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Idiossincrasias e Idiotismos — Inculta e Fanática
Idiossincrasias e Idiotismos — Inculta e Fanática

INVECTIVA CONTRA AS IDIOTIAS

 

A cultura antiga gerou muitas palavras ligadas à falta de saber e prudência.  Na Grécia, o sujeito sem refinamento mental ou físico era implicado na amousia, a vida sem conhecimentos ou arte.  Ele era um casca grossa.  O termo para designar o deformado cognitivo é anaístetos, insensível diante do belo ou verdadeiro.  Platão inventou a palavra para os aferrados ao palpite inculto:  misólogos, inimigos do raciocínio.  Na Grécia democrática, quem recusa a vida pública e se recolhe à ordem privada é o idiótes. Como não vive entre debates e provas trazidas pelos demais, ele se agarra às crenças domésticas, não enriquece sua consciência em ações relevantes ao bem comum.  Ao contrário dos que se empenham na política, ele imagina os valores de sua grei como os únicos válidos.  Assim, tais idiotas criam obstáculos para a democracia, pois sempre estão dispostos a eleger indivíduos iguais a eles, os demagogos presos às certezas dogmáticas da clientela.  O grego também nos legou vocábulos sobre a tola particularidade, a recusa do universal.  Termos como idiossincrasia indicam o fechamento mental e físico de um grupo, o que o afasta dos outros seres humanos.

 

Idiossincrasias e idiotismos fazem das crenças religiosas e políticas as suas vítimas prediletas.  As ideologias modernas mostram o quanto a idiotia é danosa à vivência democrática.  Como diz Soljenítsin, os bandidos de Shakespeare seriam piores, caso tivessem ideologia.  E mais, se partilhassem crenças sectárias, seu estrago seria indizível.  A Inquisição queimava quem não acolhesse dogmas, ou supostos dogmas, impostos pelas autoridades.  Alguns protestantes também ergueram fogueiras para destruir quem pensava diferente deles.  Mas os nazistas queimaram todos os livros que desafiavam sua escritura santa, o terrível Minha Luta.

 

Presos às frases simplórias, os idiotizados juram pela palavra de padres, pastores, líderes partidários (Hitler ou Stálin), demagogos.  Eles imaginam que o planeta gira ao redor de suas certezas, sem outras formas legítimas de pensar.  Fundamentalistas odeiam a democracia, pois nela são asseguradas religiões e culturas que não destruam os elos sociais.  Fanáticos não admitem o Estado laico e democrático.  Para eles, os livros santos (da sua igreja ou seita) definem a constituição do gênero humano.  Quem não a segue deve ser banido da ordem pública a pedradas.  Todos os fanáticos se igualam aos fundamentalistas do Islã, para os quais a Sharia é a única fonte do direito privado ou público.  O estado Islâmico executa o que os outros fundamentalistas desejam: banir quem não aceita as suas crenças, na “santa” faina de impor a soberania sectária.

 

A idiossincrasia, que se pretende religiosa, mas é apenas inculta e fanática, combate o direito dos povos, os filósofos e pensadores das sociedades alheias ao Corão e à Bíblia.  O fanático que almeja impor seus livros como única fonte do direito ignora o imenso legado do Código de Hamurabi, o mais antigo do planeta, o ensino dos sábios da Índia e da China, etc.  Todos eles definem duras penas contra o crime, garantem os bens pessoais e coletivos.

 

Se possível, o fanático colocaria bombas na pedra de Hamurabi, queimaria os escritos de Confúcio, como seus pares explodiram as ruínas de Palmira.  Fanáticos parolam certezas contra o Estado democrático à espera de acabar com ele, instituir fogueiras e matanças contra os avessos ao seu rosário.  É impossível deles esperar conceitos universais porque a particularidade estreita é sua vida e pensamento.  A leitura de Hamurabi ajudaria a estabelecer justiça no Brasil:  “Se um juiz dirige um processo e profere uma decisão e redige por escrito a sentença, se mais tarde o seu processo se demonstra errado e aquele juiz, no processo que dirigiu, é convencido de ser causa do erro, ele deverá então pagar doze vezes a pena que era estabelecida naquele processo, e se deverá publicamente expulsá-lo de sua cadeira de juiz.  Nem deverá ele voltar a funcionar de novo como juiz em um processo”.  Amém!

 

Fonte:  Zero Hora/Roberto Romano (Professor titular de Ética e Filosofia da UNICAMP) em 6/9/2015.