QUEBRANDO TABUS
EDUCAÇÃO: No ano em que a primeira turma da graduação em Música Popular se forma na UFRGS, encontro discute os desafios do ensino na área.
Apesar de a música erudita ter um espaço significativamente reduzido nos veículos de comunicação do país em comparação ao tempo dedicado aos ritmos populares – salvo exceções, como a TVE – no campo da educação musical essa tendência se inverte. O ensino é tradicionalmente voltado à erudição, com formação de grandes musicistas e regentes, enquanto o desenvolvimento em música popular é relativamente recente no Brasil. O primeiro bacharelado foi gestado na Unicamp em 1989. Uma década mais tarde surgiria o segundo curso, e hoje há oito graduações voltadas para o gênero, que abrange desde as marchinhas do final do século XIX ao tecnobrega dos anos 2000.
A UFRGS implantou seu Bacharelado em Música Popular em 2012 e, no ano em que a primeira turma está prestes a concluir a graduação, irá sediar o I Encontro Brasileiro de Música Popular na Universidade (MusPopUni), convidando representantes dos cursos pioneiros a discutirem os desafios dessa modalidade de ensino na universidade. A repercussão foi maior do que calculava a coordenação do evento: houve mais de 250 inscrições de trabalhos, quando eram esperados menos de 120. O encontro ocorreu entre os dias 11 e 15 de maio no Instituto de Artes.
DESENVOLVIMENTO DO ALUNO.
A formação em música popular abre um panorama de opções de trabalho, como a com posição de músicas e arranjos, performance, produção musical e pesquisa etnomusical. Nas oito universidades, o curso é de bacharelado, sem a opção pela licenciatura. “Para quem deseja ser professor, é necessário um conhecimento mais abrangente de todos os instrumentos, justamente para dar uma base geral de música aos alunos nas escolas. Mas a graduação em Música Popular atende a um anseio de muitos musicistas”, destaca a chefe do Departamento de Música da UFRGS, Luciana Prass.
Estudantes como Tamiris Duarte tiveram seu anseio atendido: apaixonada por contrabaixo e transitando por diversas bandas, a jovem primeiramente estudou Matemática para depois conseguir uma formação no que realmente a faz vibrar como profissional. “Quando concluí o colégio em 2003, tentei me encaixar no bacharelado da UFRGS, mas não tinha nenhuma relação com meu conhecimento de música. O contrabaixo acústico, por exemplo, tem uma técnica totalmente diferente”.
A ex-integrante da banda gauchesca As Gurias ressalta a mudança no perfil dos alunos. “No primeiro vestibular, era visível que músicos mais experientes entraram no curso, mostrando um desejo antigo de formação em música popular. Agora vejo colegas mais novos ingressando”, considera.
ESPECIALIZAÇÃO.
Um campo que se pretende alcançar no bacharelado em Música Popular é o da formação de críticos e ensaístas. Conforme lembra Luciana, até meados da década de 1990, somente jornalistas como Ruy Castro, Sérgio Cabral e Nelson Motta escreviam livros especializados nesse gênero musical. “Eles produziram trabalhos muito bacanas, mas é interessante que um músico também escreva porque pode trazer um elemento técnico sobre Baden-Powell, por exemplo, ou explicar um trecho de partitura”, sustenta a docente.
Além dessa inspiração, a coordenação do curso busca constantemente recursos para aprimorar as condições de ensino. Recentemente, as aulas práticas passaram a ser ministradas em um estúdio externo ao Instituto de Artes. “Quando chegamos, o prédio não estava pronto para sediar o curso. As salas de aula não estão preparadas acusticamente para receber alunos tocando bateria e guitarra. Por diversas vezes, acabávamos atrapalhando uma classe de violino. Mas, ao mesmo tempo, como iríamos ter nossas aulas? Foram dois anos de negociação. Em 2014, a direção conseguiu nos oferecer aulas em um estúdio externo. Foi um salto qualitativo”, comemora a estudante Tamiris Duarte. Dois novos professores também foram nomeados no ano passado.
Outra face do curso é o incentivo à pesquisa e à derrubada do estigma popular versus erudito. “Quem faz funk carioca não pode ser classificado como alguém que faz uma batida eletrônica igual durante quatro minutos. Falar que a letra é frágil embute um valor. Cada manifestação deve ser vista a partir de suas próprias lentes. Se eu olhar o blues como alguém que gosta de bossa nova, vou dizer que é um ritmo que só tem três acordes. Mas se visualizar as ferramentas do blues, em que as pessoas podem improvisar por horas, vou compreendê-lo melhor. É necessário respeito com quem vive daquilo. Claro que há a música veiculada na mídia, que faz parte de uma indústria cultural. Mas até para analisar esse aspecto é necessário saber como os artistas são pressionados a produzir tais ritmos”, sublinha Luciana.
Por Samantha Klein/Jornal da Universidade