O PORTFÓLIO DE MARIO QUINTANA
110 ANOS DO POETA: RICARDO SILVESTRIN, POETA, REFLETE SOBRE A TRAJETÓRIA DO AUTOR DESDE AS FORMAS FIXAS INICIAIS ATÉ O VERSO LIVRE, MODERNISTA.
É interessante comparar as antologias poéticas de Quintana, uma organizada por ele e outra por Sérgio Faraco. Na de Faraco, os poemas estão em ordem cronológica, apresentados livro a livro. Lendo do começo ao fim, vemos o poeta passando das formas fixas, soneto, quadra, ou sonoras e com uma forma ainda clássica como as canções, para o verso livre, modernista. Esse trajeto dura décadas.
Embora a opção de estrear com sonetos num momento de auge das propostas modernistas tenha sido uma opção estética, para contrastar e afirmar que ainda era possível escrever bons poemas com a forma que parecia desgastada, o fato é que Quintana vai se mostrar mais adonado dos recursos do verso livre só na sua produção mais madura, em torno dos seus cinquenta para sessenta anos.
Seus livros escritos depois dos sessenta até o fim da sua vida privilegiam o verso livre, trazendo também alguns sonetos, haicais, canções, poemas em prosa, mostrando um poeta que dispõe de vários recursos de construção.
Mesmo que, no meio do caminho, com o APRENDIZ DE FEITICEIRO, Quintana já tenha mostrado sua veia modernista, é na maturidade que vai transitar com mais desenvoltura e com mais liberdade pelo poema guiado pelo ritmo da fala diagramada no espaço. Versos longos, curtos, quebras de versos por ênfase como se faz nos conjuntos da fala, não pela musicalidade da canção ou pelo número de sílabas da métrica.
Esse formato do livro da sua maturidade é o mesmo que Quintana parece buscar na antologia poética organizada por ele em 1981. Selecionou seus poemas com o olhar estético que tinha conquistado até ali. Mais do que um diálogo por temas, que realmente há, o que desmonta a seleção cronológica, o que temos diante de nós é uma espécie de livro portfólio.
É como se Quintana nos apresentasse sua obra com o que considerava de melhor e apresentada na sequência que nos mostraria estarmos diante de um poeta moderno, de mão firme, senhor das suas descobertas estéticas conquistadas em anos e anos de dedicação. Um poeta com apurado senso estético, ao mesmo tempo livre e crítico das formas e conteúdos da sua arte.
É claro que o espírito crítico e criativo esteve presente desde o início da sua obra. Quando lançou um livro de quadras, como o ESPELHO MÁGICO, trouxe para essa forma fixa, popular, “a quadrinha”, temas filosóficos, irônicos, avessos à aparente inocência formal. É como um pintor que busca no primitivo, no naif, suporte antigo para um gesto moderno.
Sua antologia resgata as quadras, os sonetos, é verdade que em menor número do que os de verso livre, mas os ambienta numa nova sequência em que percebemos a força total da sua produção. Poemas de um único verso, fragmentos iniciados e terminados por reticências, o peso dos poemas longos contrastando com os mínimos, dos livres com os metrificados, dos conteúdos existenciais com os prosaicos, dos desiludidos com os humorados, imagens que falam por si como na poesia chinesa, haicais captando, para sempre, o aqui e agora, tudo isso num poeta em que sempre se descobre algo novo a cada leitura.
É nisso que talvez resida sua permanência, anunciada por ele mesmo neste poema que bem demonstra tudo o que falei acima:
QUE HORAS SÃO?
Comecei a escrever este poema às 12h23min de 12 de agosto de 1974
Os Pesquisadores não querem outra vida
Eles morrem por dados
- mal sabem que a vida é um incerto e implacável jogo de dados...
E eu tanto que desejava que minha biografia terminasse de súbito
Simplesmente assim:
“Desaparecido na batalha de Itororó”!
(Desaparecido? Meu Deus, quem sabe se ainda estarei vivo?!)
Fonte: Correio do Povo/CS/Ricardo Silvestrin (Poeta, autor de livros como “Metal” e “Typographo” em 30 de julho de 2016.