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Documentário Lygia: Uma Escritora Brasileira
Documentário Lygia: Uma Escritora Brasileira

TRIBUTO A LYGIA FAGUNDES TELLES

 

Escritora paulista de 94 anos tem sua vida e obra destacadas em novo documentário.

 

É um retrato rico da escritora Lygia Fagundes Telles o montado pelo diretor Helio Goldsztejn em LYGIA: UMA ESCRITORA BRASILEIRA. Produzido pela TV Cultura de São Paulo, o documentário em cartaz na Capital apresenta, por meio de depoimentos da própria autora e de amigos e admiradores, um perfil da escritora paulistana não apenas como a grande autora de obras como ANTES DO BAILE VERDE e CIRANDA DE PEDRA, mas como uma pioneira em uma sociedade brasileira totalmente diversa da dos dias de hoje.

 

O filme documenta a trajetória de Lygia ao longo de seus 94 anos de vida, passando, sem se prender a uma ordem cronológica rígida, pela juventude, como voluntária em um dos corpos de assistência civil aos pracinhas da FEB, na II Guerra, como acadêmica de Educação Física e, mais tarde, como uma das primeiras mulheres a ingressar no reduto eminentemente masculino da tradicional Faculdade de Direito da USP. O documentário também reconstitui a vida familiar de Lygia, seu primeiro casamento, com o jurista Goffredo Telles Júnior, o segundo, com o crítico e escritor Paulo Emílio Sales Gomes, e a tragédia da perda do filho, Goffredo Telles Neto, em 2006.

 

A espinha dorsal do filme é a atmosfera de homenagem, que flagra as sete décadas de trabalho literário de Lygia e o grande impacto que ela teve em figuras de várias gerações e formações. Estão lá depoimentos de artistas que foram seus colegas de geração, como o poeta Paulo Bonfim e o escritor Ignácio de Loyola Brandão, que resume logo nos primeiros minutos um pouco do tom em que Lygia será vista ao longo do filme: “Entre todos os meus colegas, a Lygia é a única pessoa que eu vejo ser estimada por todo mundo. Não conheço ninguém que já tenha falado mal dela”.

 

Mas a importância de Lygia como autora e modelo é reforçada por depoimentos de pessoas da nova geração, como a escritora Tati Bernardi, a youtuber literária Isabella Lubrano e a atriz e ativista trans Daniela Glamour Garcia, que declara que a descoberta da literatura de Lygia a “emancipou como pessoa e como mulher”.

 

Para além desse impacto pessoal em vários dos entrevistados, há também comentários críticos sobre os livros propriamente ditos, com especial atenção para os contos, g^nero em que a artista é mestra, e para aquele que é considerado seu romance mais bem-sucedido artisticamente, AS MENINAS.

 

Intelectuais como o jornalista Paulo Werneck e os críticos Manuel da Costa Pinto e Walnice Nogueira Galvão, além de outros escritores, como o próprio Brandão e Marcelino Freire, reforçam as características marcantes da obra de Lygia: a prosa precisa e o tratamento seguro de temas como o adultério, o esfacelamento da família como norma e instituição, a inadequação entre as aspirações do indivíduo e as pressões do meio social, o jogo de aparências da decadente elite paulistana.

 

Em termos puramente formais, LYGIA: UMA ESCRITORA BRASILEIRA é um documentário convencional e que obedece à estrutura bem demarcada dos programas jornalísticos televisivos, com depoimentos da autora e dos comentaristas de sua obra quase sempre em planos fechados, entremeados por fotos e por eventuais declamações e leituras de trecho pela atriz Guta Ruiz – um esquema bem mais certinho do que o escolhido, por Paloma Rocha e Goffredo Telles Neto, filho da autora, para o curta NARRARTE, também sobre Lygia, filmado em 1990 (e que também tem imagens exibidas no documentário). Se a apresentação tem algo de quadrada, contudo, é no rico conteúdo que o filme se destaca. Com acesso ao vasto material dos arquivos da TV Cultura, o filme costura depoimentos de Lygia em vários momentos de sua carreira e reafirma em texto e imagem a importância de uma escritora que se entregou apaixonadamente à sua vocação literária. Uma vocação que, nas palavras de Lygia, é o que ela sempre teve de melhor.

 

 

Fonte: Zero Hora/Segundo Caderno em 28/11/2017

Por Carlos André Moreira — carlos.moreira@zerohora.com.br