O AMOR DE VINICIUS
Na última entrevista que deu, Vinicius de Moraes (1913-1980) disse que era um “namorador inveterado”. Contou que até aguentava a solidão, mas por pouco tempo, e que não sabia viver sem uma mulher. Vinicius amava, vivia a euforia, sofria, afundava e recomeçava. Casou nove vezes. A experiência, feliz ou infeliz, serviu de matéria para seus poemas, músicas, cartas e crônicas. Esses textos estão reunidos agora em TODO AMOR (Companhia das Letras, 278 págs.).
“Nas separações, ele sucumbia feito um náufrago. Mas renascia como um boto sedutor quando explodia uma nova paixão. Seus mais lindos sonetos foram criados nos delírios apaixonados vividos distantes das amadas, nas fagulhas das paixões e nas junções abrasadoras e sempre imortais”, diz Toquinho, parceiro e testemunha durante muitos anos da produção do poeta.
Toquinho destaca que, para Vinicius, o sofrimento era o grande combustível da poesia. “Sofria e arrasava-se com essas separações. Sentia-se culpado e logo se refazia, sem culpa nenhuma. Tinha tanto prazer na vida, uma alegria tão grande de viver, que transformava esses sofrimentos em pouco temo, sem se deixar dominar, talvez porque incrustava-os em sua poesia”, descreve.
Segue Toquinho na mesma linha de pensamento: “Romântico ao extremo, evitava as estruturas preconcebidas. Trabalhava o momento da inspiração, buscando dar forma aos sentimentos que aconteciam no correr da vida. Daí sucedendo a arte. Mas a vida na frente”. O poeta vivia intensamente o amor mesmo quando ainda o buscava, e esse amor transbordaria ainda mais forte quando realizado.
Eucanaã Ferraz, organizador do volume, observa que, ao longo de seus livros, Vinicius viveu o sentimento de maneira muito diversa. “Quando o amor se realiza, parece que nos poemas há uma certa saudade do amor quando ele ainda não tinha se materializado, como se sua materialização empobrecesse o sentimento. Ao mesmo tempo, há o desejo que ele se efetive. São sentimentos contraditórios, que vão aparecendo ao longo da obra junto com outros modos de pensar o amor.”
Para Ferraz, a obra do poeta é um grande aprendizado do amor. Na adolescência, o tema aparece vinculado a uma visão religiosa, explica: “Vinicius é um menino de formação católica e traz, para a poesia, uma espécie de drama – um apelo erótico, amoroso e, ao mesmo tempo, um desejo de purificação e salvação”. Seu primeiro livro, O CAMINHO PARA A DISTÂNCIA, publicado aos 19 anos, em 1933, mostra essa contradição.
Mas isso vai mudando. “Ao longo dos anos 1940, ele faz uma espécie de aterrissagem no mundo humano, com suas pequenas complicações diárias, suas personagens nada nobres; e Vinicius passa a deslumbrar esse mundo material e terreno para o qual ele não tinha olhos antes”, aponta, destacando: “A perspectiva amorosa se altera, e ele passa a viver de maneira mais confortável com esse apelo erótico, afetivo e sexual. Vai mudando sua posição perante a vida e, com isso, a posição diante do amor vai se tornando mais livre e experimental. O fantasma do pecado vai se perdendo e dando espaço a um amor vivido de maneira mais plena”, explica Ferraz.
No livro que chega agora às livrarias, encontramos Vinicius em todas essas fases. A obra não segue uma ordem cronológica. O livro é aberto EU SEI QUE VOU TE AMAR, seguida de SONETO DO AMOR TOTAL e O CAMELÔ DO AMOR.
“Vinicius foi um homem que fez sua vida baseada na poesia. Isso reflete as contradições desse grande poeta, que se debatia entre livrar-se das amarras e seguir as lógicas da própria vida” define Toquinho.
Fonte: Jornal do Comércio/Acontece em 18/06/2017.