A HISTÓRIA POR TRÁS DO RECANTO MAESTRO
Vamos falar de um lugar chamado Recanto Maestro, de um conjunto de ideias que atende por ontopsicologia e de um indivíduo peculiar, o italiano Antonio Meneghetti. Os três estão ligados entre si por uma história que transcorre em um vale bucólico da região central do Rio Grande do Sul e envolve especialistas russos, peripécias judiciais na Itália, figuras relevantes da sociedade gaúcha, gente perseguindo a verdade em escrituras rebuscadas e milhões de reais.
Pequeno Império: Vinda do italiano Antonio Meneghetti para a região da Quarta Colônia deu origem a uma comunidade com faculdade, hotéis, empresas, instituições culturais e condomínios residenciais por onde circulam milhares de pessoas.
Iniciemos essa excursão pelo fio mais acessível do novelo, pelo lugar, o Centro Internacional de Arte e Cultura Humanista Recanto Maestro, ou simplesmente Recanto Maestro, como é conhecido o distrito situado no limite entre os municípios de São João do Polêsine e Restinga Seca, 35 quilômetros a leste de Santa Maria.
É um bairro? Um campus? Um centro empresarial? Uma comunidade reunida pelo culto a uma doutrina? Uma realidade paralela?
Consiste em um pouco de cada uma dessas coisas. É também uma espécie de aparição, uma vasta coleção de prédios aterrissados no pampa, em uma zona de propriedades rurais e cidadezinhas de colonização italiana, como uma miragem no deserto.
Você chega pela RS-149 e encontra, logo na entrada, em uma construção alva de linhas arredondadas, a boutique Antonio Meneghetti, onde vendem-se peças da grife AM Stile, que representa a faceta de estilista do singular italiano: camisas de algodão egípcio, sapatos de couro revestidos de seda estampada, gravatas com arabescos, joias, tudo com a exuberância que caracterizava o trajar de Meneghetti.
Da rodovia sai uma estrada asfaltada que segue Recanto adentro. Uma das primeiras edificações é o Hotel Business Center Beira Rio, colosso de 10 andares e 124 quartos, cada um deles com a reprodução de uma pintura de Meneghetti dependurada acima da cabeceira da cama – pois ele também tinha um lado de artista plástico. Depois, passamos pelo Centro Esportivo e Educacional Antonio Meneghetti, ginásio de traços ondulantes que comporta duas quadras poliesportivas e deparamos, sobre um pedestal, com a estátua em bronze de um homem de terno. Meio sentado, meio recostado, ele tem a cabeleira presa atrás em um rabicho e dirige o olhar para a distância. É Meneghetti.
A estátua fica diante de uma construção de 7 mil metros quadrados, linhas curvas, janelas elípticas e círculos vazados na fachada – a sede da Antonio Meneghetti Faculdade, cujas dependências são decoradas com numerosos quadros pintados por Meneghetti e fotos ilustrando sua trajetória. No saguão, a livraria da editora universitária oferece os livros de Meneghetti, que nas páginas finais sempre trazem copiosa bibliografia – listando como fonte outros livros de Meneghetti. Em uma parede entre o primeiro e o segundo piso, há uma grande imagem dele, ar professoral, com uma citação: “Recanto Maestro não é um lugar, não é uma política, não é uma localidade, é uma performance liderística. É um pensamento, uma nova racionalidade aplicada, feita de território, meios, dinheiro, projetos, mas, sobretudo, de pessoas”.
Há ainda um quadro do italiano Ennio Montariello, bem junto à entrada da faculdade. A imagem exibe o que parece ser uma douta cavaqueira, em ambiete pastoral, entre grandes sábios da história da humanidade: o chinês Lao Tsé, os gregos Parmênides e Aristóteles e o italiano Tomás de Aquino. No centro, destaca-se Antonio Meneghetti.
Ainda haverá pela frente a Fundação Antonio Meneghetti, as esculturas a céu aberto desenhadas por Meneghetti e a Galeris La Ontoarte del Maestro Antonio Meneghetti, museu de 777 metros quadrados dedicado integralmente a pinturas, esculturas e tapeçarias de Meneghetti. Também pode-se tomar contato lá com a música de Meneghetti, presente em artefatos como o CD duplo Metaphísica Sinfonia, gravado pela Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro, com participação de um coral, de um tenor, de um barítono e de três sopranos, sob regência do maestro Antônio Borges-Cunha.
A ÚNICA NO MUNDO
Em 28 de abril de 2013, menos de um mês antes de morrer, Antonio Meneghetti recebeu = uma equipe do jornal Cidades do Vale. Acomodado em uma poltrona vermelha, afirmou:
- A faculdade que está aqui, na formação que dá, eu posso garantir a vocês que é a melhor do mundo.
Criada em 2008 a partir da Foil, empresa instituída para a “formação de líderes”, a Antonio Meneghetti Faculdade tem 1.150 alunos, dos quais 20% moram no Recanto Maestro. Cerca de 700 estão na graduação, distribuídos por cinco cursos. Quatro deles são tradicionais: Direito, Administração, Sistemas de Informação e Pedagogia. A peculiaridade é a única graduação do planeta em Ontopsicologia, com duração de quatro anos e meio.
A ontopsicologia é, dependendo do ponto de vista, a ciência ou pseudociência desenvolvida por Meneghetti. Nos materiais da faculdade sobre o bacharelado, somos informados de que a diferença para “todas as demais ciências e áreas de conhecimento é que a Ciência Ontopsicológica examina dentro da coisa, ou seja, busca sempre as coisas como são”. Também ficamos sabendo que “é o estudo da lógica do homem real, sadio, responsável e artífice positivo de bem estar e sociedade”.
O currículo de 2,670 horas inclui disciplinas como Fundamentos Históricos e Epistemológicos da Ontopsicologia (I, II e III), Descobertas da Ontopsicologia: Em Si Ôntico, Descobertas da Ontopsicologia: Campo Semântico, Descobertas da Ontopsicologia: Monitor de Deflexão e Ontopsicologia Aplicada (I, II e III).
O que o profissional com essa formação vai fazer? A AMF afirma que a principal aplicação do bacharelado é “na área da consultoria empresarial-estratégica, nas áreas de gestão e na formação de lideranças”. Além de trabalhar como consultor ou executivo, o ontopsicólogo, promete a faculdade, poderá optar pela carreira acadêmica e atuar como professor ou pesquisador.
- Uma ciência vai adiante quando tem aplicalão no mercado, quando tem ensino e quando tem a pesquisa – diz Patrícia Wazlawick, que coordena o bacharelado e é gestora administrativo-financeira da faculdade.
A graduação foi autorizada pelo Ministério da Educação (MEC) em 2014 e é oferecida desde 2015. Neste ano, vai formar a primeira turma. É um momento importante para a faculdade e para a própria ontopsicologia, porque é quando o MEC deve se pronunciar sobre o reconhecimento da graduação. Para admiradores de Meneghetti, essa chancela ao curso representa também chancela à ontopsicologia.
- Dá institucionalidade, aceitação. As outras instituições vão se interessar em saber o que é isso, vão dialogar de modo respeitoso, de igual para igual – afirma Vicente Bogo, vice-governador do Rio Grande do Sul entre 1995 e 1999 e um confesso estudioso de Meneghetti (inclusive assinou prefácio, em 1996, de uma das principais obras do italiano, A PSICOLOGIA DO LÍDER).
Bogo lembra que todos os últimos governadores participaram de eventos no Recanto durante o mandato: Germano Rigotto em 205, Yeda Crusius em 2010, Tarso Genro em 2012, José Ivo Sartori em 2015. Ele relata que, no início, estranhou um pouco a ontopsicologia. Depois, concluiu que ela dava “respostas mais lógicas” do que o conhecimento que tinha até então:
- Do ponto de vista da ciência, a ontopsicologia representa o máximo avanço, que ainda não chegou às universidades. Pode ser que, daqui a 20, 30, 40 anos, seja incorporada.
Para os críticos, o reconhecimento pelo MEC preocupa.
É grave, porque perpetua a formação em algo que não só é conhecimento inutil, mas também perigoso – diz o biólogo Paulo Almeida, diretor do Instituto Questão de Ciência, criado para combater o avanço das pseudociências no Brasil.
Em declaração encaminhada na quinta-feira (2 de maio), a AMF diz que uma comissão do ministério fez visita de avaliação, nos dias 25 e 26 de fevereiro, e produziu um relatório final favorável, concedendo nota máxima. Faltaria só a emissão da portaria de reconhecimento. Texto no site da faculdade cita o relatório: “O curso, no cotidiano, é conduzido com empenho, dedicação e atenção, englobando desafios como a própria iniciação no Brasil. A ontopsicologia é uma ciência e profissão que dá os primeiros passos em terras brasileiras, mas já o faz de forma robusta, consistente e competente”. O MEC informou que o processo de reconhecimento está na última fase de análise e deve ser concluído nas próximas semanas.
NASCE O REFÚGIO
O catarinense Jacó Ruver foi um dos primeiros brasileiros a conhecer Meneghetti e um dos primeiros moradores do Recanto Maestro. Há mais de 30 anos, dedica duas horas diárias ao estudo da obra meneghettiana. Ele cuida sozinho da pizzaria local, junto à faculdade, e garante ser capaz de fazer 400 pizzas em uma hora, graças à ontopsicologia e ao desenvolvimento integral das capacidades humanas por ela propiciado. Também diz exercer 20 profissões diferentes.
- Não tem o que não se faz. O ser humano é um todo, não é uma parte – filosofa.
No final da década de 1970, quando cursava Filosofia na Universidade de Passo Fundo (UPF), Ruver teve um professor chamado Alécio Vidor, que já divulgava a recém-criada ontopsicologia e recomendou um curso na Itália. Ruver desembarcou em Roma em 1982, conheceu Meneghetti e ficou impressionado.
- Ele me disse que ia fazer um grande negócio no Brasil e me convidou a trabalhar com ele – conta.
Essas origens remotas do Recanto foram reconstituídas, em livro, pela primeira prefeita de São João do Polêsine, Valserina Bulegon Gassen, em coautoria com a jornalista Ariane Gassen Vargas. Em RECANTO MAESTRO – OBRA VIVA DE ANTONIO MENEGHETTI NO BRASIL, elas relatam que Alécio Vidor havia conhecido Meneghetti em 1969, quando chegara à Itália para estudar na Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino, situada nas proximidades do Vaticano. Vidor já lecionava filosofia no Brasil, mas o italiano disse-lhe:
- Tu não entendes nada de filosofia. Vidor fez mestrado e doutorado na Itália, sob orientação de Meneghetti, e voltou a Passo Fundo, empenhado em difundir a ontopsicologia. Em 1979, o mestre italiano veio ao Brasil, para visitá-lo. Uma foto da ocasião mostra os dois agasalhados com ponchos, araucárias ao fundo. Três anos depois, aconselhado por Meneghetti, Vidor se transferiu para a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e começou a procurar uma área “com condições para desenvolver um negócio”.
Foi nessa busca que deparou com o vale onde hoje se encontra o Recanto.
Meneghetti recebeu fotos do local, enviadas pelo discípulo, e decretou: “Esse lugar é bom, aí poderemos fazer coisas boas”. Vidor adquiriu uma chácara de 15 hectares em meio às montanhas. Ruver o acompanhou nas tratativas para a compra das terras:
- Isso foi lá por 1985. Era uma terra ruim, meio abandonada, não tinha quase ninguém morando. Foi escolhida a partir do genius loci, que é um lugar onde a dinâmica vital flui no seu todo. Em 1988, quando começou o Recanto, eu já estudava e trabalhava aqui.
Na época, ele comprou um terreno e construiu uma casa, onde hoje vive sozinho e produz entre 2 mil e 3 mil garrafas de vinho chardonnay a cada ano. Testemunhou a primeira vinda de Meneghetti, em 1988, e frequentou vários cursos oferecidos nas inúmeras visitas posteriores, que podiam prolongar-se por meses.
A DINÂMICA SUPERIOR
Provocado a falar sobre o que Antonio Meneghetti tinha de tão especial, Jacó Ruver interrompe o estudo do livro em italiano e envereda por um caminho inesperado:
- Sabe esse sistema eletrônico de comunicações que temos hoje, de que o ser humano se apropriou? É uma comunicação alienígena, não é humana. Por isso, ela é prejudicial. Ele não precisava disso, não precisava de celular para saber o que estava acontecendo. As ondas estão aí, mas para captar tu precisas do objeto, a TV, por exemplo. O professor não precisava desse objeto. Ele sabia tudo o que acontecia, sem precisar de telefone, de celular, de nada. Ele captava tudo o que ele queria.
(Meneghetti acreditava que os aliens já estavam entre nós. Em A PSICOLOGIA DO LÍDER, escreveu que já nos anos 1990 acontecia a comunicação e o transporte de mercadorias e de pessoas entre as civilizações, acrescentando que a ontopsicologia havia nascido como “visão e tecnologia humanística que prepara o homem para ser protagonista das mediações culturais interplanetárias”.)
A parede à direita de Ruver, na pizzaria, está ornamentada por um dos cinco ou seis quadros que comprou de Meneghetti ao longo do tempo. Falou-se neles, e depois sobre religião. O que o italiano pensava das religiões?
- São necessárias, para controlar a massa, para conter a massa, para moralizar a massa, aquelas pessoas que não tenham um conhecimento mais profundo de si. Mas depois que tu começas a entender a dinâmica superior, tu não precisas de religião.
Na conversa, Ruver também retrucou alguns dos ataques mais ferozes à ontopsicologia, por exemplo, a acusação de que leva as pessoas a cortarem laços familiares:
- A verdadeira relação tem de ser autônoma, onde um constrói o outro e não destrói o outro. A relação familiar é extremamente importante, porém na maioria das vezes é esquizofrênica.
Em alguns casos, a ontopsicologia leva a pessoa a romper laços?
- Se eles são maléficos. Se o amigo faz mal, por que vou ter um amigo desses?
Chama atenção a visão da ontopsicologia sobre a saúde. Meneghetti defendia que as doenças surgem como uma reação do organismo quando uma pessoa vive em contradição com o seu “em si ôntico”. Ruver levantou da mesa para atender um cliente, preparou uma pizza, retornou à cabeceira da mesa. Depois, foi taxativo: 99% das doenças são psicossomáticas. Ele próprio, por causa da ontopsicologia, estava protegido.
- Ninguém diz que tenho 65 anos e faço tudo o que faço. Não conheço médico. Nunca tive um incidente. Tu podes prever antes as coisas. É a evidência das coisas.
Prever?
- Claro. Por exemplo, se eu vou a Santa Maria e vai acontecer um acidente no outro dia.
Isso já aconteceu? O senhor não vai a Santa Maria porque sabe que vai acontecer um acidente?
- Claro. Muitas vezes.
O senhor prevê esse tipo de coisa em sonho?
- Não. É evidência. Evidência. É ter o fato real na mão.
É uma visão?
- Não é visão. É evidência. É certeza.
O “EM SI ÔNTICO”
Antonio Meneghetti nasceu em Avezzano, a 100 quilômetros de Roma, em 1936, Viveu o drama da guerra na infância, entrou para o seminário na adolescência e ordenou-se frade franciscano aos 25 anos. Em seu currículo, diz ter obtido três doutorados – em Filosofia, Teologia e Ciências Sociais – entre 1964 e 1969, em instituições da Igreja. Em 1972, abandonou o sacerdócio. Casou-se com uma ex-freira, Loretta Lorenzini, de quem se separaria em 1996.
Criou a ontopsicologia no começo da década de 1970, quando lecionava na Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino. No meio ontopsicológico, considera-se que Meneghetti realizou três grandes “descobertas”: o em si ôntico (uma espécie de energia ou alma, que representaria o projeto da natureza para cada indivíduo), o campo semântico (uma forma de comunicação que ocorreria entre as pessoas sem elas perceberem) e o monitor de deflexão (um dispositivo cerebral que distorceria a realidade, produzindo efeitos como doença, dor, angústia e falência socioeconômica).
Com base nesse tripé, Meneghetti produziu cerca de 50 livros (em muitos casos, transcrições de palestras), passou a oferecer psicoterapia, virou consultor de empresários e propagou ideias polêmicas, que dizia serem noções científicas. Algumas de suas concepções podem ser encontradas no livro LIÇÕES DE LENINGRADO: UMA INTRODUÇÃO À ONTOPSICOLOGIA, que reúne conferências proferidas em 1990 na cidade russa (atual São Petersburgo) e que foi publicado em português em 1993, em Porto Alegre, pela Associação Brasileira de Ontopsicologia.
Na obra, ele sugere, por exemplo, que as mulheres vítimas de estupro, ao que parece por ação de seu “campo semântico”, estimulam a ação do estuprador: “Frequentemente se coloca na prisão a pessoa executora de fato, porém inocente. O exemplo mais clássio está nos casos de violência sexual: quase sempre trata-se de uma mulher muito casta; com frequência o estuprador não se dá conta como pode ter realizado tal brutalidade. Na verdade, é um tipo de mulher que emana uma semântica precisa que necessita que o débil psíquico atue violentamente sobre ela”.
PRISÃO NA ITÁLIA
Em 1981,após o jornal Paese Sera (que circulou em Roma de 1949 a 1994 e teve entre seus colaboradores Umberto Eco e Norberto Bobbio) publicar reportagens em que descrevia a ontopsicologia como uma seita que fazia jovens largarem suas famílias, a Procuradoria da República italiana prendeu Meneghetti, sua esposa (que também oferecia psicoterapia baseada na ontopsicologia) e outras pessoas por suspeita de associação criminosa, usurpação de títulos, exercício ilegal de profissão, fraude, agressão sexual e furto qualificado.
Após um mês, Meneghetti foi solto. Mais tarde, inocentado.
Em outubro de 1991, Meneghetti estava outra vez nas manchetes por causa da morte trágica da ex-modelo e psicóloga italiana Marina Furlan, 28 anos, com quem ele havia tido um relacionamento. Ela morreu afogada durante um passeio de barco com o professor ao largo da ilha de San Pietro, na costa da Sardenha. A justiça condenou-o a um ano e oito meses por homicídio culposo (sem intenção de matar). Ele recorreu e conseguiu baixar a pena para 10 meses de prisão. Evitou o cárcere recorrendo à reabilitazione penale, dispositivo do direito italiano que permite obter a extinção dos efeitos penais de uma condenação.
Em 1998, o Ministério do Interior chegou a inserir a ontopsicologia em uma lista de seitas religiosas. Meneghetti interpôs um processo judicial por danos à imagem e foi indenizado em 50 milhões de liras.
Onze anos depois, a partir de informações de inteligência do governo italiano, a delegacia da Polícia Federal em Santa Maria abriu o inquérito número 0233/2009 para investigar as atividades no Brasil de Meneghetti e da fundação que leva seu nome. A investigação foi batizada de Operação Aquila. O inquérito foi arquivado a pedido do Ministério Público Federal, por “considerar que se tratava de matéria a ser investigada pela Receita Federal”.
CRÍTICAS DA PSICOLOGIA
No começo, a ontopsicologia era utilizada por Meneghetti como uma ferramenta psicoterapêutica – o que está na raiz de muitos dos problemas que ele teve, como a rejeição do meio científico, o escrutínio das autoridades judiciais e as denúncias feitas pela imprensa. Suas atividades foram investigadas por Gianni Del Vecchio e Stefano Pitrelli no livro OCCULTO ITALIA (2011). Um dos depoimentos coletados é o de um psicólogo que atendia em Terni, cidade localizada a cerca de 40 quilômetros de Lizori, a comunidade que funcionava como uma versão italiana do Recanto Maestro: um mundo à parte, povoado por seguidores da ontopsicologia e decorado com pinturas e esculturas da lavra de Meneghetti.
Recém-formado, o psicólogo abriu um consultório, e os pacientes começaram a aparecer em grande número. Ele logo deu-se conta de que essas pessoas eram ex-pacientes de Meneghetti, que haviam ficado órfãos quando ele interrompeu os atendimentos por causa das acusações judiciais e da prisão.
“Deixando de lado o perfil judicial do caso, confirmo as coisas que saíram no jornal. Todos aqueles pacientes apresentavam os mesmos problemas. Recordo que todos tinham uma grande dependência de Meneghetti. E que inicialmente tinham recebido o mesmo diagnóstico e a mesma terapia. O diagnóstico era simples: ‘As coisas vão mal porque você está cercado de negatividade, que é transmitida a você por seus familiares’. A terapia também: ‘Você deve se afastar da sua família’. Então Meneghetti disse que esposas deixassem seus maridos e que filhos saíssem de casa e cortassem os laços com os pais, ou que pelo menos reduzissem o contato ao mínimo”, relatou o psicólogo.
Essas polêmicas repercutiram no Brasil na década de 1990 e no início dos anos 2000, gerando alertas de Conselhos de Psicologia, que apontarama falta de amparo científico da ontopsicologia e condenaram psicólogos que ofereciam terapias baseadas nela. Em reação, a posição dos seguidores de Meneghetti é hoje a de argumentar que a psicologia não tem de se pronunciar sobre o tema, uma vez que a ontopsicologia não teria relação com a psicologia.
- Isso ficou muito bem definido quando o professor escreveu uma carta ao Conselho Federal de Psicologia dizendo que ontopsicologia não é uma área da psicologia, é uma ciência epistêmica, interdisciplinar, de base. Não rouba espaço do psicólogo ou do filósofo – diz Patrícia Wazlawick.
No passado, não havia preocupação em traçar uma fronteira. Do início ao fim do livro LIÇÕES DE LENINGRADO (1990), Meneghetti sempre se refere à ontopsicologia dentro do contexto da psicologia, sem separá-las. Já a primeira edição do MANUAL DE ONTOPSICOLOGIA, de 1996, estampa na capa: “Última fronteira da psicologia contemporânea”. Nas edições mais recentes, a afirmação foi removida.
Na Itália, Meneghetti requisitou o reconhecimento da sua linha psicoterápica pelas entidades da psicologia. O livro OCCULTO ITALIA descreve uma audiência em que Meneghetti compareceu diante de comissão da Ordem dos Psicólogos de Lazio. Para atestar os títulos que dizia ter, entregou documentos em cirilico, o alfabeto da Rússia. “Por acaso, um dos comissários sabia ler russo e desmascarou a mentira: tratava-se de certificados de participação em convenções”, registra o livro.
Em setembro de 2000, o Conselho de Psicologia da Itália deu seu veredito e recusou considerar a ontopsicologia uma escola terapêutica e de pensamento psicológico, negando legitimidade científica: “A formação profissional do psicoterapeuta promovida e implementada pela Associação Internacional de Ontopsicologia deve ser considerada não qualificada”.
Consultado por ZH, o Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul afirmou desconhecer qualquer aceitação da ontopsicologia como parte da psicologia e observou que mesmo “o fato de existir palestra ou atividade junto a uma instituição de ensino não remete a um reconhecimento teórico ou metodológico”. O conselho também ressaltou que, na condição de autarquia federal de orientação e fiscalização do exercício profissional da psicologia, “não reconhece métodos e procedimentos terapêuticos mediados pela ontopsicologia”.
UM PEQUENO ECOSSISTEMA
Em maio de 2013, quando Meneghetti morreu no hospital de Faxinal do Soturno (RS), a imprensa italiana voltou a dar-lhe atenção. Sob uma foto em que ele aparecia de óculos escuros, charuto numa mão e taça de vinho na outra, o jornal digital Tuttoggi (criado em 2007 na Úmbria, onde Meneghetti mantinha uma comunidade) publicou um alentado obituário, rememorando as questões judiciais, reafirmando que a ontopsicologia era uma disciplina sem fundamento científico e apresentando o ex-frade como dono de um império econômico e imobiliário graças a contribuições dos seguidores. O texto terminava com um questionamento sobre o futuro: “Quem vai tomar as rédeas do movimento agora?”.
A resposta estava a 10,4 mil quilômetros de distância, na depressão central do Rio Grande do Sul.
Lá, a obra e o legado de Meneghetti floresciam, vivos, fortes, prósperos e pujantes. Desde a primeira visita dele ao Recanto Maestro, em 1988, o distrito havia se convertido em um pequeno império, e as instituições que delineara haviam criado laços com o establishment empresarial, cultural e político gaúcho. O italiano que havia sido preso, condenado, atacado e ridicularizado em sua própria terra encontrara, no Brasil, um ambiente onde era acolhido com admiração, obtinha chancelas oficiais e guardava distância dos problemas com a Justiça.
Na terra que Alécio Vidor e Jacó Ruver haviam encontrado 25 anos antes, surgira todo um ecossistema, formado por várias empresas, um campus universitário e zonas residenciais. Nos prédios para moradia construídos pela Fundação Antonio Meneghetti e nos casarões, viviam os alunos e professores da faculdade, bem como empresários. Estes haviam chegado lá para fazer cursos – a exemplo dos MBAs baseados em concepções ontopsicológicas como a “liderística” e a “business intuition” - e depois foram atraídos para investir no local. Nas empresas que abriam, contratavam como estagiários ou empregados os estudantes da graduação. E para que esses estudantes pudessem trabalhar nessas empresas, todas as aulas eram noturnas.
No já mencionado livro RECANTO MAESTRO, Valserina, a ex-prefeita de São João do Polêsine, conta que estava em exercício do mandato (1993-1995) quando foi convidada por Meneghetti para uma visita. No encontro, ele propôs a construção de uma ponte no Recanto e “entregou os recursos para execução da obra em dólares’. Valserina “disse ao professor que o poder público não costumava receber dinheiro desta forma, mas compreendeu a importância e a urgência da obra e, em parceria, cada um com a sua contrapartida, construíram a ponte”. Meneghetti também citou o episódio na entrevista de 2013: “Não havia a estrada. Então dei dinheiro à prefeitura para fazer uma ponte para passar. Posteriormente, fiz as estradas”. Segundo ele, até a ocasião o investimento no Recanto teria sido de 15 milhões a 20 milhões de euros.
O NIEMEYER DO RECANTO
Uma pessoa decisiva para as feições do projeto foi o arquiteto Luiz Carlos Bessler, 65 anos, responsável pelo desenho de quase todas as construções do distrito, onde estuda e mantém o seu escritório, uma pousada com 14 apartamentos e um restaurante. Ele está para o Recanto Maestro como Oscar Niemeyer está para Brasília. Meneghetti atuava como “diretor artístico”, não raro rascunhando no chão os croquis.
São assinados por Bessler a sede da Fundação, o Hotel Capo Zorial (uma estrutura em forma de pássaro com quartos no primeiro piso, um salão de conferências no segundo e um amplo apartamento no terceiro, onde Meneghetti viveu), os prédios da faculdade, o complexo esportivo, o centro profissional, o Hotel Beira Rio e a maior parte das residências, algumas delas mansões, que se espalham ao longo do vale e pelas encostas.
Bessler é um dos moradores mais antigos do Recanto. Na época, era tudo mato, sem água encanada nem calçamento. Diz que a casa que construiu para si, a primeira de todas, onde mora sozinho, é a mais convencional da comunidade. Depois é que desenvolveu o estilo característico, em que “formas e cores únicas compreendem harmonia com a natureza e com o ser humano”, para citar um livro que celebra os 25 anos do local. O arquiteto é mais comedido:
- Não sei como explicar e classificar. Lembra um pouco o mediterrâneo. Nasceu espontaneamente. Essas linhas, curvas, furos. Temos muitos furos e círculos. O que é isso? Tem gente que entende como uma coisa transcendental, mas eu não vejo assim. Uso como elemento estético para dar leveza à fachada.
A “CURA” DO CÂNCER
Em 14 de novembro de 2009, no Recanto Maestro, Meneghetti proferiu uma conferência em que anunciou ter descoberto a causa do câncer e garantiu sua cura pela ontopsicologia. Conforme a Associação Brasileira de Ontopsicologia, estavam na plateia 300 médicos e autoridades – como o então secretário de Ciência e Tecnologia, Artur Lorentz, e o diretor-geral do Hospital Universitário de Santa Maria à época, Jorge Palma Freire. Lorentz faz hoje um MBA na Antonio Meneghetti Faculdade. Palma Freire estudou na instituição.
A partir de sua experiência com psicoterapia - “10 anos de atividade clínica, 12 horas por dia, com pacientes de todos os tipos” –, Meneghetti teria entendido como surgem as doenças e como curá-las. No MANUAL DE ONTOPSICOLOGIA, relata os atendimentos: “O cliente vinha como sobra rejeitada pela medicina ou pelas outras psicoterapias ou de tentativas parapsíquicas, com as costumeiras afecções crônicas da psicossomática (hemicrania, impotência, cefaleias, insônia, incubações tumorais, estresse, infarto etc). Fingia ouvi-lo, como se o seu mal fosse novo para mim, e após quatro ou cinco entrevistas, com sua total permissão, extraía um invisível bisturi e operava a sangue no interior das suas ideias, das suas tradições, da sua moral, dos seus pontos inquebráveis”.
Em diferentes obras, o italiano aponta um dedo acusador à família. No MANUAL DE ONTOPSICOLOGIA, diz que ela é a “matriz-base de qualquer involução do sujeito”. Nas LIÇÕES DE LENINGRADO, menciona um suposto efeito maléfico dos pais sobre a saúde dos filhos: “Sempre notei que todos os jovens que conseguiam se afastar da família, da mãe, se curavam imediatamente, e são os mesmos que ocupam hoje cargos de líderes”.
Meneghetti insistia na origem psíquica de todos os males de saúde – a chamada psicossomática –, garantindo categoricamente que fatores externos (coo vírus ou infecções) não incidem sobre o organismo humano se isso não estiver previsto “pela seleção temática preexistente no sujeito”. A conferência de 2009 foi publicada, no ano seguinte, em uma revista médica chinesa, o Journal of Chinese Clinical Medicine, sob o título “A Psicossomática do Câncer”, que diz: “Tratar o câncer é a coisa mais fácil que existe. Tudo o que é preciso são três sessões. Por câncer entendo toda a esfera patológica geral, incluindo a aids”.
Vicente Bogo revela que assistiu à conferência e que não seriam três sessões exatamente, mas “quatro a seis”. Diz que “é importante compreender o sentido de cada palavra”:
- Ontopsicologia não é uma ciência de fácil compreensão para o grande público. O que o professor Meneghetti estava explicando é que, se há uma fenomenologia, como por exemplo a doença, e for ao mundo das causas, vai encontrar uma causa primeira, cujo fundamento está no campo da psique. Quando ele trata da medicina, está tratando de temas profundos. Não é fácil, não dá para um cidadão comum querer entender essas coisas, e mesmo alguns que fizeram faculdade, se não estudaram sério, não vão entender.
O biólogo Paulo Almeida, do Instituto Questão de Ciência, critica:
- Ser formado dentro da crença de que o HIV não é transmitido sexualmennte, de que o câncer é curável em três sessões e de que se pode explicar a vida e o universo a partir dos textos de um grande guru iluminado expõe as pessoas a muitos riscos.
ZH consultou o Conselho Regional de Medicina (Cremers) sobre as posições de Meneghetti. A entidade encaminhou uma nota, em que também aborda o iminente reconhecimento do bacharelado em ontopsicologia pelo Ministério da Educação: “O Cremers reconhece como práticas de atendimento aquelas que seguem o método científico. Como a ontopsicologia não tem base em evidências, o conselho é contrário a sua prática, pois não se tem segurança no seu uso. Enquanto órgão de fiscalização e proteção da sociedade, preocupamo-nos com o reconhecimento de um curso em que um dos seus pressupostos básicos é que a origem de todas as doenças, inclusive infecciosas e neoplasias, é psicossomática, com curas baseadas apenas em tratamentos não convencionais (…) Pacientes devem ser tratados por profissionais habilitados, com os rigores da ciência e do conhecimento atual”.
EMPRESÁRIO E BENEMÉRITOS
Eleito pelos gaúchos vice-governador em 1994, Vicente Bogo conta ter sido apresentado ao Recanto Maestro por Roberto Argenta. Presidente da Calçados Beira Rio (empresa com uma dezena de fábricas e 10 mil funcionários). Argenta foi vereador e prefeito de Igrejinha e exerceu mandato como deputado federal entre 1999 e 2003. Ex-presidente e atual integrante do conselho da Fundação Antonio Meneghetti, ele é o responsável pela construção do Hotel Business Center Beira Rio. No momento, investe em uma nova torre do hotel e em uma estação de águas termais.
Também é um benemérito. Na Casa do Estudante da Antonio Meneghetti Faculdade, uma placa de metal na parede informa que a obra foi patrocinada pela Beira Rio. A residência estudantil funciona em dois prédios, um para homens e outro para mulheres, em um total de 108 vagas.
A Casa do Estudante representa uma amostra modesta da generosidade de Argenta. Uma disputa judicial iniciada em 2014 revelou que ele chegou a doar à fundação 28,67% das ações da Beira Rio, o equivalente, na época, a R$ 170 milhões. O processo havia sido aberto por outro grande empresário do setor, Alexandre Grendene, sócio minoritário da Beira Rio, que contestava o presente.
Entre os documentos públicos da disputa judicial, disponíveis no site do Tribunal de Justiça, está uma decisão que menciona a “peculiaridade de o sócio Roberto Argenta, detentor da maioria das ações da companhia, em reunião privada, promover a transferência de 1.433.334 ações ordinárias à fundação de que é presidente e cuja finalidade é promover a ontopsicologia, disciplina desconhecida, mas flagrantemente não relacionada com o objeto social da Calçados Beira Rio”. O litígio chegou ao fim em novembro de 2015, quando a Justiça homologou um acordo, de teor desconhecido, entre os dois empresários. ZH tentou falar com ambos, mas não teve sucesso.
Em 2017, Argenta concedeu uma entrevista de 11 páginas à revista Performance Líder, publicada pela Ontopsicológica Editora Universitária. Afirmou ter dois amores na vida, a Beira Rio e o Recanto Maestro:
- Trabalhar e ver essas duas potências se desenvolverem faz parte do meu cotidiano e sempre me envolvi inteiramente para fazer crescerem esses dois amores.
Hermes Gazzolla, que já apareceu na lista de bilionários da revista Forbes, contribuiu para a construção do Centro Esportivo, apoio saudado em uma placa afixada no complexo. Por meio de sua assessoria, o empresário comunicou que não daria entrevista, por preferir manter um perfil discreto.
Um dos entusiastas mais citados no distrito é Claudio Carrara, do Grupo Meta, empresa de software com 11 unidades no Brasil e no Exterior, uma delas no Recanto Maestro. Das 100 pessoas que trabalham lá, cerca de metade é de alunos ou ex-alunos da Antonio Meneghetti Faculdade. Inaugurada em 2013, a unidade resultou de um investimento de R$ 5 milhões.
- É um investimento de longo prazo, que se paga em 10 anos. Sempre tivemos a estratégia de estar perto das universidades, afirma Carrara.
Ele tem casa no recanto, leciona na AMF, é conselheiro da Fundação e coordena iniciativas artísticas, como a orquestra jovem. Relaciona o sucesso da ontopsicologia entre o empresariado ao desejo de deixar um legado e de contribuir para uma sociedade melhor. O principal atrativo para ele foi o que descreve como “uma abordagem integral da pessoa”, o que associa ao resgate do estilo clássico de formação, em que o indivíduo se familiariza com variadas áreas do conhecimento, e não apenas com sua especialidade profissional.
Entre os pequenos empreendedores do Recanto, está a catarinense Iara Sperotto, 55 anos, que administra a cantina da faculdade e o mercadinho do distrito. Ela atribui à ontopsicologia o fato de ter criado uma fábrica de tintas industriais, em 2000, numa época em que sofria de depressão:
- Minha vida era vazia. Fazia inglês, natação, mas não completava. Depois de vir para cá, percebi que um dia, mais tarde, ia olhar para trás e pensar: “O que eu fiz da minha vida?”. Ao criar a empresa, a depressão passou, porque não tive mais tempo para aquilo.
Seis anos atrás, Meneghetti chamou-a para que assumisse a cantina. Na época, ela havia vendido a fábrica de tintas e estava em uma boa situação econômica. Resistiu à proposta, porque não entendia de café. Meneghetti insistiu: “Vai lá e aprende”. Convencida, iara deixou o marido em Santa Catarina e veio para o Recanto, arranjo que persiste desde o começo de 2013. Diz que nem pensou na distância, só em construir algo para si:
- A ciência diz que se você está bem, o teu marido e a tua família vão estar bem. O relacionamento diferente com meu marido tem a ver com a ontopsicologia, porque, quando você vai mudando, vê que não precisa estar junto 100% do tempo. Continuamos bem casados. Em livro nenhum o professor fala que tem de se separar.
Patrícia Wazlawski
QUEM ESTÁ NO COMANDO?
A principal instituição no empreendimento é a Fundação Antonio Meneghetti, presidida durante vários anos por Roberto Argenta. Na quinta-feira, a Fundação encaminhou declaração para dizer que Argenta “não integra há muito tempo qualquer conselho ou posição de direção” e uma ata, de 25 de fevereiro de 2017, que trata da renúncia dele à presidência do conselho deliberativo da entidade, sendo substituído pelo empresário Ari Foletto – que, em balanço da Fundação publicado em 30 de abril no Diário de Santa Maria, é apresentado como diretor-presidente. Apesar da declaração, Argenta é citado como conselheiro no relatório de projetos da fundação referente a 2018 e em postagem da instituição feita em novembro numa rede social.
Além do deliberativo, a AMF tem mais dois conselhos: diretor e fiscal. Entre os conselheiros listados, estão Patrícia Waslawick, Claudio Carrara, Helena Biasotto (que dirige a AMF), Almir Foletto (empresário do agronegócio) e Ricardo Schaefer (jornalista e professor).
Conforme a Receita Federal e a Junta Comercial, a fundação é sócia de três empresas, a Foil, a Agroturismo Recanto e a Oniotan. A Foil é a mantenedora da AMF e tem um capital social de R$ 2,35 milhões. A fundação detém 91,55% das ações. Os demais sócios são Wesley Lacerda (0,77%) e dois docentes da AMF: Josiane Barbieri (0,68%) e Erico de Lima Azevedo (7%).
A Agroturismo Recanto inclui na sociedade Almir Foletto e Argenta. A Oniotan é uma empresa de construção e negócios imobiliários, entre outras atividades. Na descrição de Carrara, seria quem constrói, cuida dos terrenos e administra os condomínios do Recanto. Com capital social de R$ 2.941.281, pertence quase integralmente à fundação.
TERAPEUTA VITA GURU EMPRESARIAL
Nos anos 1980, Antonio Meneghetti anunciou que tinha iniciado “quase um abandono de interessar-me pelo mal, pela psicoterapia de cura, para abrir um outro caminho”. Nesse processo, trocou a atividade clínica pela de guru empresarial. Segundo os autores do livro OCCULTO ITALIA, “após a investigação judicial, Meneghetti intui que o verdadeiro potencial de sua ontopsicologia residia na aplicação à economia e ao mundo empresarial. Afinal, é aí que gira o dinheiro”.
O próprios Meneghetti admitiu isso ao jornal La Repubblica, em 1997:
- Os doentes? Já não me ocupo disso. Só trazem problemas. Agora trabalho para as elites políticas e empresariais, ensinando-lhes a psicologia do líder. Custo mínimo de cada conferência: US$ 10 mil, com pedidos contínuos, que vêm principalmente no Brasil, China e Rússia.
O italiano oferecia a empreendedores o “residence”, curso de imersão em local aprazível como o Recanto Maestro. Em 1996, fez conferências na Fiergs e na Fiesp. Mais tarde, grandes nomes do empresariado nacional palestraram no recanto.
Que mensagem Meneghetti trouxe para o mundo dos negócios? Por que essa mensagem encontrou eco? Para responder, tomamos como guia suas próprias palavras, expressas na edição original de A PSICOLOGIA DO LÍDER, de 1996 (em versões mais recentes, a obra foi modificada, e parte das citações que se seguem, suprimidas).
No livro, o italiano manifesta pouco apreço pela democracia, que para ele é “somente violência do número”, um sistema em que “milhões de ignorantes, quando se unem, reforçam a ignorância com todas as suas consequências” (essa passagem é mantida na 5ª edição, de 2013). A pesquisa ontopsicológica, ressalta, não pretende dar formação didática a essas massas. É outro o seu público: “O propósito preciso da ontopsicologia é aquele de sensibilizar, responsabilizar o novo capitalismo oligárquico da tecnologia digital” (afirmação suprimida na 5ª edição). A oligarquia é definida como o sistema em que o poder é exercido por um pequeno grupo de pessoas.
Nesse cenário, há um tipo especial de pessoa, alguém que “não faz parte da média normal dos seres humanos, mas é um diferente, um superior”. Essa criatura “é um homem que compreendeu que ou dominas ou és dominado”. Chegar a ser essa pessoa “não é o resultado de uma carreira de anos, mas é uma predisposição de natureza”. Ecoando certas religiões, esse ser humano é um escolhido, um predestinado, uma vez que “a vida individual é o resultado daquilo que foi pré-colocado”, tornando “inútil culpar deus ou a sociedade”.
Esse ser humano superior, segundo Meneghetti, é o líder.
Outra mensagem ao empresariado é a glorificação do lucro. O dinheiro é o sinal distintivo do “escolhido”, porque “vai onde estão os vencedores (…), é um poder que se coliga somente com os capazes”. Ele prossegue: “Analisando a fundo todos os grandes, ninguém viveu realmente para os outros; cada um passou através dos outros (…) Do momento que o escopo da sua ação são os lucros, em relação a estes ele deve ter a capacidade de organizar diversas coisas, diversas ideias, situações, ideologias, não se enrijecendo em uma moral, em uma cultura, em uma tradição fixa. (…) Problemas morais, culturais, ideológicos são considerados para serem instrumentalizados ou contornados. Tanto num quanto no outro caso, sabe fazê-lo com tamanha arte que parece um defensor daqueles valores que de fato lesa”.
Mas há perigos no caminho do líder. São os “estereótipos”: sexo, agressividade, amor, família, filhos, mulher ou homem, tendência ao” alcoolismo ou à droga e a necessidade de amigos. Meneghetti considera três deles os piores, porque paralisam: o sexo, o amor e o vício. Ele enfatiza a necessidade de o homem de negócios colocar cônjuge e filhos em segundo plano: “A família é algo simpático, mas não é o escopo da vida”. A família, afinal, é origem de riscos e malefícios. Esses laços de sangue podem inclusive levar à ruína empresarial. Nenhuma relação é sagrada: “Com uma irmã, com um irmão, com uma mulher, é indiferente, a funcionalidade é o que conta. (…) Quando não existe funcionalidade, é melhor romper”.
Quais são as relações que o líder deve valorizar? É com as “pessoas certas”, “aquelas que contam”, “as portadoras de riqueza”. O amor em relação ao que é inferior deve ser evitado, porque gera a ruína. A amizade só faz sentido se propiciar vantagem. Pessoas mais vulneráveis não devem receber caridade, porque isso seria cultivar a deficiência e manter o doente: “Quanto mais lhe dou esmola, mais o caracterizo naquele nível. Isto não é amor real, é corrupção”.
Meneghetti inclui uma nota no livro para explicar por que está habilitado a aconselhar empresários. É por ser um prático, não um teórico: “Quero recordar que sou um homem rico, sei como se faz o dinheiro e como usá-lo”.
COBRANÇA DIÁRIA
Um dos empreendimentos visitados por ZH em novembro foi a fábrica de cosméticos Lillium Recanto, criada por Maria Lúcia Carrara, mulher do empresário Cláudio Carrara, a partir de uma ideia de Meneghetti. Ele teria observado a existência de muitos lírios-do-brejo na região e propôs seu uso no desenvolvimento de cosméticos. Dona de farmácias de manipulação em Porto Alegre, Maria Lúcia cursava na época o MBA em Business Intuiton da AMF.
No dia da visita, os quatro trabalhadores da Lillium eram universitários da AMF. Entre eles, Aline Righi, 19 anos, do terceiro semestre de Direito, que cuidava de vendas e de marketing (hoje, ela trabalha na Agroturismo Recanto). De origem humilde, filha de um agricultor e de uma empregada doméstica, a jovem elogiou as oportunidades profissionais que recebeu no Recanto:
- Cheguei aqui em 26 de fevereiro e, no início de março, já estava no projeto Saber Servir, fazendo faxina na casa dos professores, nos condomínios. Era R$ 25 por dia.
Em um contato posterior, Aline disse que o projeto foi desenvolvido por estudantes, de forma autônoma.
Ela é de Jaguari, a 160 quilômetros de São João do Polêsine. Na cidade natal, contou, as referências que tinha sobre o Recanto estavam eivadas de receios e preconceito, mas preferiu tirar suas próprias conclusões:
- Dizem que não pode ser verdade, que aqui te fazem lavagem cerebral, que tu ficas diferente. Mas não é. É porque aqui eles te formam integralmente, consequentemente a gente muda. Por exemplo, deixei de sair, mas não é porque a ontopsicologia me faz querer deixar de sair, é porque quero me formar profissionalmente e integralmente para mim.
Aline acredita que se transformou para melhor e amadureceu. Do seu ponto de vista, colegas de Jaguari que foram para outras faculdades não cresceram tanto. Ela valoriza especialmente o fato de estar sendo formada para o mercado de trabalho:
- A metodologia da ontopsicologia é muito boa. É o líder, né? O líder precisa passar por todas os setores de uma empresa, saber fazer tudo, para chegar no topo. Por isso, somos cobrados diariamente, o que nos faz crescer. Aqui é tudo. A gente tem uma imagem e precisa cuidar dessa imagem, andar bem vestido. Isso aparece nas aulas de formação liderística.
Todos os alunos da AMF, não importa o curso, têm contato com a ontopsicologia, descrita por Patrícia Wazlawick como “diretiva pedagógica”:
- No curso de Administração, por exemplo, o jovem que entra precisa se conhecer, então a gente trabalha de um modo prático. Como ele organiza o tempo dele? Como aproveita e cresce no tempo livre, e não só desperdiça o tempo livre? Os professores propõem uma atividade, no primeiro semestre: tu vais organizar e limpar o teu quarto, vais tirar uma foto depois. Cada um apresenta o seu. Porque não adianta eu querer ser um grande profissional lá fora, querer empreender, se a minha vida eu não administro.
PROJETOS EDUCACIONAIS
A partir de convênios com as prefeituras de municípios próximos ao Recanto, crianças de escolas públicas são apresentadas a valores e conceitos da ontopsicologia dentro do projeto Despertando a Formação Inteligente por meio da Leitura, um dos 25 mantidos pela Fundação Antonio Meneghetti. Segundo Patrícia Michelotti, coordenadora-geral das iniciativas, são apresentadas a alunos de seis a 13 anos de São João do Polêsine, Restinga Seca e Agudo obras que ajudem os pequenos a “se entender como um ser presente no mundo e que não é igual a nenhum outro”. Por exemplo, um livro sobre um camaleão que passa as horas mudando de cor, conforme pedem os amigos, e que chega ao final do dia exaurido e sem ter ficado da cor que queria:
- São metáforas para as crianças começarem a se sentir indivíduos. Tu tens de ver o que é bom para ti e o que não é bom pra ti. Tu gostas disso ou estás fazendo porque um colega disse para fazer?
A ontopsicologia estimula o individualismo?
- Sabe quando tem aquele aviso no avião,de colocar a máscara primeiro em você? É essa a lógica. Como vai fazer algo de bom para a sociedade se você não está bem?
A fundação também se dedica a causas culturais. A Orquestra Jovem Recanto Maestro é formada por mais de 300 crianças e adolescentes de escolas da região, orientados por 12 professores de música. O coordenador é o músico Michael Fragomeni Penna, 31 anos, santa-mariense que atuava como professor de orquestras jovens na Bolívia. Foi de lá que o maestro Antônio Borges-Cunha, ex-diretor artístico e maestro da Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro (OCTSP), trouxe-o.
Penna diz que a inspiração foi El Sistema, o modelo de educação musical pública iniciado 40 anos atrás na Venezuela e hoje uma referência internacional. Para colaborar, buscou no país vizinho, em 2017, um dos iniciadores do projeto, o oboísta Julian Ramos, 51, e sua mulher, a violinista Ariana Gutierrez, 21. Ramos disse:
- Acho que o Recanto é um oásis no deserto, um oásis humanista.
A coordenação da orquestra está a cargo de Cláudio Carrara, que, em março de 2012, contratou a OCTSP para um concerto de aniversário para o líder da ontopsicologia. Entre as peças, estavam duas composições do próprio Meneghetti, orquestradas por Vagner Cunha, filho do maestro Antônio Borges-Cunha. Na ocasião, Carrara oagou Vagner Cunha para orquestrar outras obras do italiano, que foram apresentadas no concerto MAESTRO ONTOARTE EM CENA, no Theatro São Pedro. O espetáculo foi gravado e lançado em CD e DVD.
EM RESPALDO CIENTÍFICO
Na entrevista concedida dias antes de morrer, ao lhe perguntarem como se definia, Meneghetti respondeu:
- Cientista.
Quando se menciona a falta de reconhecimento externo à ontopsicologia, Patrícia Wazlawick, coordenadora do bacharelado, reage:
- A ontopsicologia não precisa ser reconhecida como ciência porque já é uma ciência. Todas essas críticas de que você fala vêm de quem? São pessoas que muitas vezes não leram um livro de ontopsicologia. Sabe o que é fake news? É isso. Pessoas que nunca leram, nunca estudaram, e que falam coisas de modo pejorativo. Para quê? Para criticar simplesmente. Não é nem fazer a crítica, porque fazer a crítica é fazer verificação. Onde estão essas críticas?
Elas podem ser encontradas, por exemplo, no Instituto Questão de Ciência, fundação criada para “apontar e corrigir a falsificação e a distorção do conhecimento científico na arena pública”. A pedido de ZH, um dos fundadores do instituto, o biólogo Paulo Almeida, debruçou-se sobre os postulados da ontopsicologia:
- Quanto mais eu lia,mais eu ficava assustado.
Almeida fez um levantamento nos principais repositórios internacionais de pesquisa acadêmica qualificada, que indexam jornais e revistas científicos, permitindo saber que estudos atenderam a critérios de qualidade para publicação – e também quantas vezes eles foram citados em outros artigos, um importante indicador de relevância. Nessa busca, não apareceu nada sobre ontopsicologia.
Essa ausência não surpreendeu, já que, diz Almeida, a ontopsicologia não preenche os requisitos mínimos para credenciar-se como conhecimento científico. Mesmo na área das humanas – onde a ontopsicologia poderia inserir-se –, há a exigência de metodologias, de experimentos que possam ser replicados, de medições, de métricas, de conexão com outros campos de estudo.
Por exemplo, para afirmar a existência da tríade em si ôntico, campo semântico e monitor de deflexão, Meneghetti e seus seguidores deveriam ter delineado experimentos científicos que os comprovassem. Isso nunca aconteceu. Almeida afirma:
- Essa é uma falha brutal. Essa tríade é um misto de esoterismo e fenomenologia bem rasa, pois não tem o rigor conceitual da filosofia.
O diretor do Questão de Ciência associa a inexistência dessas bases científicas à presença, no mundo da ontopsicologia, de elementos que a aproximam de uma proposição de fé. Existiriam as condições para o estabelecimento de um texto sagrado, de um culto e de um líder espiritual – figura única considerada referência absoluta, máxima e inquestionável.
Outra prática típica dos cultos seria a sugestão, que Meneghetti oferecia em seus escritos, para que as pessoas se isolem das famílias:
- O que isso quer dizer implicitamente é o seguinte: fuja da esfera de influência das pessoas que poderão dizer o que você está fazendo é maluquice. Você passa a viver dentro de um meio onde todo mundo reforça mutuamente um circuito de ideias.
DESMENTIDO DA UNIVERSIDADE RUSSA
Além do Brasil, a Rússia representou uma frente onde Meneghetti cavou espaços. Consta que, ainda nos anos 2960, o psicólogo soviético B. G. Ananyev já trabalhava em uma nova disciplina, dedicada ao desenvolvimento da personalidade, a que chamava ontopsicologia. Em 1983, um discípulo dele, Boris Fedorovich Lomov, deparou com um livro de Meneghetti em Moscou. Professor da Universidade Estatal de Leningrado (atual Universidade Estatal de São Petersburgo), Lomov conheceu o italiano seis anos depois, em um congresso de Psicologia na Holanda. É a partir desse contato que surge o convite para Meneghetti viajar a Moscou e Leningrado, em 1989. A viagem rendeu conferências, contratos e parcerias, Foi quando o italiano assinou um termo de cooperação com a Faculdade de Psicologia da Universidade Estatal.
Relacionado a esse acordo, um curso de especialização em ontopsicologia foi criado em 1998, e, em 2000, chegou a primeira turma de brasileiros, com 30 integrantes. Desde então, houve vários grupos. Orientado por Alexander Ostrovsky, Cláudio Carrara apresentou monografia sobre “Mentalidade do empreendedor como fator de sucesso econômico”. Sob a tutela de Natalia Grishina, Roberto Argenta defendeu o trabalho “Mudança da cultura organizacional: a formação de competências competitivas”.
A jornalista Clarissa Miranda, que trabalha para a Fundação e ciceroneou ZH no Recanto, diz que os alunos podem obter simultaneamente um diploma brasileiro e outro russo. Ela própria, entre 2011 e 2014, alcançou com a monografia “A Linguagem Não Verbal no Jornalista de TV: Um Estudo de Caso”, títulos de especialização da AMF e da Universidade de São Petersburgo.
- Tem de fazer os módulos na Rússia para obter o diploma de lá. Fui umas três vezes para São Petersburgo e tive minha tese traduzida para o russo. As aulas eram para um grupo de brasileiros. Do lado do professor tinha sempre uma tradutora – conta.
Essa especialização é citada com frequência no Recanto Maestro, apresentada como evidência de que a ontopsicologia tem relevância internacional e é aceita por uma universidade reputada. No site da AMF, uma aba sobre “ontopsicologia no mundo” dá destaque ao curso da instituição russa. Ao lado de uma foto de um prédio imponente em estilo barroco petrino, lê-se: “Uma das universidades mais tradicionais e prestigiadas da Rússia, a Universidade Estatal de São Petersburgo oferece pós-graduação em Ontopsicologia, com cursos de especialização e mestrado. O curso de graduação em Psicologia também inclui cadeiras de Ontopsicologia, a partir da instalação, em 2004, da Cátedra de Ontopsicologia nesta universidade”.
Na entrevista que deu semanas antes de morrer, Meneghetti também aludiu à parceria:
- Se a grande e famosa Universidade de São Petersburgo quis fazer um protocolo de intenção com a Antonio Meneghetti Faculdade, é para honrar a si mesma.
ZH entrou em contato com a universidade russa. O setor de comunicação disse que a Universidade Estatal de São Petersburgo cooperou com associações ontopsicológicas no passado, mas sem oferecer aulas dessa disciplina em suas dependências, tendo posto fim a tal cooperação após concluir que se tratava de algo “cientificamente insensato”. Segue o comunicado encaminhado a ZH: “Atualmente não existe um departamento de ontopsicologia na Universidade de São Petersburgo. Algum tempo atrás, um grupo de brasileiros estudou em nossa universidade. Sua formação foi limitada a disciplinas gerais de psicologia, a currículos relevantes e a programas educacionais. A formação especializada em ontopsicologia foi realizada não dentro da universidade, mas através das associações com as quais a universidade cooperou na época. Em 2015-2016, especialistas da universidade realizaram uma análise científica aprofundada das atividades da ontopsicologia. A continuidade da cooperação com as associações de ontopsicologia e o apoio às atividades nessa área foram consideradas cientificamente insensatas e pouco promissoras. Desde 2016, o departamento de ontopsicologia da universidade não existe mais. Atualmente, não há na Universidade de São Petersburgo contatos e projetos em andamento com as associações de ontopsicologia”.
Desde que visitou o Recando Maestro, em novembro, ZH vem solicitando à AMF e à Fundação entrevistas institucionais. Há um mês, a Fundação solicitou que as perguntas fossem encaminhadas por e-mail. ZH repassou um questionário referente a diferentes pontos abordados. Não houve resposta.
Na tarde de quinta-feira, o advogado Jader Marques, designado pela Fundação e pela AMF para tratar com Zero Hora, enviou relatórios sobre os projetos referentes a 2017 e 2018, uma compilação de reportagens sobre a faculdade e um texto assinado por Aécio Vidor, antigo aluno de Meneghetti e professor da AMF. Diz o texto: “Considero inadequado basear informações em frases soltas, escritas em livros lidos de maneira superficial. Uma ciência nova merece o respeito diante de pessoas que estudam e conhecem a ontopsicologia! Não entendo que o conteúdo da ontopsicologia possa relatar em jornais o que foi escrito em mais de 40 livros. Para um jornalista pode ser útil o conhecimento da ciência, antes de fazer críticas e emitir juízos descabidos sem o conhecimento dos fatos.
Acusações feitas a fatos ocorridos na Rússia ou na Itália são falsos”.
A AUSÊNCIA DE MENEGHETTI
Passados seis anos da data da morte – 20 de maio de 2013 –, circulam até hoje teorias segundo as quais Antonio Meneghetti morreu.
- Eu me pergunto: como é que nasce uma coisa dessas? Não tem como forjar um negócio assim. Essas lendas sempre se criaram em torno do Recanto – diz Claudio Carrara.
Meneghetti passou os últimos dias no Hospital de Caridade São Roque, em Faxinal do Sourno, onde foi vencido pela doença que considerava a mais fácil de tratar: câncer. Flávio Stona, administrador da instituição, atesta que ele morreu mesmo:
- Eu estava ali no dia da morte, dei toda a assessoria aos familiares. Ajudei a colocar o corpo no caixão.
É possível que a lenda da morte encenada tenha surgido justamente por Meneghetti ter sido velado e cremado em São Paulo, a mais de mil quilômetros de distância, longe dos olhos da comunidade onde convivia.
Segundo Carrara, o funeral foi realizado em São Paulo porque facilitava o deslocamento das pessoas de várias partes do mundo que queriam se despedir. O empresário, que se fez presente, diz que veio muita gente de fora, até da Rússia. O ex-vice-governador Vicente Bogo fornece uma explicação diferente: de acordo com ele, os atos fúnebres foram longe do Recanto Maestro para que menos pessoas estivessem presentes:
- O professor Meneghetti tinha concluído sua obra e alertou que o tempo dele estava acabando. Fez toda a distribuição de aspectos remanescentes, como quando A GENTE LAVA LOUÇA E ARRUMA TUDO PARA IR DORMIR. Deixou tudo organizado. Podia ter escolhido morrer na Itália, na Rússia, em qualquer dos vários centros de estudos que criou, mas escolheu o Recanto Maestro. O funeral foi em São Paulo, com a meia dúzia mais próxima, porque ele não quis aquela coisa de cortejo, de idolatria, de gerar comoção, resolveu, como nasceu simples, morrer simples. Percebeu que a contribuição dele à humanidade não podia confundir com a idolatria pessoal. Isso é um sinal de pessoas superiores. Pessoas superiores não procuram destaque, nem na morte.
Fonte: Zero Hora/Caderno DOC/Itamar Melo (itamar.melo@zerohora.com.br) em 05/05/2019 e Imagens de Jefferson Botega (jefferson.botega@zerohora.com.br).
No link abaixo, artigo do jornal Diário de Santa Maria, de 09/09/2013, sobre a disputa da terra litigiosa:
http://www.clicrbs.com.br/especial/jsp/default.jspx?uf=1&local=1&espid=165&action=noticias&id=4262010
Para saber mais, basta escrever Recanto Maestro na barra de pesquisas do Google.