AVES, DEUSES E OUTRAS VIAGENS EM POESIA
LOREAN LINCHEN ESTREIA COMO POETA COM ‘MIL GROUS’. LIVRO DO AUTOR, NASCIDO EM TORRES(RS), CHEGA COM PREFÁCIO ELOGIOSO DE JORGE MAUTNER.
Grous são aves veneradas no Oriente. Em alguns lugares, há quem acredite que fazer mil dobraduras de papel no formato do animal dá direito a um desejo realizado. Inspirado na dedicação de quem se entrega a fazer mil vezes o mesmo origami, Lorean Linchen se voltou a lapidar versos que escrevia desde 2007. Se algum pedido foi alcançado com isso, não sabemos, mas um dos resultados do esforço é bem palpável: a recém-lançada coletânea de poemas MIL GROUS.
Este é o primeiro livro do poeta de 26 anos, natural de Torres. E a estreia chega com prefácio elogioso de nada menos que Jorge Mautner: “Os significados e as belezas de sua poesia surgem como ondas de um oceano jamais visto”, escreveu o escritor e compositor carioca, conhecido por letras como Maracatu Atômico (gravado por Gilberto Gil e Chico Science) e parcerias com Caetano Veloso e outros artistas.
O volume é composto por 64 poemas curtos, repletos e imagens e musicalidade – a maior parte não ultrapassa uma página. O número remete à quantidade de hexagramas que compõe o I Ching, texto clássico chinês consultado até hoje por quem busca predições. Além das referências à cultura oriental, outras tradições místicas e religiosas entram nos versos de Linchen. Serpente com plumas (alusão ao deus asteca Quetzalcóat), Exú e o Mefistófeles são apenas algumas das divindades que ali convivem.
- Antes de mais nada, este livro é uma tentativa de criar uma mitologia pessoal – define o autor.
A busca por um panteão próprio não exclui a descrição da paisagem e do cotidiano do autor. O eu lírico volta e meia dá as caras acendendo um incenso ou um cigarro, ou simplesmente contemplando as águas claras por onde passa. A visão de quem está de passagem, com um perpétuo estranhamento, é algo recorrente. O próprio poeta viveu recentemente a experiência de ser continuamente um estrangeiro, quando viajou por dez meses pela América do Sul, em 2014 – era acompanhado apenas por um violão, com o qual se apresentava para ganhar algum dinheiro que o mantivesse na estrada. Foi só depois de voltar dessa jornada, na queria colocar à prova alguns sentimentos e intuições presentes nos versos, que se sentiu a vontade para publicar os textos.
O escritor e jornalista João Kowacs, autor de O IDEOGRAMA IMPRONUNCIÁVEL, foi um dos principais estimuladores da publicação. Ele acompanhou o processo de criação de boa parte dos poemas quando dividia apartamento com o poeta em São Paulo, entre 2011 e 2012. Agora, com ambos de volta a Porto Alegre, o trabalho se tornou o primeiro livro da editora de Kowacs, a Torre de Marfim, publicado em parceria com o zine Músculo.
- Tínhamos de aproveitar a presença do Lorean na cidade antes de ele cair fora outra vez – diz Kowacs, brincando com o perfil viajante do amigo.
Influenciado por referências como William Blake (1757 – 1827) e William S. Burroughs (1914 – 1997), Linchen fez de MIL GROUS um livro curto, mas que pode acompanhar o leitor por um bom tempo, encontrando luz até mesmo em seus momentos mais sombrios, como comprovam os versos “podemos mergulhar no abismo de nossos sonhos / o sol é filho da noite e a lua é mãe das estrelas / e tudo tudo isso é poeira que não nos impõe barreira”.
Fonte: ZeroHora/Alexandre Lucchese (alexandre.lucchese@zerohora.com.br) em 3 de fevereiro de 2016.