NÍVEIS DE FORMALIDADE E VARIANTES LINGUÍSTICAS
A linguagem pode ser mais ou menos formal dependendo da situação. Neste capítulo, o que são os níveis de formalidade, estrangeirismos e neologismos e ainda vai entender mais sobre o emprego de gírias e regionalismos.
LÍNGUAGEM FORMAL E LINGUAGEM INFORMAL
A linguagem formal pode ser oral ou escrita. É geralmente empregada quando nos dirigimos a um interlocutor com quem não temos proximidade: solicitação de algo a uma autoridade, entrevista de emprego, por exemplo. A polidez e a seleção cuidadosa de palavras são suas características marcantes.
A linguagem formal segue a norma culta. É usada em situações formais, como correspondência entre empresas, artigos de alguns jornais e revistas, textos científicos, livros didáticos.
A linguagem informal também pode ser oral e escrita. É geralmente empregada quando há um certo grau de intimidade entre os interlocutores, em situações informais, como na correspondência entre amigos e familiares.
A estrutura da linguagem informal é mais solta, com construções mais simples, e permite abreviações, diminutivos, gírias e até construções sintáticas que não seguem a norma culta. Lembre-se de que usar essa linguagem não significa que o emissor não saiba (ou não possa) se comunicar de outra forma quando necessário.
Leia os textos a seguir, que são exemplos do emprego dessas duas linguagens:
Texto 1
Por que não dancei
“(...)
Os meninos estão se divertindo no chafariz da Praça da Sé. Dos oito aos quinze anos, eu também pulava nessas águas, e o chafariz era a minha felicidade. Mas o tempo passou. Hoje estou com 21 anos e não tomo mais banho da praça. (...)
Nesse tempo, dos banhos gelados da Sé aos banhos do meu chuveiro quente, quase dancei, quase morri. Fui até o fundo. Roubei, fumei crack, trafiquei, fui presa, apanhei pra caramba. Diziam que eu não tinha jeito, estava perdida. Eu mesma achava que não tinha jeito. Quase todos os meus amigos daquela época do chafariz estão mortos, presos, loucos ou doentes. Gente que andava comigo, fumava comigo ou roubava comigo. Por que não morri? Por que não pirei? (...)”
ORTIZ, Esmeralda. Por que não dancei.
São Paulo: Senac/Ática, 2000.
Texto 2
O enfermeiro
“Chegando à vila, tive más noticias do coronel. Era homem insuportável, estúrdio, exigente, ninguém o aturava, nem os próprios amigos. Gastava mais enfermeiros que remédios. A dous deles quebrou a cara. Respondi que não tinha medo de gente sã, menos ainda de doentes; e depois de entender-me om o vigário, que me confirmou as notícias recebidas, e me recomendou mansidão e caridade segui para a residência do coronel.
Achei-o na varanda da casa estirado numa cadeira, bufando muito. Não me recebeu mal. Começou por não dizer nada; pôs em mim dous olhos de gato que observa; depois, uma espécie de riso maligno alumiou-lhe as feições, que eram duras. Afinal, disse-me que nenhum dos enfermeiros que tivera prestava para nada, dormiam muito, eram respondões e andavam ao faro das escravas; dous eram até gatunos!”
ASSIS, Machado de. Contos consagrados.
Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
ESTRANGEIRISMOS
A forte influência que algumas culturas exercem sobre outras pode ser percebida no vestuário, na culinária, na música, no cinema e também no comportamento. Na língua, pode se manifestar pelo emprego de estrangeirismos.
Algumas palavras são empregadas até hoje sem modificar a forma original ou a pronúncia, mesmo existindo o termo aportuguesado. Por exemplo: usa-se omelete, vitrine, nuance, vindas do francês – e não omeleta, vitrina e nuança.
Uma palavra – hoje considerada estrangeirismo – pode, com o tempo, ser incorporada ao cotidiano do falante e ao vocabulário da língua. Foi o que ocorreu com lanche e futebol: essas palavras, assimiladas do inglês (lunch e football), eram estrangeirismos quando começaram a ser utilizadas e agora fazem parte do vocabulário da língua portuguesa.
Atualmente, observa-se o uso cada vez mais frequente de estrangeirismos, o que em geral tem relação com a globalização dos meios de produção e da economia. Termos como design, case, job, deadline, show etc. estão presentes na TV, no rádio, na mídia impressa e na internet.
No entanto, nem sempre o uso do estrangeirismo comunica ou traduz o que pretende o emissor. No texto a seguir, você pode observar tanto usos funcionais quanto equivocados desse recurso linguístico.
“Yes”, a gente fala inglês... ou quase
“Com conhecimento rudimentar da língua, carioca transforma o idioma nascido nas ilhas britânicas em dialeto especial.
‘Shine, mister?’ (brilho, senhor?). Gesticulando e gingando diante do possível freguês (...) o engraxate Gilberto da Costa, de 36 anos, 26 deles com sua caixa na Avenida Atlântica, não se aperta diante do fato de que o americano branquela à sua frente aparenta não falar nada além de inglês. ‘É tem (dez) real, mister’, continua, agarrando o sapato do sujeito – e, à exclamação espantosa do gringo: ‘It’s too expensíve!’ (é muito caro), responde sem vacilar. ‘É, sou especialista, mesmo!’.
O americano em questão, porém, nasceu em Lisboa e fala um excelente português. O advogado John Godinho, de 59 anos, que foi para os Estados Unidos ainda criança, mas mora no Brasil há três décadas (...) percorreu a cidade para ver, no globalizado Rio de Janeiro, como o carioca se apropriou do que, há 1.500 anos, era um dialeto esquisito das Ilhas Britânicas – e que, hoje, transformou-se num dialeto esquisito do lado de cá do hemisfério.
‘Parece que está acontecendo uma contaminação mútua entre o carioca e a língua inglesa. O inglês in filtra-se, mas o cidadão dá o troco. É como se o carioca criasse um limbo linguístico em que as palavras parecem inglesas, mas já não são’, observa Godinho, que trabalha como consultor da língua para executivos. (...)
Nessa época de liquidação em shopping center (que em inglês, na verdade, chama-se mal), a palavra da moda é off. Segundo Godinho, a expressão só faz sentido se vier acompanhada, por exemplo, de um percentual: 50% off. (...)
(...) ‘A gente usa off porque dá muito estrangeiro no shopping’, explica José Luiz Marques, 51 anos, um dos sócios da loja de roupas femininas Scrap, no Rio Sul.
A loja é um daqueles exemplos de como essa apropriação, se indébita, pode criar constrangimentos gerais. ‘Quando entra turista aqui, eles ficam rindo do nome’, confessa Marques. Pudera: scrap significa restos, sobras de comida. ‘Quando a loja começou, na Rua da Alfândega, vendia várias marcas de jeans, daí a ideia de sucata. Depois, o nome pegou’, justifica. (...)”
AZEVEDO, Eliane. In Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, 19 ago. 2001.
NEOLOGISMOS
Os neologismos ocorrem quando o falante necessita expressar uma ideia mas não encontra uma palavra com significado adequado na língua. Nesses casos, o falante recorre a uma palavra em outra língua, cujo significado expressa bem a ideia. Os neologismos ocorrem também quando o falante usa uma palavra com um sentido novo, diferente do significado original.
Algum tempo após o seu uso informal, alguns neologismos são incorporados aos dicionários, isto é, são dicionarizados.
Na literatura e na música, os neologismos são utilizados sem restrições em razão da licença poética de que dispõem os escritores e os compositores e, também, porque o próprio “fazer literário” usa as palavras de forma distinta daquela com que é utilizada no senso comum e amplia os recursos expressivos possíveis.
Na canção “Carnavália”, de Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte (CD Tribalistas, 2002), á um neologismo por aglutinação de palavras:
“Repique tocou
O surdo escutou
E o meu corasamborim
Cuíca gemeu, será que era eu, quando ela
[passou por mim?”
No terceiro verso, corasamborim é junção de coração + samba + tamborim. A palavra refere-se, ao mesmo tempo, a elementos que compõem uma escola de samba e à situação emocional em que se encontra o emissor da mensagem, com o coração no ritmo da percussão.
Na mídia é comum o uso de neologismos que, aos poucos, são incorporados ao cotidiano da maioria da população. Laranja (falso proprietário) e gato (ligação clandestina de instalações elétricas) são exemplos de palavras com significado diverso do usual.
Na terminologia da informática, observa-se diariamente a introdução de neologismos. Leia alguns verbetes de informática do glossário a seguir. (Verbete é o conjunto de acepções e exemplos referentes a um termo, encontrado em dicionários, enciclopédias, glossários.)
“DELETAR (forma aportuguesada de delete.) Destruir, eliminar; apagar um texto.”
“LINCAR (forma aportuguesada de link.) Acessar documentos de hipertexto por meio de link.”
“LOGAR (forma aportuguesada de login ou logon.) Fornecer nome do usuário e senha para obter acesso a um equipamento, sistema ou rede de computadores.”
OLINTO, Antonio. Minidicionário Antonio Olinto da língua portuguesa. São Paulo: Moderna, 2000.
GÍRIAS
As gírias nascem num determinado grupo social e passam a fazer parte da linguagem familiar de várias camadas sociais. Podem também ser constituídas de estrangeirismo e neologismos.
O processo de formação de gírias inclui metáforas, truncamentos, sufixação, acréscimo de sons ou sílabas, e, às vezes, palavras de baixo calão. Por exemplo: nas frases “Está um sol de chapar o coco!” e “Não esquente a moringa com isso”, as gírias são formadas com base em metáforas – coco e moringa estão no lugar de cabeça; chapar quer dizer “esquentar”, e esquentar, na segunda frase, significa “preocupar”.
A gíria pode revelar a idade do falante. Uma pessoa de 50 anos provavelmente sabe o significado destas gírias: “boco-moco”, “cafona”, “careta”, “joia”, “é uma brasa, mora”, “prafrentex”. Um jovem sabe o que é “parada sinistra”, “pro “responsa”, “mó legal” e “da hora”.
A gíria também é conhecida como jargão quando se refere à linguagem peculiar usada por quem exerce determinada profissão. Veja estes exemplos do jargão da área de economia e finanças: quase moeda (o mesmo que depósitos de poupança, títulos emitidos pelo governo etc.), duopólio (mercado no qual só há dois vendedores), boom (fase de aumento significativo no número de transações no mercado de ações).
REGIONALISMOS
No Brasil, a influência de várias culturas deixou na língua portuguesa marcas que acentuam a riqueza de vocabulário e de pronúncia. As diferenças na nossa língua não constituem erro, mas são consequência das marcas deixadas pelas línguas originais que entraram na formação do português falado no Brasil, no qual estão presentes sobretudo elementos de línguas indígenas e africanas, além das europeias, como o francês e o italiano.
Existem diversas variantes linguísticas quanto à forma de expressão escrita e falada de acordo com as regiões em que as pessoas vivem. São os regionalismos linguísticos, que diferem quanto ao sotaque ou pronúncia de cada região.
Um mesmo objeto pode ser nomeado por palavras diversas, conforme a região. Por exemplo: “pipa” ou “papagaio”, no Rio Grande do Sul, se chama “pandorga”; “semáforo” pode ser designado por “farol” em |São Paulo, e “sinal” ou “sinaleiro” no Rio de Janeiro.
Leia o texto a seguir, que é uma pequena narrativa em que são mostradas a fala e a vida nordestinas pelo autor pernambucano Marcelino Freire.
Historinha primitiva
“Acharam mais um chimpanzé. Lá na Serra da Capivara. Ingá, não sei. Ou será que foi no chão de Catolé? O dente do macaco vale ouro, pois é. E a gente aqui nessa miséria. O couro cabeludo. Enterrado até o pescoço. Há um milhão de tempo. No esquecimento. Osso bom é osso morto. O que vai ter de estudioso, perguntando. No futuro, pela gente, pode crer. De que ele morreu, sei lá, foi de repente? Comeu calango podre? Bebeu água doente?. E a mulher dele, o que será que houve? Eu, preta, caída na cova. Cabelo até a cintura. Carcaça prematura. Morreu de desgosto. Isso se a gente tiver sorte. O que tem de corpo que morre e ninguém vê o pó. Neste sol de rachar o quengo. É vaca, é bode, bezerro, jumento, cachorro. É menino morto. feito passarinho. Não o passarinho que eles encontram, gigante. Importante é bicho grande. Se pelo menos ovo de dinossauro matasse a fome. A gente tava feito. A gente tem de fazer alguma coisa, urgente. Para sair desse buraco, entende? A gente podia ganhar dinheiro. Não deve ser difícil achar mais um chimpanzé, Zé. Por aqui mesmo.”
FREIRE, Marcelino. In Folha de S.Paulo, 29 out.2002.