INFÂNCIA NA PONTA DO LÁPIS
Maurício de Sousa apresentou, há exatos 60 anos, primeiros traços de seu universo atemporal.
Um homem de cartola discursa em cima de um caixote de madeira. As pessoas que o ouvem logo o abandonam. Resta na plateia um garoto rechonchudo de franjinha. O orador também vai embora. O menino levanta a caixa e surge um cachorrinho e os dois partem juntos. Publicada no dia 18 de julho de 1959 no jornal Folha da Tarde (atual Folha de S. Paulo), a tirinha de estreia de Maurício de Sousa apresenta o primeiro encontro de Franjinha e Bidu. Gradativamente, mais de 400 personagens seriam criados pelo desenhista: Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali, Chico Bento...
Há 60 anos, Maurício deixava de ser repórter policial e iniciava a criação de seu universo lúdico.
– Ah, bendita tirinha... – recorda o autor em entrevista a Zero Hora.
– Lembro que esperava ver aquela tirinha pronta para comprar um monte de jornal (risos). Ali começou tudo. Fui criando equipe, desenvolvendo mais histórias, criando novos personagens. E a coisa foi seguindo até hoje. E não está com cara de que vai parar não.
Em suas histórias, Maurício transmite uma visão utópica da infância: as crianças brincam no campinho esverdeado, conversam por telefone de lata, soltam pipa, pescam em águas limpas e descansam embaixo de árvores. Quem cresceu lendo as histórias da Turma da Mônica, em algum momento, se imaginou dentro daqueles quadrinhos. Como seria bom comer aquela melancia da Magali, não? Ou quem sabe a goiaba do Nho Lau. Esse mundo criado por Maurício povoa o imaginário dos brasileiros e atravessa gerações, chegando à era em que as crianças convivem com aparelhos digitais desde o berço. Porém, os personagens clássicos seguem, digamos, analógicos.
- Eles não estão prisioneiros de uma tecnologia que pode viciar, como acontece hoje com a criançada. Nenhum deles surge com celular, está plantado atrás do computador ou escravizado pela máquina. Estão brincando, brigando de vez em quando, passeando em lugares aprazíveis – explica Maurício. – Esse cenário pega não só adultos saudosos, mas também a criançada. É incrível ser que nem o Cascão e o Cebolinha, que brincam em ruas tranquilas. Nós atendemos a um desejo talvez oculto do nosso público.
Século 21
Além de diversificar seus personagens e histórias ao longo das décadas, o artista e empresário também foi expandindo a imagem da turminha em produtos licenciados, parque temático e diferentes plataformas, como games e desenhos animados. A partir do século 21, os quadrinhos da franquia passaram a se reinventar, ganhando versão mangá (Turma da Mônica Jovem e Geração 12) e releituras pelo selo Graphic Novel MSP – LAÇOS, longa-metragem live-action (com atores) que chegou aos cinemas em junho, é uma adaptação dessas histórias.
Hoje, o estúdio da Maurício de Sousa Produções conta com mais de cem artistas só na parte de quadrinhos. Aos 83 anos, o desenhista atua mais como empresário e supervisor do legado de sua obra, delegando funções.
- O que procuro passar para o pessoal é o estilo descontraído de criar situações nos quadrinhos, expressões alegres e divertidas e, se possível, levar alguma mensagem de esperança.
Por conta da expansão de sua empresa no Japão, Maurício pretende voltar ao batente para voltar a desenhar o filhote de dinossauro Horácio:
- Havia parado de desenhar o Horácio, pois possuía um estoque muito grande. Tinha 30 anos (de desenhos) prontos. Depois de três décadas, o pessoal já esqueceu da história e posso até repetir. Só que, recentemente, os japoneses pediram tiras do Horácio que nunca fiz. Então, estou precisando voltar à carga. É o único personagem que nunca consegui passar para minha equipe. Não consegui que pegassem o seu espírito e filosofia.
Aposentadoria em vista? Maurício descarta:
- Artista mesmo, em atividade, nem passa pela cabeça parar. Se estiver bom da memória e da mão, vai estar criando até os cem anos.
60 ANOS E COM NOVIDADES A CAMINHO
Ao longo dos anos 2000, o Estúdio Maurício de Sousa Produções tem reinventado as historinhas da Turma da Mônica, seja em seu conteúdo ou forma. Um primeiro passo foi dado em 2008, quando saiu a linha alternativa TURMA DA MÔNICA JOVEM. Desenhadas em estilo mangá e publicadas em preto e branco, as revistas trazem os personagens da Vila do |Limoeiro em versões adolescentes. Em seguida, veio o selo Graphic Novel MSP, no qual artistas nacionais escreviam e desenhavam histórias especiais apresentando com seu estilo próprio releituras dos personagens. Foi a adaptação da graphic novel LAÇOS, criada pelos irmãos Luciana e Vitor Cafaggi, que chegou aos cinemas em junho. Agora é a vez de GERAÇÃO 12. Um novo selo de mangá MSP que traz os personagens da turminha com 12 anos.
Lançada no dia 12 de julho, a revista apresenta uma realidade alternativa trazendo aventuras da primeira geração de alunos a estudar no Instituto Astro de Exploração Espacial. Nesse universo, as viagens espaciais são constantes: a Terra está ficando inabitável e a humanidade deve se mudar para outros planetas. Com traço mais próximo do mangá, GERAÇÃO 12 será seriada: seis edições por temporada, com lançamento bimestral.
Além dos clássicos Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão, Geração 12 traz Milena como protagonista. Criada em 2017, a personagem negra tem recebido boa aceitação do público e a tendência é que apareça cada vez mais.
- Ela tem sido muito amada. Na hora que a Milena aparece em alguma divulgação, as pessoas enlouquecem. Ela realmente representa. Estamos com planos de expandi-la cada vez mais, desenvolvendo mais a sua personalidade, além de inseri-la em todos os nossos produtos – destaca Marina Takeda e Sousa Cameron, filha de Maurício, diretora de Conteúdo da MSP.
Embora Maurício já tenha declarado que a Turma da Mônica não deve levantar bandeiras, na prática o estúdio tem aberto espaço para a representatividade. Um exemplo é o projeto Donas da Rua lançado em parceria com a ONU Mulheres – cujo objetivo é reforçar a autoestima de meninas de todo o Brasil e a defesa de seus direitos. As histórias também têm sido mais suavizadas com o passar dos anos.
- Precisamos estar atualizados com o que a criançada tem visto e com que público demanda. Temos tentado ser o mais politicamente corretos possível, transmitindo uma mensagem mais atualizada. Já não passa mais nada machista nas revistas. As ofensas do Cebolinha também foram adaptadas. Maurício tem que se sentir confortável, a história tem que fazer sentido para ele – explica Marina.
Lobato
Além da Geração 12, entre as novidades deste ano está o espetáculo BRASILIS – CIRCO DA TURMA DA MÔNICA, que desembarca em Porto Alegre, no Teatro do Bourbon Country, de 1º a 3 de novembro. A produção circense-musical enaltece a diversidade do Brasil. Em São Paulo, no prédio da Fiesp, foi inaugurada na última quinta-feira (17 de julho) a exposição OLÁ, MAURÍCIO! que repassa 60 anos de atividade do desenhista. Ao longo deste ano, obras de Monteiro Lobato ganharam versões da Turma da Mônica. Já foram lançadas NARIZINHO ARREBITADO e O SÍTIO DO PICAPAU AMARELO.
LINHA DO TEMPO
1959 – Surgem, em uma tirinha no extinto jornal Folha da Tarde, o cão Bidu e seu dono, Franjinha.
1960 – É criado o Cebolinha, menino inspirado em um dos amigos de infância de Maurício de Sousa.
1961 – Chegam Chico Bento, criado para homenagear a gente da roça, e Cascão, que Maurício receava ser rejeitado pelos leitores, mas teve rápida aceitação.
1963 – A turma ganha sua protagonista: a briguenta e dentucinha Mônica, inspirada na segunda filha de Maurício, nascida em 1960.
1964 – Primeira aparição da Magali, inspirada na terceira filha do autor, nascida em 1961.
1970 – É publicada a primeira revista Turma da Mônica, pela Editora Abril. Até então, os personagens eram publicados somente em tirinhas.
1982 – Primeiro filme de animação, AS AVENTURAS DA TURMA DA MÔNICA, concebido e dirigido pelo próprio Maurício de Sousa.
2008 – Chegada da TURMA DA MÔNICA JOVEM, com aventuras e dramas das versões adolescentes de Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali, entre outros.
2009 – É publicado MSP 50 – MAURÍCIO DE SOUZA POR 50 ARTISTAS, com visões autorais dos personagens. É o embrião do selo Graphic Novel MSP.
2019 – Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão chegam ao cinema em carne e osso em TURMA DA MÔNICA – LAÇOS. A companhia anuncia sua nova revista, GERAÇÃO 12, uma versão mangá que retrata a turminha como pré-adolescentes.
Fonte: Jornal Zero Hora/Segundo Caderno/William Mansque (william.mansque@zerohora.com.br) em 18/07/2019