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A Língua Desrespeitada
A Língua Desrespeitada

A LÍNGUA DESRESPEITADA

 

O assunto seria melhor tratado por quem dele entende de direito e de fato, um professor ou linguista ou gramático ou estudioso, enfim.  Mas mesmo para uma leiga que só tem por qualificação a frequência aos bancos escolares – com um desempenho não mais do que razoável –, a quantidade de erros de português espalhados por aí não apenas perturba.  Ela dói.

 

Nem me refiro a placas, letreiros e luminosos dos pequenos negócios, verdadeiros mananciais de erros de gramática.  Muito menos aos dos negócios informais, em que a língua parece ser a última das preocupações de quem, provavelmente, muito cedo largou a escola para sobreviver.  Nesse caso, os erros são tantos que acabam virando piada.  Uma construção meio torta de frase já basta para fazer a festa.  Exemplo clássico:  o anúncio “corto cabelo e pinto” na vitrine da barbearia.  Corto cabelo e pinto.  Pelo sim, pelo não, melhor os rapazes passarem longe do tal estabelecimento.

 

A crase é um capítulo à parte.  A impressão é a de que a maioria da população faltou à aula bem no dia em que a professora passou as instruções.  Há que se reconhecer que a crase é danada mesmo.  Quem nunca se viu desesperado diante de algum dos tantos casos do uso dela, que atire o primeiro Aurélio.  Mas tem aquelas situações em que não existem dúvidas, tem ou não tem.  Diante de palavra masculina:  nunca.  Antes de verbos, de pronomes, de plural:  jamais.  De palavras repetidas – cara a cara, por exemplo –, depois de preposições (para, perante, com, contra e outras):  nem a pau.  Existem os casos facultativos, que facultam errar menos.  E casos em que não dá para não usar.  No meu tempo (sabia que um dia eu diria “no meu tempo”, só pensei que fosse demorar mais), a gente resolvia o drama imediato substituindo a palavra feminina pela masculina.  Dá para trocar “a” por “ao”?  Tem crase.

 

Outro show de horrores são os cartazes das manifestações políticas.  Nesse ponto, direita e esquerda estão unidas.  Tem erro para burro – no sentido literal – nos dois lados.  Tendenciosamente, reconheço, me agridem mais os tropeços dos coxinhas que, em tese, estudaram em colégios melhores.  A moça pedindo punição “à todos” pode até estar certa na sua indignação, mas deveria ter vergonha de sair às ruas empunhando um erro tão crasso.  Perto de onde eu morava, uma frase na parede grita contra o “facismo”.  Só se o “S” que faltou caiu durante a batalha.

 

Tanto precisando ser feito e ainda acontece aquela farta distribuição de bordoadas nos professores (lembra da triste cena?) que se desdobram para dar conta desta missão quase inglória chamada educação.  Vai entender.

 

Isso me lembra a frase que o professor Cláudio Moreno promete esculpir na própria lápide – o que há de demorar muito:  “Lutou contra a ignorância.  E foi vencido”.

 

Falando no professor Moreno, o site dele cresceu e segue cada vez mais atualizado e interativo para ajudar na nossa luta contra a ignorância:  www.sualingua.com.br

 

Minha pátria é minha língua, disse Fernando Pessoa.  Se isso não foi apenas lindo, mas também verdadeiro, para além dos problemas e dos escândalos, então estamos tratando muito mal a nossa pátria.

 

(Agora me ocorre que “tua língua é minha pátria” também é uma bela declaração de amor para quem mereça ouvir.  Apaixonados que quiserem tentar, depois me contem.)

 

Fonte:  Revista DonnaZH/Claudia Tajes (claudiatajes@uol.com.br) 18/10/2015