O MELHOR AMIGO DO HOMEM MAU
FILME MUNDO CÃO MISTURA DRAMA, HUMOR E SUSPENSE EM HISTÓRIA QUE TRAZ LÁZARO RAMOS EM SEU PRIMEIRO PAPEL DE VILÃO.
O diretor e roteirista paranaense Marcos Jorge foi saudado com entusiasmo em seu primeiro longa-metragem. ESTÔMAGO (2007), recebido como um sopro de renovação no cinema nacional com uma mistura bem temperada de drama, humor e suspense. No entanto, seus dois títulos seguintes, CORPOS CELESTES (2010) e O DUELO (2015), ficaram aquém de sua estreia premiada. Com MUNDO CÃO (2016), em cartaz em Porto Alegre, o realizador retoma enfim à verve inicial, contando uma história que reflete em certo sentido a realidade brasileira: familiar e assustadora ao mesmo tempo.
MUNDO CÃO é ambientado na periferia de São Paulo, onde vive Santana (Babu Santana), funcionário do departamento de Controle de Zoonoses, com a mulher Dilza (Adriana Esteves), dona de casa que faz calcinhas para ajudar no orçamento, e os filhos João (Vini Carvalho) e Isaura (Thainá Duarte). Um evento corriqueiro detonará uma tragédia nessa pacata vida suburbana: um baita rottweiler encontrado solto em uma escola é sacrificado por Santana e seus colegas três dias depois da captura do animal – a trama se passa antes da abolição dessa prática com cachorros e gatos de rua na capital paulista, em 2008.
O procedimento é realizado pouco antes da aparição do dono do cachorro no posto, Nenê (Lázaro Ramos), chefão de uma rede clandestina de máquinas caça-níqueis. Sujeito sádico que ama seus cães, Nenê revolta-se com a morte de Nero – seus bichos têm nomes como Calígula e Herodes – e confronta Santana. O capanga Cebola (Milhem Cortaz) evita que seu patrão atire no homem da carrocinha, mas Nenê planeja uma vingança: sequestrar o filho de Santana.
LONGA DE MARCOS JORGE EMULA CINEMA ARGENTINO
O confronto vai revelar então as ambiguidades dos dois antagonistas: por um lado, Santana, satisfeito com o calor familiar de sua vidinha de classe média baixa, subitamente encara o desamparo e descobre a própria violência adormecida; já o misantropo Nenê, que mora em uma mansão cercado apenas por seus comparsas, sente despertar um certo sentimento paternal pelo garoto raptado, a ponto de leva-lo ao estádio de futebol – como o bandido, João é palmeirense, para desgosto do pai corintiano.
Um dos destaques de MUNDO CÃO é a sintonia do elenco, e não apenas entre Babu Santana e Lázaro Ramos – em seu primeiro papel de vilão –, dois ótimos atores totalmente à vontade em cena. Adriana Esteves também comove como a simpática costureira evangélica que vê seu mundo desmoronar com o sumiço do caçula. A revelação do filme é a estreante Thainá Duarte, jovem surda que assume um surpreendente protagonismo no ato final do enredo.
MUNDO CÃO emula o recente cinema argentino em seu equilibrado amálgama de registros dramáticos distintos, como nos longas RELATOS SELVAGENS (2014) e O SEGREDO DOS SEUS OLHOS (2009) – o vertiginoso plano sobrevoando o Pacaembu evoca uma das sequências mais impressionantes do oscarizado drama estrelado por Ricardo Darín. MUNDO CÃO claudica em algumas situações mal explicadas ou mesmo inverossímeis do roteiro – nada, porém, que comprometa muito a eficácia e a força de sua narrativa, capaz de divertir e perturbar o público na mesma medida.
Fonte: ZeroHora/2º Caderno/Roger Lerina (roger.lerina@zerohora.com.br) em 20 de março de 2016.