VERSOS FORA DO ARMÁRIO
Coletânea POESIA GAY BRASILEIRA reúne 127 poemas, 18 deles inéditos, de 44 autores de diferentes origens e gerações literárias.
Existe uma literatura exclusivamente gay? Um caminho para encontrar a resposta está na antologia POESIA GAY BRASILEIRA, lançada no último sábado (7 de abril), na Livraria Baleia, na Capital (dos gaúchos).
- A obra é uma porta de entrada para o tema – explica a pesquisadora mineira Amanda Machado, que organizou a compilação, fruto de três anos de pesquisa, ao lado da jornalista e poeta paulista Marina Moura.
O livro, já apresentado em São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, reúne 127 poemas – entre eles 18 inéditos – de 44 autores brasileiros. São trabalhos que abordam de diversos ângulos a homossexualidade, independentemente da orientação sexual do escritor.
Sem medo de se assumir, POESIA GAY BRASILEIRA dialoga com POEMAS DE AMOR MALDITO, coletânea organizada por Gasparino Damata e Walmir Ayala, considerada por alguns a primeira antologia de poemas homossexuais do Brasil. Lançada em 1969, em pleno regime de exceção, entretanto, em nenhum momento da temática LGBTQIA+ por meio da manifestação expressa dos organizadores ou mesmo pelos textos selecionados, como explicam Amanda e Marina na apresentação do trabalho que coordenaram: “Sem deixar de atribuir os devidos méritos ao corajoso trabalho de Damata e Ayala, ainda mais observando que lançaram a antologia em pleno AI-5, durante a ditadura militar, o que pretendemos aqui é um encontro de forças”.
Entre os temas da obra, nas palavras da poeta paulista, destacam-se “a visceralidade do afeto e a profundidade do amor entre as pessoas do mesmo sexo, porque é permeada por conflitos”.
- Os homossexuais têm que lutar muito para poder amar. Isso é árduo e fica evidente no livro – afirma a jornalista. - Tem também questões políticas que acabam rodeando isso. Porque há enfrentamento social e familiar. Você vai encontrar facadas, o proibido, o censurado, a culpa cristã.
É importante frisar que a antologia não trata apenas das relações homossexuais masculinas, como sugere a palavra gay do título. É também lésbica, bissexual, queer, trans – o que fica evidente por meio de um rápido passeio pelas páginas do livro.
- Essas questões são muito caras para a militância, ou para quem tem contato com essas lutas pelo reconhecimento e pelo respeito. A gente acredita que poesia gay dialoga com mais pessoas. Mas o nosso projeto quer ser inclusivo acima de tudo - defende Marina.
A complexidade da sigla LGBTQIA+ permeia a obra e é discutida no prefácio, na apresentação e na orelha do livro, assinada pela gaúcha Natalia Borges Polesso.
“Esta antologia é para todo o amante que não veio, para as desconhecidas que acenam de longe, para Amélias angelicais, as discípulas de Safo, as safadas, os velhos, a moça, aquelas que atravessam a rua, travestidas, as mal-educadas, as polidas. Esta antologia é para que possamos nos reconhecer”, escreveu a autora de AMORA, prêmio Jabuti 2016 de Contos e Crônicas.
Natalia ressalta o percurso das mulheres que pode ser vislumbrado na obra, desde Maria Firmina dos Reis (1825-1917), passando pela paulistana Hanna Korich, até chegar à pelotense Angélica Freitas, autora de UM ÚTERO É DO TAMANHO DE UM PUNHO:
- São vozes muito distintas. É lindo ver essa construção em um lugar meio enciclopédico – elogia a escritora de Bento Gonçalves.
Além de poemas de Angélica, o livro conta também com textos dos gaúchos Caio Fernando Abreu, Francisco Bittencourt, Paula Taitelbaum e Walmir Ayala. Vale salientar ainda os nomes de Lúcio Cardoso, Antonio Cicero, Hilda Hilst, Vange Leonel, Mário de Andrade, Roberto Piva e até Carlos Drummond de Andrade, presente com RAPTO – o poema remete a omito do sequestro do belo Ganimedes por Zeus, que se transformou em águia para levá-lo ao Olimpo, possuindo o rapaz em pleno voo.
Fonte: Zero Hora/Segundo Caderno/Rafael Balsemão (rafael.balsemao@zerohora.com.br) em 10/04/2018