ANIMAÇÃO BRASILEIRA COM ESTÉTICA DE GAME
HISTORIETAS ASSOMBRADAS leva para o cinema o universo de personagens apresentado em curta e série de televisão.
Adultos não costumam gostar de filmes infantis. Uma pena. Os filmes são portas para sentimentos ocultos. Exatamente por isso, HISTORIETAS ASSOMBRADAS – O FILME deve ser visto com olhos de guri. Atentos às cores e aos mistérios da trama.
Em 2005, o diretor Victor-Hugo Borges lançou o curta-metragem quase homônimo, com o subtítulo “para crianças malcriadas”. O curta tornou-se série de televisão, que se tornou longa. É uma das várias animações brasileiras que chegam aos cinemas.
O icônico MEOW (1981), de Marcos Magalhães, tinha estilo político. O MENINO E O MUNDO, de Alê Abreu, esbanjou delicadeza e apareceu no Oscar de 2016. HISTORIETAS segue caminho próprio. Cômico e direcionado às crianças.
No papel do protagonista, Pepe: um boneco com cara de curupira e dentes de vampiro – faz a linha do sincretismo cultural. A avó adotiva, Ramona, cozinha poções mágicas. Como acontece nos contos de fadas, Pepe foi deixado em uma cestinha pelos pais, que fugiam de um ser obscuro e assustador. A barra é pesada: orfandade, bebê abandonado, morte, perseguição.
Aos 12, Pepe decide procurar os genitores e sai estrada afora, tal qual João e Maria. Existe literatura especializada sobre os contos de fadas e, acredite, as mensagens subliminares podem ser terríveis.
Mas essa não é a intenção aqui. O roteiro é debochado. Coisas nojentas, como baratas e gosmas, dão o ar da graça. De leve, toques sérios. A menina Marilu fala de modo artificial (como uma consultora pedagógica), desprezada pelos pais, crítico de teatro.
Surgem sacadas estilosas. O vilão é organista, como Dr. Phibes. O grandalhão zumbi parece ter saído do famoso BEETLEJUICE, de Tim Burton.
A estética de videogame permeia o filme, dialogando obviamente com a internet e com o mundo digital. Os cortes são rápidos, há muita informação visual. Ou seja, tudo aquilo a que crianças (e os adultos) estão acostumadas.
Resta saber se captarão as partes mais densas. A certa altura, gatos sádicos escravizam os pobres personagens. Em outra, uma falsa avó Ramona grita “eu te odeio”. Ainda que os petizes não percebam todas as nuances, HISTORIETAS ASSOMBRADAS pode bater à porta e entrar. Carrega uma cesta apetitosa de doces e está longe de ser o lobo mau.
Fonte: ZeroHora/Andrea Ormond/Folhapress em 03/11/2017.