NOS TRAÇOS DA MEMÓRIA
Santiago lança álbum que narra em quadrinhos causos e recordações infantis.
Livro: A MENINA DO CIRCO TIBÚRCIO – Santiago
Quadrinhos – Editora Libretos – 60 páginas
Bamba do traço, chargista amplamente reconhecido e autor de pelo menos um personagem imortal do quadrinho local, o Macanudo Taurino, o artista Neltair Abreu, o Santiago, vem se espraiando nos álbuns de quadrinhos memorialísticos – uma das vertentes mais ricas do gênero. É essa a proposta de A MENINA DO CIRCO TIBÚRCIO E OUTROS CAUSOS DESENHADOS, seu novo livro, que reúne cinco dezenas de histórias.
A MENINA DO CIRCO TIBÚRCIO dá continuidade a um projeto que Santiago já havia apresentado com um primeiro álbum, CAUSOS DO SANTIAGO, publicado pela Zarabatana Books em 2013. Neste segundo volume, editado pela Libretos, o cartunista segue o padrão que havia delineado no primeiro: histórias curtas, muitas de uma página, que narram episódios de infância vividos na Santiago dos anos 1950 e 1960 (o cartunista nasceu em 1950) uma cidade com um ritmo aparentado ao rural – a água vem do poço, todo guri já teve que encilhar cavalo ou rachar lenha, etc.
Com seu traço fino e preciso, pouco uso de sombras e cores esmaecidas, quase amareladas, Santiago faz uma preciosa reconstrução afetiva e visual de um mundo em que muita coisa se transformou e um tanto desapareceu: a rotina dos trabalhadores de ferrovias, a chegada de um circo na cidade interiorana, a passagem pela cidade dos acampamentos de ciganos, a rigidez da escola, a redes de relações entre vizinhos. É também o retrato de uma infância com muitas atividades na rua e brinquedos improvisados – tem coisa ali que o próprio artista avisa que é melhor a criançada não fazer hoje, como montar um trabuco de espoleta para disparar pregos, por exemplo.
Alguns causos avançam a fronteira da infância até períodos de vida do artista já adulto: as conversas com o poeta Mario Quintana na redação do Correio do Povo, um passeio pela Cidade Baixa, o bairro boêmio de Porto Alegre, viagens. A última história reunida no livro representa uma surpresa para quem acompanha o trabalho do autor há décadas: um trabalho do início da carreira em que, no estilo dos quadrinhos mais realistas de faroeste, um tanto diverso, Santiago adapta o clássico conto Jogo do Osso, de Simões Lopes Neto.
Apesar de também poder ser lido pelos jovens, fica claro que as ambições do álbum miram nos adultos. Os causos de Santiago formam um amplo e generoso painel do passado e dos tipos da vida interiorana. Memórias cálidas em vantagens, pelo humor.
Fonte: ZeroHora/Mundo Livro/Carlos André Moreira (carlos.moreira@zerohora.com.br) em 27/10;2017