos levados a lutar contra uma dupla servidão, a econômica e psicológica.
Fale sobre a resiliência negra e de quando percebeste que precisava remexer na história.
Nossos antepassados são os verdadeiros heróis negros, pois sobreviveram há todas as maldades e agruras impostas por uma sociedade escravagista, eles são os maiores exemplos de resiliência.
Minha antepassada é filha de um abuso do patrão, que quando a patroa dela descobriu mandou matá-la e colocou a criança na beira da estrada para morrer. Uma família uruguaia a adotou, até que aos 12 anos seus pais adotivos faleceram e ela foi de novo, jogada na rua. Esta história é tão igual a todas as famílias negras, basta resgatar as histórias com os mais velhos.
O livro Ona ti Òmìnira é um primeiro exemplo disso, ele vem com o propósito de trazer à luz fatos a fim de proporcionar uma discussão ampla sobre o contexto na história do Rio Grande do Sul.
A formação da sociedade civilizatória gaúcha esconde a história do negro, que na verdade foi de uma importância imensurável para a construção da cidadania gaúcha, mas a influência colonial persiste até hoje, para manter os negros escravos das necessidades da elite gaúcha de uma forma mais perversa que a própria escravidão. Fato: livraram-nos da escravidão para nos manter cativos, devido às necessidades de sobrevivência.
Cabe a nós negros, buscar, resgatar e recontar a nossa história, conforme a nossa ancestralidade, caminho este de vital importância para nossa sobrevivência histórica, social e financeira, pois só assim seremos livres.
Tu és um líder comunitário reconhecido. Quais as responsabilidades de um líder, num movimento tão importante como a inserção do negro, na história do povo gaúcho?
Não me sinto um líder, porque nunca quis seguidores e sim parceiros, por isso me defino como um articulador de cidadania negra. Tenho muita dificuldade quando as pessoas se autoproclamam lideres, é um compromisso muito grande que acaba inflando os egos, esquecendo os propósitos da luta negra e muitas vezes, se tornando os próprios algozes da causa e julgadores dos irmãos.
Creio que incentivar aos irmãos a repensarem seu passado e reverem seu futuro, este é o meu compromisso e legado, principalmente de criar novos protagonistas da história e da luta negra, desatrelados de políticas partidárias, mas ligados a políticas sociais. Não estou dizendo que não precisamos de partidos, mas que não podemos nos deixar ser usados por eles.
Conte como atua a Associação Cultural Sawabona Shikoba, onde é produtor cultural.
Associação Cultural Sawabona é um coletivo de articuladores negros de âmbito nacional, fundada em 2010 com o propósito de trabalhar com a formação de cidadania negra. Em 10 anos de experiências já trabalhou em quase todas as áreas de articulação negra, como cultura, saúde, esportes, educação, formação de cidadania negra entre tantas ações realizadas (Visitem https://www.facebook.com/acoesafirmativas3/)
Nestes 10 anos criei projetos e propostas, como o projeto Saúde e Sexualidade da Mulher Negra, que aconteceu durante um período de12 meses com um encontro final num hotel na cidade de Xangri-Lá (https://www.youtube.com/watch?v=eGsB5wlHQQ8&t=626s)
E o Grupo de Arte, Dança e Expressão do Negro?
No GADEN tive uma atuação ao lado de minha companheira, também a partir do ano de 2010, no início, dentro do Nonoai Tênis Clube, depois em 2012, procurando se aproximar das comunidades de periferias, passamos a atuar dentro da Vila Barracão, na Cruzeiro do Sul, no Morro Santa Tereza (Porto Alegre/RS), como também a produção do projeto Saúde e Cidadania no Quilombo, em parceria com a Secretária de Saúde do RS. (https://www.youtube.com/watch?v=U291Y2ab4iA)
És o fundador da Rede Nacional de Ação Afirmativa Afrodescendente. Como é a rede e como atua no Brasil?
O Grupo de Ação Afirmativa Afrodescendente é a ideia de uma rede nacional de articuladores que discutem e trocam experiências negras no âmbito nacional, buscando alternativas de realizar formações de cidadania negra nos mais diversos espaços desta nação.
Também trabalha como articulador de Cidadania Negra. Fale a respeito.
É se aproximar e aproximar os diversos trabalhadores, educadores, a fim de aproximar as mais diferentes formas de manifestações culturais negras, com o propósito de auxiliar na formação da cidadania negra.
Tu és funcionário público municipal, com atuação na guarda-municipal. O que vê pelas ruas de nossa cidade? Atos racistas, homofóbicos, fazem parte do dia a dia?
Atualmente estou de licença aguardando aposentadoria, trabalhei em vários setores e prédios da prefeitura de Porto Alegre, onde vi vários atos racistas, preconceituosos, homofóbicos, mas, creio que devido a falta de formação de cidadania a que fomos sujeitados, por uma educação quase militar, proposta pelos gestores, que na verdade não conhecem a realidade das comunidades.
Negros do Sul - A Saga, que será publicado por capítulos, cada livro tratará de um assunto, que envolve os negros na história do Rio Grande do Sul?
Sim, cada livro terá cinco episódios, que será a continuação do Ona Ti Òmìnira, mas também outras histórias serão contadas, como a Saga do Mansa Abubakari II, o rei de Mali que por volta do ano de 1300 abdica e parte para a América com uma frota de 2000 barcos, mais alguns vídeos infantis.
O primeiro da série é Ona Ti Òmìnira - Caminho da Liberdade, que tive o prazer de ler, é uma história fictícia baseada em fatos. Fale sobre o livro que está lançando agora.
Ona Ti Òmìnira é o primeiro de uma série de livros pré-escritos que vem com o propósito de trazer novas discussões sobre a participação do negro na história gaúcha, durante a Revolução Farroupilha, que acontece num período onde os estancieiros gaúchos lutavam contra o Império, por discordarem da política imposta para o Sul do Brasil.
A história conta da formação de uma tropa negra que passa a auxiliar os revolucionários durante esta dita guerra.
Fiquei encantada com a força, determinação e sabedoria de José Obiomá, o personagem principal. De onde vem essa personalidade tão marcante?
Ele vem de uma diversidade de anciãos que conheci ao longo de minha vida, que dão um exemplo de cidadania negra e resgate histórico de nossas ancestralidades. Tenho como exemplo o meu pai, que aos 12 anos sai da cidade de Rosário do Sul e se junta ao seu irmão Salvador, aqui em Porto Alegre e trazem toda a família para a capital, mudando as oportunidades para todos os seus descendentes, este é o meu maior exemplo de resiliência.
Kanù, homem de confiança de Obiomá, comenta: "Ser escravizado é uma condição onde nos obrigam através da força a uma situação, já ser escravo é quando escolhemos aceitar o aprisionamento de nossas mentes." Tens algo a acrescentar?
Sim, muito importante esta fala, pois ela representa a nossa atual situação. Até o dia 13 de maio de 1888 éramos um povo escravizado, obrigados a uma situação pela força, nos obrigavam àquela situação e, a partir do dia 14 de maio de 1888 foi instituído o preconceito institucional no Brasil. Jogaram o nosso povo a própria sorte, e ainda fomos proibidos de estudar ou até mesmo de trabalharmos com dignidade e recebermos por nosso trabalho. Durante estes séculos, não houve investimentos e nem uma forma de compensar os horrores a que fomos submetidos, durante o genocídio imposto à Mãe África, muito pelo contrário, fomos jogados no limbo, marginalizados e renegados ao esquecimento, e em nosso lugar vieram povos europeus que passaram a ter direitos universais reconhecidos como liberdade, terra, trabalho e salários. E nós, povo negro que viemos para construir esta nação fomos abandonadas a nossa própria sorte, sem direito algum ao empreendedorismo.
Na mesma passagem no livro, Obiomá responde: "se os revolucionários, fossem mesmo abolicionistas e quisessem nos libertar, já teriam feito isso quando proclamaram a República Rio-Grandense." E por que não fizeram?
É uma obviedade, pois os ditos revolucionários querem ter o título de libertadores e salvadores dos negros. A Revolução Farroupilha nada mais foi do que a luta da oligarquia gaúcha contra os mandos do Império, que nada mais era do que interesses econômicos de ambos os lados, em nenhum momento foi a favor do negro.
O livro Ona Ti Òmìnira - Caminho da Liberdade, que se apresenta com uma capa magnífica. Não é um livro que só fala da inserção dos negros na história ou de preconceitos, também fala de amor. Tem romance na narrativa?
Sim, temos que criar história além de histórias negras, mas também humanizar nossos heróis, que mesmo durante todos estes períodos vivem seus romances e momentos de alegrias. Nossos heróis eram, são e serão homens e mulheres que amam, sentem dores, mas sempre buscam a felicidade tão inerente ao povo negro.
Agora quero saber dos teus projetos literários.
Nos últimos 10 anos escrevi muita história infantil, que hoje estou transformando em filmes 2 D que darão um maior acesso às crianças como: Colorismo Negro (https://www.youtube.com/watch?v=U291Y2ab4iA), e a primeira mostra do filme NANÃ (https://youtu.be/DQU4MTG-ap8) que ainda estão sendo trabalhados e alterados para um melhor entendimento e qualificação, é um processo novo ao qual quero me apropriar, para poder levar minha mensagem.
Hoje tenho pronto a Saga do Mansa Abubakari II que quero lançar no final deste ano num formato de gibi, que para tal estou buscando parcerias.
É uma história cheia de aventuras de um rei que parte de Mali na África para a América, muito antes dos ditos navegadores europeus
Também a continuação do Ona Ti Òmìnira que já está bem adiantado, mas só lançarei no fim do próximo ano.
O que tu achas de ser escritor em um país de poucos leitores, onde a literatura nacional não é valorizada e o custo de edição é alto?
É uma pena, mas hoje busco deixar meu legado, fazer a diferença para quem se importa, para meus filhos e netos, amigos, não me apego a quantidade e sim a qualidade dos meus leitores e a importância do que escrevo para eles.
Por que você recomenda a leitura de seu livro?
Por ser uma nova opção de afro-leitura, hoje tão pouco romantizada, com tão poucos heróis. Temos que trazer novas opções e creio que meus livros será uma delas.
Deixe uma mensagem para seus leitores.
Fortalecer os afro-escritores é uma ação afirmativa e valorização de nossas ancestralidades.
Acompanhe o autor na internet:
https://www.facebook.com/GILCASU1/