AVÔS EM O PRAZER DAS PALAVRAS
Essa opção pelo “O” aberto me parece típica daqueles plurais em que o timbre da vogal muda.
O leitor Delcio B., desta capital, resolveu matar dois coelhos numa só cajadada, fazendo duas perguntas de uma só vez: “A primeira é algo que me intriga. É a respeito da flexão de AVÔ + AVÓ = AVÓS. Ora, se a regra diz que feminino + masculino = plural masculino (que vem a ser o neutro), o que explica este caso? A segunda questão é sobre um nome próprio que as pessoas pronunciam de um jeito que me causa mal-estar. Na Itália, a pronúncia do nome PAOLA faz recair o acento tônico no “A” - /páu-la/-, como um ditongo decrescente. No Brasil, no entanto, consagrou-se a pronúncia com a tônica no “O” - /paôla/ -, transformando o ditongo num hiato. Professor, há algum amparo para esta pronúncia que considero arrevesada?”.
Prezado Delcio: vamos por partes. O plural de AVÔ é AVÔS, e não preciso dizer que o de AVÓ é, naturalmente, AVÓS: “Minhas duas AVÓS estão vivas, mas meus AVÔS já faleceram”. Por que – essa é a tua dúvida – a língua portuguesa optou por AVÓS para designar o plural envolvendo ambos os gêneros (o m eu AVÔ e minha AVÓ)? Por que não seguimos aqui o princípio de usar, nesse caso, a forma inclusiva, neutra, que é o plural masculino (os brasileiros, os candidatos)?
Posso estar enganado, mas essa opção pelo “O” aberto me parece típica daqueles plurais (não são muitos) em que o timbre da vogal muda: PORCO, PORCA; MORNO, MORNA, etc. Ora, o pessoal que estuda esses plurais metafônicos há muito percebeu que há uma correlação estrita entre o timbre do feminino com o timbre do plural. Em outras palavras: se o “O” for aberto no feminino, também será no plural: PORCO, PORCA (ó), PORCOS (ó); MORNO, MORNA (ó), MORNOS (ó). Se, no entanto, o “O” for fechado, assim vai permanecer: CACHORRO, CACHORRA (ô), CACHORROS (ô); RAPOSO, RAPOSA (ô), RAPOSOS (ô). Seguindo esse princípio, AVÔ + AVÓ só poderia dar AVÓS.
Quanto ao nome PAOLA, basta assistir a qualquer filme italiano para ver que aquele “O” está representando, no ditongo, o mesmo som que o nosso “U” (é uma semivogal). Isso quer dizer que, na prática, um italiano vai pronunciar PAOLA da mesma maneira que um brasileiro vai pronunciar PAULA. Acontece que a forma italiana do nome passou a ser pronunciada no Brasil numa leitura ortográfica: /pa-ô-la/, como se fosse um hiato e, o que é pior, com o “O” tônico e fechado. É a sina dos nomes estrangeiros, por aqui: dizemos Marilyn /monrói/, e não /mônrou/; calça /lévis/, e não /liváis/ (a transcrição fonética é meio à moda galega, mas serve para o m eu propósito). Se isso te consola, os franceses não mantêm a pronúncia original de nenhum nome estrangeiro e transformam tudo em oxítona, como praxe: /oba-má/, /paulô coelho/ (desculpa o exemplo), /ronaldô/, e por aí vai a valsa. Na França, a PAOLA seria /pau-lá/ e a PAULA seria /polá/. Que tal?
Um recado final: para aqueles que quiserem saber como são minhas aulas, basta acessar www.portuguesaovivo.com.br, onde poderão me ver em carne e osso.
Fonte: ZeroHora/Cláudio Moreno (cmoreno@terra.com.br) Escritor e Professor, em 26/09/2015