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Angola Janga: de Marcelo D'Salete
Angola Janga: de Marcelo D'Salete

A SOFISTICAÇÃO DO QUILOMBO

 

Em mais de 400 páginas, monumental HQ ANGOLA JANGA esboça os rostos e a resistência de Zumbi, Ganga Zumba e todas as figuras históricas de Palmares.

 

Livro: ANGOLA JANGA: UMA HISTÓRIA DE PALMARES, de Marcelo D’Salete, HQ, Editora Veneta, 432 páginas.

 

São poucos os registros da existência e das lutas em torno do Quilombo dos Palmares, conjunto de assentamentos que virou símbolo da resistência à escravatura. Sabe-se que era um conjunto de povoados fundados por escravos fugitivos na Serra da Barriga (AL) e que, segundo informe dos seus opositores, tinham alta organização social e militar.

 

Mas um dos problemas é justamente este: os registros vêm d oposição, os capitães e bandeirantes que desmantelaram Palmares após décadas de guerra no mato. O ponto de vista dos quilombolas praticamente só pode ser imaginado. E é isso que Marcelo D’Salete faz em ANGOLA JANGA, trabalho de fôlego para dar protagonismo, rostos e drama a figuras de Palmares como Zumbi, ganga Zumba e Antônio Soares.

 

D’Salete toma uma rota que lembra filme de ação de Hollywood: os mocinhos escravos travam batalhas, cada vez mais complexas, contra os vilões colonialistas. Os mocinhos têm dificuldades e dissidências. Os vilões são muito maus e têm recursos infinitos.

 

Pode não haver superpoderes nem tantas explosões. Mas o maniqueísmo típico de Hollywood está ali. Na comparação com os filmes dos grandes estúdios, porém, ANGOLA JANGA é mais sofisticado: enquadramentos ousados, a câmera lenta que tenta acompanhar a mente do herói, longas sequências com ares de sonho ou metáfora à moda Terrence Malick.

 

Em termos de quadrinhos, D’Salete utiliza uma estética heterogênea, lembrando o mangá: o traço por vezes mais detalhado e com foco na composição, por vezes mais cartunesco e focado na expressão. As faces, por exemplo, variam das teatrais e exageradas ao detalhamento nas caras de placidez ou temor dos heróis.

 

A quadriculação é farta. Superando as 400 páginas, talvez seja a HQ brasileira mais extensa já lançada de uma vez. D’Salete se dá ao trabalho de alongar as cenas por várias páginas de alta densidade de quadros, geralmente com mudança de plano frenética, até chegar ao tempo dramático que quer impingir. Em contraste, usa com frequência belos panoramas de meia página que mostram seus dons de composição.

 

Contrariando a lógica hollywoodiana, os mocinhos perdem. Palmares começou a ser desmantelada pelas forças coloniais no final do século 17. (A cena logo após a morte de Zumbi, no capítulo 10, é o ponto alto do álbum.)

 

Embora maniqueísta, a trama reflete a lógica simplista, banal, da escravatura: escravos são escravos porque assim o são, sendo a cor da pele o ponto de corte. De outro ponto de vista, a HQ inverte a narrativa histórica que coloca os bandeirantes como heróis e que está bem representada em monumentos de ruas.

 

ANGOLA JANGA ainda pode servir de metáfora do Brasil atual e da lógica simplista na perseguição institucionalizada a direitos civis. O quilombo está perdendo, e as forças do mal continuam banais.

 

Fonte: Zero Hora/Caderno DOC/Érico Assis/Folhapress em 18/02/2018.