INVESTIGADOR DO TEMPO
LITERATURA: LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL
Responsável por livros como O HOMEM AMOROSO, CONCERTO CAMPESTRE e MÚSICA PERDIDA, Luiz Antonio de Assis Brasil volta a abordar o universo musical em O INVERNO E DEPOIS (L&PM, 352 págs.) Assim como o autor, que integrou a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, o protagonista é um violoncelista: Julius, enfim, se dedicará a uma composição que o fascina desde os tempos em que estudou na Alemanha, há 30 anos. No enredo, o personagem reencontra o passado ao retornar à estância onde nasceu – um retiro autoimposto a fim de estudar a obra. O lançamento foi em 21 de setembro, na Livraria Saraiva do Iguatemi.
O livro se passa na contemporaneidade, algo não muito comum em sua obra. Como você achou o tom para narrar no presente?
Param mim, escrever sobre o passado é o mesmo do que escrever sobre o presente. Ademais, quando as minhas ações estão situadas no passado, eu faço um olhar do presente. É o escritor de hoje, integrado no seu tempo, que vê o passado e traz ele à luz do pensamento de hoje, do modo de ser de hoje. Pode ser que os leitores sintam alguma coisa diferente, mas acho bem natural.
Julius também tem uma visão deslocada a respeito do que está ao seu redor. O que lhe interessa tanto nesse conflito?
Sou bastante obcecado com esse tema. Nos últimos tempos, tenho voltado a ele com muita frequência. É um provocador de tensões. Pode revelar a verdadeira pessoa – no momento em que ela sai fora do seu plano geográfico, cultural e emocional. Nesse caso, é uma realidade já conhecida do protagonista, mas que é outra: deixou de ser aquela da infância e passou a ser algo estranho. Acho que digo, em certo momento, que ele se sente um invasor da própria memória – voltando depois de tanto tempo e reencontrando aquilo que ele era, que foi, mas não é mais.
O senhor também fez parte de uma orquestra e viveu um período na Alemanha.
Não sei escrever sobre o que eu não conheço. Würzburg é uma cidade que conheço muito bem. A escola de música de Würzburg também. Até fiz nova viagem para conferir algumas coisas. Essas cidades europeias não mudam muito, n em as instituições. Então encontrei mais ou menos o ambiente da época. As relações entre músicos, professores, estudantes e a cidade, tudo isso ainda está preservado.
A música é muito associada a memórias e sentimentos. Essa é uma das razões pelas quais esse universo aparece com frequência em seus livros?
Simplesmente não posso viver sem ela. Não estou falando de uma realidade que acontece atualmente, do excesso da música, que está presente desde que o sujeito acorda até dormir. Para mim, não existe música de fundo. Ponho, sento e ouço. Mas, de fato, ela é muito forte para mim no sentido do despertar de emoções e despertar de percepções do real e de entender o real.
O modo como o músico enxerga seu próprio desempenho também aparece no livro.
É algo permanente em qualquer músico consciente. Já estive com solistas importantes, e são pessoas que sempre me dizem: “olha, toda vez que vou para o concerto, estou nervoso, preocupado, tenho medo de errar”. Não se aprende música para sempre, se aprende a cada dia. Isso gera muitas neuroses no plano individual.
Muitos produtores e compositores dizem que não se termina um disco, se desiste dele. Como é na sua literatura?
A obra perfeita não existe. Estou bastante amargurado por um equívoco meu no livro, uma repetição de palavras. Isso está me preocupando um monte. Passou por inúmeras revisões e nenhuma viu. Então o neurótico sou eu.
Julius diz que todos os livros são histórias de amor. É só uma frase de efeito do personagem?
Não é, não. Penso nisso fazendo hipérbole, hipertrofiando, mas todos os livros no fundo encerram alguma história de amor. Parece que o amor continua sendo o grande motivo literário e artístico de um modo geral.
Fonte: Jornal do Comércio/Caderno Panorama/Ricardo Gruner em 21/9/2016.