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Entrevista c/Historiador Escocês Niall Ferguson
Entrevista c/Historiador Escocês Niall Ferguson

O PREÇO DE UMA SOCIEDADE LIVRE É A DESIGUALDADE

 

COM A PALAVRA: NIALL FERGUSON – Historiador escocês, 53 anos.

 

O nome de Niall Ferguson rompeu as fronteiras do meio acadêmico. O historiador escocês já foi considerado uma das cem pessoas mais influentes do mundo pela revista Time. Ao longo de sua trajetória, virou referência quando o assunto é a formação das civilizações ocidentais e orientais.

 

Professor da Universidade de Stanford, nos EUA, Ferguson também é especialista em história econômica. E não se esquiva de discussões sobre temas contemporâneos. Em 2018, deve lançar o livro THE SQUARE AND THE TOWER, em que analisa as relações formadas a partir das redes sociais.

 

 

Em seu livro CIVILIZAÇÃO, o senhor avalia que o Ocidente se sobrepôs ao Oriente por conta da adoção de seis princípios ou instituições: Ciência, Competição, Direitos de Propriedade, Medicina, Sociedade de Consumo e Ética do Trabalho. Na obra, esse sexteto foi chamado de Killer Apps (“Aplicativos Matadores”). O que esses aplicativos representam?

Escolhi o nome para que meus filhos tivessem interesse pelo meu trabalho (risos). Quando estava escrevendo CIVILIZAÇÃO, cinco anos atrás, eu tinha três filhos adolescentes. Eles não estavam interessados em outra coisa a não ser o celular. Se eu contasse que estava escrevendo um livro sobre as seis instituições que tornaram o Ocidente dominante, meus filhos teriam achado a ideia desinteressante. Então, usei a palavra apps. E consegui a atenção deles. Essas seis instituições são como os aplicativos de seu celular. Parecem simples, mas você não conseguiria decifrar o código que faz o app funcionar. Ocorre o mesmo com as instituições de que falo no livro. As seis, assim como os aplicativos, podem ser baixadas por qualquer pessoa. Não são mais um monopólio de americanos e europeus. Para mim, essa é uma boa analogia. Nas últimas décadas, a China, a Índia e outras civilizações baixaram alguns desses aplicativos. Esses princípios fazem parte da maioria dos lugares hoje. Antes, eram algo monopolizado por América do Norte e Europa Ocidental. Pela primeira vez em centenas de anos, temos uma espécie de convergência.

 

 

Em A GRANDE DEGENERAÇÃO, outra de suas obras mais conhecidas, o senhor avalia como o Ocidente vem perdendo espaço em áreas como a Economia. Esse declínio é reversível?

Sim, é um movimento reversível. Os problemas apontados no livro já existiam e podem ser consertados. O declínio dos Estados Unidos e da Europa Ocidental não é algo fora de controle. Há dois aspectos. Em primeiro lugar, esperar o declínio é um estado normal da mente humana. Nós declinamos. Eu estou declinando, ficando velho. É algo normal. Mas isso não é necessariamente aplicado a Estados, impérios ou civilizações, que podem enfrentar períodos ruins e, depois, recuperar-se. O declínio não é algo a ser esperado nesse caso. Em segundo lugar, no Ocidente, há problemas como o excesso de dívida pública, as regras complexas de regulação, o declínio do Estado de Direito e a fraqueza da sociedade civil. Todos podem ser consertados com lideranças básicas. Se relembrarmos a História dos Estados Unidos, por exemplo, veremos que o país não está em um estado pior do que estava no início de 1970. Na década seguinte, os americanos conseguiram mudar de direção. O sentimento no país ficou mais otimista, o que perdurou por décadas seguintes.

 

 

Qual é a alternativa mais adequada para o Ocidente barrar esse declínio? 

Acho que podemos falar sobre as más alternativas possíveis, como o populismo. Nele, há um líder forte e políticas restritivas de comércio e imigração. Essa é essencialmente a receita de Donald Trump. O populismo tende a tornar o cenário pior. Surgem pessoas de determinadas regiões que se consideram as únicas para tentar consertar a situação. Hugo Chávez (ex-presidente da Venezuela) foi um exemplo disso. Temos de ter cuidado com políticas populistas.

 

 

E quais são as melhores alternativas?

A tecnologia pode fazer os governos mais eficientes e baratos. São elementos clássicos do liberalismo: livre concorrência e liberdade individual. Isso está começando a acontecer em pequenos Estados, como a Estônia. Também pode ocorrer nos Estados Unidos, no Brasil. Podemos realmente transformar a política e a economia. A tecnologia mudou a forma com que nos entretemos, como compramos e pesquisamos de maneira online. Mas ainda não mudou, de fato, os governos. Estados continuam usando a tecnologia com os mesmos princípios do século 20. A grande revolução será a mudança dos governos através da tecnologia. Se de fato der certo, vai empoderar cidadãos e reduzir custos.

 

 

O senhor já afirmou que, se tivesse de escolher entre a desigualdade e uma guerra mundial, provavelmente optaria pela desigualdade. Por quê?

Só disse isso porque um livro recente de Thomas Piketty (economista francês que esteve no Fronteiras do Pensamento em setembro) afirma que estamos voltando, de alguma forma, ao nível de desigualdade dos anos 1950. Minha observação é de que o mundo era tão mais equilibrado em 1950, ou relativamente equilibrado, exatamente pelo alto grau de igualdade dos Estados Unidos e da Europa naquela época. Houve duas guerras mundiais, uma Grande Depressão, vários episódios de hiperinflação. Se você quer realmente reduzir a desigualdade, não há nada como uma guerra mundial, a depressão, a hiperinflação. Não acredito que possamos voltar aos níveis de igualdade de 1950 com mais impostos. Quando as pessoas falam de desigualdade, e dizem que está tão pior, esquecem de que a relativa igualdade dos anos 1950 foi resultado de uma era de massivos conflitos. Se você quer mais igualdade, basta pôr todo mundo em uniforme militar, pagar a todos o salário militar e gastar cinco anos em uma guerra convencional. Isso reduziria em muito a desigualdade. Minha questão é que, se você quiser a igualdade de 1950, terá de fazer algo muito radical. O funcionamento normal de uma economia de mercado em tempos de paz será produzir desigualdade. Em um mercado livre, talento e inovação produzem grandes retornos. É difícil parar isso com um sistema tributário punitivo. O talento para inovação irá para outro lugar. A questão é se é possível reduzir desigualdade de oportunidades. Temos de aceitar que o preço de uma sociedade livre é a desigualdade.

 

 

O senhor costuma ser convidado a falar sobre dificuldades relacionadas à democracia atualmente. Na sua opinião, a democracia está em crise? 

Fala-se muito, hoje, sobre a crise da democracia liberal. Se você acompanhar os jornais, conseguirá ver o porquê disso. As pessoas estão preocupadas com presidentes como Trump, nos Estados Unidos, e Recep Tayyip Erdogan, na Turquia. Veem Xi Jinping, na China, Vladimir Putin, na Rússia. Na verdade, não houve nenhuma mudança significativa nas propostas da democracia no mundo desde 1997. Nada mudou nos últimos 20 anos. Em 1997, li um artigo que sugeria o futuro das democracias liberais. A Rússia é um exemplo disso: tem eleições, mas não é uma sociedade livre. A democracia liberal não mudou em 20 anos. No entanto, penso que o termo “crise” é um pouco exagerado. Há pessoas que olham para Trump e dizem que “a democracia está em perigo”. Essa é uma reação exagerada. Não penso que Trump seja uma ameaça à democracia. As pessoas fizeram Trump presidente. Não estou tão preocupado com os Estados Unidos. O crescimento da China, é claro, parece impressionante, mas o país tem sérios problemas. Não acredito que, no longo prazo, o Estado de um partido possa representar um sistema político. Prefiro estar do lado dos otimistas.

 

 

Como o senhor analisa as recentes crises na política e na economia do Brasil?

Alguns aspectos da História do Brasil são muito particulares. O que vou falar são observações de um outsider que fez cinco viagens ao país em sua vida. Portanto, não sou um expert no tema. O problema do Brasil foi explicado para mim 10 anos atrás por dois estudantes brasileiros de MBA em Harvard. Basicamente, tentaram responder se o Brasil seria ou não o país do futuro. Então, apareceram dois argumentos que remontavam a dois problemas locais. Um é formado pela corrupção e pela disfunção do governo. O outro, pela dependência do mercado global de commodities. Se você olhar para esse cenário, nada tem mudado no Brasil de lá para cá. O sistema político não apresentou alterações, com fortes dificuldades para ser reformado. A economia ainda está relacionada a commodities. É muito difícil limpar um sistema político assim. Há um líder, mas um corrupto toma o seu lugar. Como encontrar políticos limpos em um sistema estruturalmente tão sujo? Não tenho uma boa resposta para essa questão. É um problema similar ao que a Itália teve. A questão é: onde o país está agora, depois da crise política e econômica? As pessoas aqui esperam milagres. Quando isso não acontece, têm grande depressão. Mas se você pegar uma visão sobre o progresso do Brasil, verá que foi algo muito impressionante. Devagar, mas seguramente, políticos deverão passar por certa limpeza. Com os benefícios da internet, das mídias sociais, é mais difícil ser um político corrupto. Na Índia, também há um problema crônico de corrupção, mas a imprensa livre faz um grande trabalho para expor isso. Jornalistas atuam incrivelmente nesse sentido. Há certo otimismo no Brasil e na Índia em relação a isso. Já na China uma visão negativa, porque não existem essas mesmas liberdades.

 

 

O senhor atuou como consultor do senador americano John McCain, que disputou a presidência dos EUA com Barack Obama em 2008. Como avalia o governo Obama?

O governo Obama foi superestimado. Investiu muito em seu programa de cuidado à saúde e regulações adicionais do sistema financeiro, em vez de focar em alguma reforma.

 

 

E qual a sua opinião sobre Trump?

É um populista clássico. Pessoas do meio intelectual e da mídia falharam ao ver o quão ele é efetivo como demagogo e orador, atendendo a frustrações e ansiedades. Não culpo quem votou em Trump. Aliás, entendo por que votaram nele. Os aspectos que motivaram isso foram a frustração com Obama, a aversão a Hillary Clinton e a sensação de que é preciso agitar as coisas. Na prática, o governo Trump é mais próximo de Wall Street, da elite do mundo dos negócios. O populismo sempre desaponta.

 

 

Em 2016, o senhor comparou o Brexit, no Reino Unido, a um divórcio. Por quê?

É exatamente um divórcio. Em todas as separações, a pessoa que inicia o processo pensa que tudo terminará bem. A outra, por sua vez, pode ficar com raiva e pensar: “Você fará isso. Mas eu farei você pagar”. E, então, começam a falar apenas sobre dinheiro. Isso é o Brexit. Em um divórcio, se você odeia um pouco o seu companheiro no início do processo, irá odiá-lo realmente dois anos depois. No geral, as separações podem sair bem caras e levar um longo tempo.

 

 

Outro tema atual na Europa é a crise migratória. Quais são os desafios em relação a isso?

Os refugiados continuam chegando à Europa, que não está preparada para recebê-los. Os mercados liberais europeus não absorvem bem trabalhadores com menos qualificação. Isso é muito ruim. Em segundo lugar, há um grande problema cultural. Boa parte dos migrantes é muçulmana e acaba se concentrando em áreas urbanas afastadas. Quando Trump propôs barrar a entrada de muçulmanos, foi muito criticado nos Estados Unidos. Mas, na Europa, a maioria das pessoas diria que essa política deveria ser colocada em prática no continente. É uma situação muito problemática. Há surgimento de extremismos em comunidades muçulmanas na Bélgica, na Holanda, na França, na Alemanha. Redes como a do estado Islâmico conseguem se estabelecer nesses locais. É possível prever o fortalecimento do extremismo na Europa e o crescimento do populismo. Marine Le Pen não venceu a eleição na França. Mas as ideias populistas voltaram. Sou um pouco pessimista nesse tema. A crise migratória é muito profunda.

 

 

Em 2018, o senhor deve lançar THE SQUARE AND THE TOWER. Quais temas são abordados no livro?

O argumento do livro é de que a maior parte da História foi construída sob a tensão entre governos, igrejas ou corporações. Hoje, a conexão em rede mudou isso. A tecnologia permitiu que a conexão entre indivíduos ficasse mais forte, e as instituições, mais fracas. Isso começou a acontecer na Europa a partir do surgimento da imprensa escrita. Foi o início da revolução tecnológica. Mais recentemente, a internet criou dinâmica similar. Empoderou as conexões entre os usuários. Isso é incrível. Mas é preciso ter cuidado. Tornar as conexões entre as pessoas mais fortes não necessariamente traz os resultados esperados. As redes sociais, curiosamente, aumentam a polarização. Criam as próprias bolhas, que reforçam visões ainda mais restritas. É isso que acontece hoje em quase todos os países em que há presença de Facebook e Twitter. Ideias loucas dividem o mesmo espaço com ideias boas.

 

 

Em novembro, em entrevista à BBC, o senhor havia analisado esse tema, dizendo que as redes sociais prometem uma “comunidade global”, mas resultam em polarização, e não união.

As redes sociais são instrumentos poderosos e potencialmente perigosos para a democracia, o que ninguém imaginaria até dois anos atrás. Abrigam mais de 2 bilhões de usuários, mais do que a população da China. Cerca de 45% dos americanos usam o Facebook para se informar. Mas os algoritmos do Facebook não foram criados para promover o entendimento. Foram desenhados para incentivar o engajamento com conteúdos. Por isso a publicidade paga ao Facebook para ter anúncios no feed. O fato de as pessoas encontrarem conteúdos de qualidade não necessariamente é verdade. As notícias falsas costumam ser bem mais atrativas do que notícias de verdade. Geram mais visualizações e, por isso, são privilegiadas pelos algoritmos do Facebook. Frequentemente, roubam os conteúdos de jornalistas. O Facebook tem uma espécie de monopólio, que pertencia às grandes empresas de mídia tradicional. Isso é uma posição muito poderosa. Apoio algum tipo de regulação. Essa situação é problemática, e também não acho que seja sustentável. Você não pode ser o maior publisher e não aceitar nenhum tipo de regulação. Isso tem de mudar. As redes sociais são boas, conectam as pessoas. Mas os problemas gerados por elas têm me feito enxergar as mídias tradicionais com melhor visão.

 

Fonte: ZeroHora/doc/Leonardo Vieceli (leonardo.vieceli@zerohora.com.br) em 03/12/2017