Translate this Page




ONLINE
101





Partilhe esta Página

                                            

            

 

 


Entrevista com o Gaúcho Arthur Nestrovski
Entrevista com o Gaúcho Arthur Nestrovski

ENTREVISTA COM ARTHUR NESTROVSKI

 

Livro: TUDO TEM A VER – Todavia, 448 páginas

 

O gaúcho Arthur Nestrovski circula como poucos pela literatura e pela música, tanto na prática quanto na teoria. É doutor nas duas áreas, violonista, compositor, crítico e, desde 2010, diretor artístico da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp).

 

Nesta segunda-feira (02/09), no Centro Cultural da UFRGS, ele lança em Porto Alegre um livro dedicado a essas duas paixões e seus cruzamentos. TUDO TEM A VER compila textos sobre Chico Buarque, Beethoven, Edgar Alan Poe e Ian McEwan publicados na imprensa e inéditos. Nesta entrevista, o autor discorre sobre as duas áreas e avalia a crítica cultural do país.

 

 

O título do livro aproxima música e literatura, duas áreas que “têm tudo a ver”. Pode desenvolver esse ponto de vista?

Por praticidade, no departamento de música das instituições de ensino, só se estuda música, e, no departamento de literatura, só literatura, mesmo quando se está pensando sobre obras em que as duas estão em contato. Não é que não tenham as suas características próprias e não necessitem de atenção separadamente, mas muitas vezes se cruzam: na ópera, na canção, no cinema e na memória de todos nós.

 

 

No livro, o senhor chama ÁGUAS DE MARÇO de o “samba mais bonito do mundo”. A canção é um exemplo perfeito desse cruzamento?

Não é possível pensar sobre Águas de Março sem estudar em profundidade tanto a intenção musical suprema de Tom Jobim quanto a extraordinária letra e o modo como as duas se comunicam. “Perfeição” não é um termo muito útil do ponto de vista da crítica, é impressão subjetiva. Mas Tom Jobim é um dos compositores de canções próximas da perfeição.

 

 

Quem mais se aproxima?

Para ficar só na canção popular brasileira: Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Dorival Caymmi. Três exemplos mais próximos: Luiz Tatit, Zé Miguel Wisnik, Arnaldo Antunes. Todos são artesãos supremos da canção.

 

 

Como o senhor enxerga a crítica cultural atualmente?

Está virtualmente desaparecendo da grande mídia e não povoa outras áreas, como a mídia digital. Muito do que passa por crítica na imprensa hoje é afirmação de gosto. Pertence ao campo da crônica, não da crítica. A crítica tem que ser capaz de descrever objetivamente o que está sendo estudado, situar para o leitor de onde vem a obra. As coisas não acontecem no vazio. Depois, avaliar o quanto a obra foi bem-sucedida nos termos propostos pelo artista, e não do ponto de vista de quem está escrevendo. Crítico não é juiz, muito menos professor dos artistas. Ele não pode ser a pedra de toque.

 

 

O senhor escreve sobre como a rotina do músico envolve muito mais treino árduo do que prazer. Entretanto, persiste na sociedade brasileira um preconceito de que o artista não trabalha duro.

Ninguém acha que Fernanda Montenegro ou Caetano Veloso não fazem nada na vida, ou que a Osesp, que apresenta 140 concertos por ano, está brincando. A legitimidade dessa produção não está em questão. O que se tem hoje é uma espécie de orgulho público da ignorância. Por que a gente teria de se explicar para quem não tem compreensão para entender o que a gente está falando? Quem tem de se justificar é quem acha que pode desqualificar o discurso da cultura e do conhecimento na base do grito.

 

 

A crítica cultural migrou da imprensa para os livros ou a academia?

Crítica com impacto amplo, com seguidores, com pertinência, não. Há autores, como Lorenzo Mammí e Nuno Ramos, que lançaram livros, mas são esforços individuais. Com a facilidade de publicar textos na internet, não entendo como as universidades não estimulam seus professores e alunos a refletirem criticamente sobre a cultura para que ela tenha de fato repercussão, para que as obras continuem vivas após apresentadas. Por que a UFRGS, por exemplo, não tem um site de crítica musical, literária, teatral etc, para pelo menos dar conta da produção que acontece em Porto Alegre?

 

Fonte: Jornal Zero Hora/Segundo Caderno/Luiza Piffero (luiza.piffero@zerohora.com.br) em 02/09/19

 

 

FRASES DEFINITIVAS EM TUDO TEM A VER

 

Um livro com frases definitivas. Frases sobre Beethoven, Gilberto Gil e Philip Roth. Sobre Borges e Bossa Nova. Sobre a canção brasileira. Ensaios longos e textos curtos. Literatura e música. Por aí já se vai chegando perto de TUDO TEM A VER, livro de ensaios que Arthur Nestrovski está lançando agora. São textos antigos e novos reunidos num volume só, recolocando em circulação coisas inacessíveis há tempos. Como o estudo sobre ÁGUAS DE MARÇO de Tom Jobim (“O samba mais bonito do mundo”), que foge da armadilha de descrever apenas a letra e mergulha sem medo nessa matéria tão fugidia que é a música – “uma arte de ideias em estado gestual, sem a definição e a limitação das palavras”, diz Nestrovski a certa altura.

 

Também está de volta o monumental Debussy e Poe publicado há décadas pela L&PM, estudo minucioso sobre o domínio que as palavras de Edgar Allan Poe tiveram sobre o pensamento de Claude Debussy, que a partir delas produziu não uma, mas duas óperas que nunca conseguiu completar.

 

Há mais em TUDO TEM A VER: a cada dobra de página, um insight para concordar, uma linha de pensamento a seguir com prazer. Pois este é um livro em que não é necessário discutir em silêncio com o ensaísta, talvez brigando com ele e dizendo mentalmente, “mas não é assim”. No livro de Nestrovski sempre é assim, e a dicção é leve mesmo para as verdades mais decisivas.

 

TUDO TEM A VER termina com quase 30 páginas de corte autobiográfico que se lê esperando que nunca acabem. Com elas, Nestrovski cria uma tarefa obrigatória, a de escrever um livro inteiro de memórias e reflexões sobre uma vida de múltiplas atividades. São tantas as histórias e tão divertidas, tão profundas as conclusões, que não há como não ficar à espera de uma continuação que só virá – mas terá de vir! – daqui a alguns anos. TUDO TEM A VER não é só um livro de ensaios curtos e longos sobre música e literatura. É aquele tipo raro de coletânea que já tem em si a semente da continuação, o mapa dos caminhos ainda a percorrer.

 

Fonte: Jornal Zero Hora/Segundo Caderno/Celso Loureiro Chaves (cglchave@portoweb.com.br) em 02/09/19