POESIA FORTALECIDA
Paulo Scott se define como um leitor, embora venha escrevendo e publicando livros de diversos gêneros desde o começo da década passada. De lá para cá, ganhou os prêmios Açorianos e Machado de Assis, além de um destaque da Associação Paulista de Críticos de Arte e da presença em lista de finalistas do Jaboti e do Prêmio São Paulo de Literatura.
Gaúcho de Porto Alegre, o autor passou parte dos últimos três anos percorrendo a BR-101, de Garopaba, onde morava, e Tubarão, então seu local de trabalho. Foi em meio a essa rotina que escreveu os poemas que compõem GAROPABA MONSTRO TUBARÃO (Demônio Negro, 86 páginas), obra que marca seu retorno à poesia após MESMO SEM DINHEIRO COMPREI UM ESQUEITE NOVO (2014).
Em sua cidade natal, Scott autografa o livro amanhã (29 de janeiro), a partir das 19h, na Livraria Bamboletras. Ele conversou como Jornal do Comércio:
Você não publicava poesia desde 2014. Foi uma questão pessoal, de não estar produzindo, ou de mercado?
Não tenho essa coisa do mercado com a poesia. Se ninguém me publicasse, eu ia dar um jeito de me publicar. Acho que tem que deixar, distanciar um pouco. O tempo da poesia é diferente do tempo da prosa… não explode como um livro de prosa, que você joga uma energia forte no lançamento e fica uns três ou seis meses repercutindo em resenhas, comentários. O livro de poesia vai ganhando força com o tempo.
Em um dos versos você diz que único antídoto contra a violência é a sensibilidade. Por que escrever poesia no Brasil contemporâneo?
A poesia é sempre inimiga do discurso totalitarista. Acho que, dentro da poesia, o grande despudor está em trabalhar as dicções e temáticas do amor. O lado mais poderoso possível dentro da poesia é a explicitação ou o trabalho em torno do afeto. Você se aproximar do outro. Você entender o outro. Não estou dizendo que a poesia tem que ser engajada. Pelo contrário, sempre trabalhei no sentido DE NÃO FAZER OBRAS ENGAJADAS. Digo que meu compromisso é contar algumas boas histórias. Mas a poesia acaba sendo elegida pelo olhar de quem adere a ela – ou a teme – como alguma espécie de arma de expressão poderosa. Eu me alimento muito das coisas que leio. Tem essa menina, Yasmin Nigri, Ana Martins Marques, Marcelo Ariel, de Cubatão, poeta negro poderoso… São pessoas que trabalham em torno do afeto basicamente. E se você ver o conjunto narrativo desses poetas, vê uma força em direção ao outro, ao amor, à esperança e à resistência. A poesia brasileira vai sair mais fortalecida desse período de negação dos livros, da diversidade, desse momento de ódio.
E como você chegou a este recorte de GAROPABA MONSTRO TUBARÃO?
Ao sair do Rio de Janeiro (onde Scott morou), faço uma ruptura, porque mesmo com toda essa crise, é uma cidade identificada com a cultura. E vou para o interior de um estado extremamente conservador. E tem essa loucura de morar em uma cidade e trabalhar em outra e conviver nessa dimensão diferente, a estrada. O monstro. O monstro é ao mesmo tempo a BR-101 e eu, eu dirigindo. A imagem do monstro como ideia do poeta, de meios em que ser poeta e ser artista é ser exótico.
O livro começa com uma referência ao João Giberto Noll…
Não é uma referência, é um poema que trabalha questões minhas e que sei que eram do Noll, éramos amigos. Tem muito de inquietações do Noll, mas da minha geração também – que acho que vacilou politicamente. Uma geração que prometeu e se inebriou. Tinha outro título, relutei a colocar o nome ‘Noll’, mas avaliei bastante e achei que tinha que ser uma homenagem a ele, um dos maiores escritores do Brasil de todos os tempos. Um cara que infelizmente Porto Alegre não consegue dar o devido valor. O poema existe em função da voz do Noll.
Há muita melancolia e tristeza nas páginas do livro.
Ou não seria Paulo Scott, né? (Risos). Melancolia, tristeza, violência e uma dicção meio delicada ao mesmo tempo. E tem um pouco disso do exílio. As outras cidades em que morei são Porto Alegre, Londres e Rio de Janeiro. Agora estou indo para São Paulo. Espaços urbanos. Embora eu ame Garopaba, ela é tomada pela especulação imobiliária e ações antiecológicas. Tem um embate muito forte de forças que tentam preservar e que tentam destruir. Morando lá você vê o sofrimento dos pescadores, da comunidade açoriana que está ali desde muito tempo e enfrenta para manter sua cultura e dignidade.
E quais são seus outros planos de lançamentos para 2019?
Vai sair pela Alfaguara, selo da Companhia das letras, MARROM E AMARELO. É um romance sobre o racismo e colorismo no Brasil. Venho de uma família negra, embora tenha saído mais claro que meu irmão. Meu pai me chama de Amarelo e meu irmão caçula de Marrom. Vai girar em torno de uma família de classe média alta negra, num país racista como o nosso. Estou fazendo o último tratamento e sai em setembro. Já dei nove palestras sobre esse livro e ele não foi lançado (risos). A piada é que não fica pronto, são seis anos nele. E tem também um projeto de uma graphic novem com o Rafael Sica, mas não sei se sai neste ano.
Fonte: Jornal do Comércio/Panorama/Ricardo Gruner em 28/01/2019.