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Entrevista com Cristovão Tezza
Entrevista com Cristovão Tezza

ENTREVISTA COM CRISTOVÃO TEZZA

 

A INFELICIDADE É UM GRANDE TEMA”

 

Com trajetória tanto na área ficcional quanto na academia, o escritor Cristovão Tezza tem dois livros novos no mercado: em abril, o autor do premiado O FILHO ETERNO lançou A TIRANIA DO AMOR (Todavia, 176 páginas), romance sobre um economista que, em crise, resolve abdicar do sexo. Na semana passada, esteve em Porto Alegre autografando a compilação de ensaios LITERATURA À MARGEM (Dublinense, 160 páginas) O volume reúne textos apresentados pelo catarinense em conferências ao longo dos últimos 10 anos. O escritor conversou com o Jornal do Comércio a respeito das novidades.

 

 

Em LITERATURA À MARGEM, o senhor brinca que a origem do escritor é a infelicidade. Foi uma percepção que teve ao longo da carreira ou desde cedo?

Você só começa a perceber depois que está estabelecido como escritor e passa a olhar para trás. Eu uso como uma brincadeira. O que leva alguém a escrever? A infelicidade. Sempre digo assim: pessoas felizes não escrevem, vão ao cinema, namoram, se dão bem com a família (risos). É o infeliz que se tranca para escrever e tentar resolver alguma fissura na vida dele. Claro, é um pouco brincadeira, um pouco verdade. Se você pegar a biografia dos escritores, vai ver que tem muito mais infelizes do que felizes. É um tipo de trabalho que exaure muito.

 

 

O senhor também diz que o bom leitor não gosta de final feliz, ‘águia com açúcar’. Como chegou a essa conclusão?

A grande literatura começa lá nos gregos, com as tragédias. O tipo da aventura com final feliz é uma criação romântica – o modelo, o formato moderno do final feliz. Em outros momento da história, o final feliz podia ser ideologicamente condicionado: por exemplo, a literatura cristã dominou toda a Idade Média. De certa forma, ela tem um princípio ideologicamente moralizante: você lê um poema ou uma obra literária e aquilo precisa ser, de alguma forma, edificante. A maneira moderna é uma maneira laica. Significa que, por uma sucessão de acasos, as coisas dão certo. É típico do cinema, a arte do século XX por excelência. Modernamente, a literatura, como uma arte laica desvinculada de uma metafísica ou de um projeto religioso ou ideológico, é o homem e sua solidão. A infelicidade é um grande tema.

 

 

Existe “bom leitor” ou é outra brincadeira?

A literatura virou quase um nicho de mercado. Todo leitor é bom, porque é uma coisa tão rara hoje em dia (risos). Mas o “bom leitor” que digo é alguém que vê a literatura como um tipo de linguagem que não se encontra em nenhuma outra linguagem social à disposição. Lendo Kafka, Thomas Mann, lendo escritores que marcaram a literatura do século XX, você vai criando um tipo de mundo, de especulação sobre a realidade, uma hipótese de existência que você não acha m outro lugar. O papel da literatura é esse.

 

 

Seu novo romance, A TIRANIA DO AMOR, se passa no Brasil de hoje. É mais fácil escrever sobre o presente?

Romance histórico eu acho muito mais difícil, tem um trabalho para não cometer anacronismos. É preciso pensar o tempo passado com a medida do tempo passado. Minha literatura sempre foi muito contemporânea. A partir do TRAPO, de 1988, meus romances sempre falam do presente. Mais recentemente, comecei a colocar de uma forma muito forte o entorno político e econômico, coisa que só indiretamente aparecia nos anteriores. Em A TIRANIA DO AMOR, o Brasil de 2017 é um pano de fundo, não o tema. Escrevo sobre um economista em um dia de crise neste brasil, mas o que interessa é o personagem.

 

 

Por que achou interessante contar a história desse personagem?

Não sei. Era para ser um livro sobre um cara que escreveu um livro de autoajuda sob um pseudônimo. Nem tinha a profissão dele. Na hora de escrever a primeira página, queria colocar uma profissão que não coincidisse com a minha área de atividade, e economia era algo que eu estava lendo muito. No Brasil, é fundamental você ter informação econômica, da história do dinheiro. Era para ser um funcionário do Banco Central, na primeira ideia. Depois, virou um sujeito da iniciativa privada, e o livro tomou o rumo que tomou.

 

 

O senhor disse que literatura está quase virando um nicho no Brasil. Por que escrever ficção em 2018?

É uma boa pergunta. Talvez boa para fazer a um jovem: por que começar a escrever agora? Eu já não sei fazer outra coisa. É meu modo de me situar no mundo. Já é até meu modo de sobrevivência. Vivo só disso. Não consigo conceber minha vida sem escrever ficção. Ficção, para mim, é um modo de reconhecimento do mudo – e isso me interessa.

 

Fonte: Jornal do Comércio/Panorama/Ricardo Gruner em 18/06/2018.