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Substituição de Marcadores de Gênero
Substituição de Marcadores de Gênero

 

ELXS,  EL@S  E  N * S

SUBSTITUIÇÃO DE MARCADORES DE GÊNERO NA LINGUAGEM ESCRITA É PARTE DE UMA LUTA PARA DIMINUIR PRECONCEITOS EXPRESSOS NA LINGUAGEM.

 

Nunca se falou tanto em gênero como nestes tempos de refluxo conservador, quando católicos e evangélicos decidem o que é a moral do Brasil.  Apesar de sermos um Estado laico, temas como sexualidade, aborto, homossexualidade etc. são vistos como malditos no Congresso Nacional pelas frentes religiosas.

 

O caso mais recente foi a tentativa de criação do Comitê de Gênero pelo Ministério da Educação, que tinha como objetivo propor políticas voltadas à igualdade de gênero na educação.  Por pressões conservadoras, o Comitê passa a se chamar Comitê de Combate à Discriminação, e foram apagadas as 14 vezes em que a palavra “gênero” havia sido citada na proposta original.  Esse embate teve início com a supressão da palavra gênero do Plano Nacional de Educação e tem pautado as discussões dos planos estaduais e municipais.  Apesar do parecer favorável do ministro às questões de gênero, a acusação da bancada religiosa de que existiria uma “ideologia de gênero” nas propostas (como se ideologia fosse uma palavra maldita) e que incentivaria a homossexualidade e a sexualização precoce das crianças saiu vitoriosa.  Eu e tantas professoras/es e pesquisadores/as das questões de gênero, defensoras/es de relações igualitárias, entendemos que a escola é o lugar de produção e desconstrução de relações igualitárias.

 

Mas o que é gênero afinal?   Criado por pesquisadoras feministas na segunda metade dos anos 1980, para dar conta da desigualdade entre homens e mulheres, o conceito de gênero diz pouco à diferença biológica dos sexos e muito das representações sociais e culturais construídas a partir desta diferença.  Já dizia Simone de Beauvoir em seu livro clássico O SEGUNDO SEXO:  “não se nasce mulher, torna-se mulher”, assim como não se nasce homem, mas torna-se.  A sociedade ensina o que é ser masculino e feminino.

 

Se o conceito de gênero foi criado para dar conta das relações entre homens e mulheres, relações de poder, socialmente constituídas e hierárquicas, hoje extrapola este binarismo (homem x mulher, masculino x feminino) e trata também das sexualidades que não se enquadram na forma que a sociedade e a cultura nomearam os sexos, como queer, gays, lésbicas, transgêneros (travestis, transexuais, andróginos, transformistas, etc).

 

Um dos campos privilegiados de luta por igualdade e de difícil mudança na relação de poder entre os sexos, construído historicamente, é o campo da linguagem, que ocupa um lugar central na resistência às mudanças.  Falar de “eles” é falar de eles e elas, mas falar de “elas” jamais é falar de eles e elas.

 

Numa tentativa de crítica à linguagem de gênero, e mesmo seu abandono, muitas e muitos utilizam atualmente o “X” para falar do coletivo, para dizer todxs, meninxs, bonitx, etc.  Muit@s, como eu, utilizam a arroba para falar dos dois sexos.  O desconforto é ocasionado porque pessoas apegadas à gramática normativa sentem-se agredid@s com estas modificações.  As novas sexualidades e a novas parentalidades estão aí e é preciso colocar em discussão essas questões.  As pessoas trans, são binárias, não aceitam a estrutura rígida, dos dois gêneros, da linguagem demarcada, para elxs ou el@s ou ainda el*s.

 

A linguagem não inclusiva parece ter caráter assexuado, mas nomeia apenas uma parte dos elementos da sociedade:  os homens.  Lembro das Constituições brasileiras que sempre rezavam “todos são iguais perante a lei”, e quando as mulheres reivindicavam a cidadania pelo voto, a resposta é que era somente para eles mesmos, e que elas estavam excluídas deste direito.

 

Segundo o jornal O Globo, no Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, o “X” no lugar das letras “A” e “O” já está presente nos avisos institucionais em murais e cabeçalhos de provas.  Partir do grêmio estudantil essa modificação, e alguns professores já incorporaram em suas provas.

 

Como “X” e “@” somente são utilizad@s na escrita, muitos manuais que tratam da linguagem generificada aconselham a usar tratamentos diferenciados como pessoa e indivíduo.  Um exemplo, ao dizer boa tarde a todas ou a todos, boa tarde a todas as pessoas, boa tarde a vocês.  Ao invés de usar pronomes, repetir os nomes, suprimir artigos e pronomes desnecessários.

 

Tenho certeza que o “x” e a “@” não irão modificar as relações de poder entre os sexos e nem irão acabar de vez com a desqualificação de um em relação ao outro.  Mas tenho a esperança de que o uso da linguagem não sexista possa contribuir como um alerta para a desigualdade.  Se a linguagem reproduz os preconceitos de gênero, a hierarquização com a desqualificação de um dos pares, procurar alternativas para ela gera desconforto e estranhamento, certamente.  O masculino neutro ou o masculino genérico tem causado muito mas desconforto ao longo da história.  Saber que existe um eu e que existe um outro, que pode ser de gênero diferente do meu, já é um primeiro passo.

 

Fonte:  ZeroHora/Ana Maria Colling (Doutora em História do Brasil, organizadora do “Dicionário Crítico de Gênero”-UFGD, 2015) em 04/10/2015