“FOME” REFLETE A MISÉRIA NA ARTE
Em cartaz no espaço Itaú 8, o docudrama FOME arriscando um mea culpa sobre a apropriação artística da miséria alheia por quem a registra sem maior comprometimento com seus protagonistas. Artifício que se mostra uma armadilha.
Diretor gaúcho radicado em São Paulo, Cristiano Burlan renova em FOME sua parceria com o crítico e professor Jean-Claude Bernardet, 80 anos recém-completados, que consagrou uma trajetória referencial no estudo do cinema brasileiro, e vem trabalhando como autor para diretores com quem comunga o gosto pela experimentação e provocações estéticas e políticas.
FOME mostra Bernardet como um mendigo que vive pelas ruas de São Paulo. Ele é um dos entrevistados da estudante vivida por Ana Carolina Marinho, que faz um trabalho sobre moradores de rua – entre eles personagens reais que, no registro documental do filme, expõem situações de solidão, abandono e inviabilidade.
Um trabalho acadêmico de campo recorrente no cinema e no jornalismo costuma colocar estudantes diante de moradores de rua para ilustrar brutal desigualdade social do Brasil, no aspecto macro, e deles extraírem histórias, no campo individual, de elevada dramaticidade – em geral, potencializadas por imagens em preto e branco. A jovem aluna questiona com seu professor as implicações éticas desse tipo de trabalho, que é o mesmo, afinal, que Burlan faz com seu filme.
A força dos conflitos provocados pelo personagem de Bernardet, porém, arrefecem diante do seu espelhamento no Bernardet real. A performance do ator em torno de si mesmo parece ser o que mais interessa ao diretor. Esteticamente funciona, mas a provocação política almejada fica pelo caminho.
Fonte: Zero Hora/Marcelo Perrone (marcelo.perrone@zerohora.com.br) em 5/8/2016