VIDAS SEVERINAS
“MORTE E VIDA SEVERINA”, poema épico de João Cabral de Melo Neto, tem trajeto refeito em especial de TV.
Pernambucano radicado há 20 anos em Brasília, o repórter da Globo, Gerson Camarotti por muito tempo alimentou o desejo de voltar aos cenários de sua infância e juventude imortalizados pelo escritor João Cabral de Melo Neto (1920-1999) no poema épico Morte e Vida Severina, lançado em 1955. Ao lado da diretora Cristina Aragão, Camarotti refez o trajeto do personagem Severino, um retirante que foge da seca e da fome no sertão de Pernambuco percorrendo a Zona da Mata rumo a Recife. O poema descreve, no caminho guiado pelo rio Capibaribe, um sofrido painel social e geográfico que se tornou referencial na cultura brasileira.
O especial Morte e Vida Severina – 60 anos Depois, que foi exibido no canal GloboNews, é o resultado da jornada de 1,4 mil quilômetros vencidos em duas semanas pelos jornalistas e uma equipe de três pessoas – a narração é do ator pernambucano Jesuíta Barbosa.
- É o projeto da minha vida – diz Camarotti. – Queria ver qual a realidade hoje no cenário descrito no poema. Não vimos fome, a mortalidade infantil foi reduzida e também não encontramos o trabalho infantil que eu registrava quando era repórter regional 20 anos atrás. Mas a falência da monocultura da cana de açúcar e o fechamento dos grandes engenhos geraram um processo de exclusão. E se tornou grave a questão ambiental. O Capibaribe, que sofria com a seca, agora sucumbe à poluição.
Carioca que bem arcou no projeto com “o olhar estrangeiro”, Cristina destaca que ocorreu um espécie de inversão de realidades:
- Conversamos com 40 pessoas e fomos indagando sobre como vivem e suas expectativas. Percebe-se melhorias na qualidade de vida no sertão profundo, onde casas passaram a contar com cisternas, amenizando o drama da falta de água. Ainda existem as “viúvas da seca”, mulheres que assumem o sustento da família quando os homens buscam emprego em outros Estados. Por sua vez, a região dos manguezais de Recife se deteriorou nos aspectos social e ambiental, com pessoas vivendo sobre palafitas em meio ao lixo.
Cristina destaca a mudança no perfil da população mais jovem:
- É uma geração que vê na educação a chance para mudar sua realidade. Em Ouricuri, no sertão, encontramos um filho de vaqueiro que se formou engenheiro agrônomo. Na Zona da Mata, uma menina de 15 anos, filha e neta de cortadores de cana, cursa o Ensino Médio e deseja estudar Medicina.
O texto de Morte e Vida Severina que lhe é tão familiar, ressalta Camarotti, materializou-se em trechos da jornada:
- Cruzamos com dois coveiros que tinham diálogos tão fortes como os coveiros que Severino encontra no final de sua viagem.
MARCO DA CULTURA BRASILEIRA
Publicado em livro em 1955 e com diversas reedições, Morte e Vida Severina ganhou montagens nos palcos em 1958, pelo grupo Norte Teatro Escola do Pará. A estreia no centro do país foi em 1960, pelo Teatro Experimental Cacilda Becker, em São Paulo. Em 1965, Chico Buarque musicou o poema para a montagem do Teatro Tuca, da PUCSP.
Morte e Vida Severina virou filme em 1977, dirigido por Zelito Viana e com José Dumont no papel de Severino. Dumont repetiu o trabalho na minissérie da Globo exibida em 1981 e vencedora do prêmio Emmy Internacional.
Em 2010, o diretor Afonso Serpa apresentou a versão em desenho animado do poema, a partir do trabalho do artista gráfico Miguel Falcão.
Morte e Vida Severina – 60 anos Depois, foi exibido no Canal GloboNews em 24/10/2015 e posteriormente disponibilizado no serviço sob demanda GloboNews play.
Fonte: ZeroHora/Marcelo Perrone (Marcelo.perrone@zerohora.com.br) em 24/10/2015