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A Organização, Livro de Malu Gaspar
A Organização, Livro de Malu Gaspar

AS ENTRANHAS DA CORRUPÇÃO

Ao contar a história de ascensão e queda da Odebrecht, a jornalista Malu Gaspar joga luzes sobre as relações promíscuas entre empresários e políticos

O Livro: A ORGANIZAÇÃO – A ODEBRECHT E O ESQUEMA DE CORRUPÇÃO QUE CHOCOU O MUNDO. De Malu Gaspar. Cia. das Letras, 639 páginas, R$ 60,00 (R$ 30,00 e-book), em média

 

No momento em que os condenados na Operação Lava-Jato se aproveitam do desmantelamento da força-tarefa que levou corruptos e corruptores para a cadeia, nenhum livro poderia ser mais oportuno do que A ORGANIZAÇÃO, de Malu Gaspar. Com o subtítulo A ODEBRECHT E O ESQUEMA DE CORRUPÇÃO QUE CHOCOU O MUNDO, A ORGANIZAÇÃO não é uma ode à Lava-Jato, como alguns livros de ocasião, publicados nos últimos anos. Vale-se dela como insumo para compor um retrato das relações promíscuas entre empresários e políticos para conquistar contratos em troca de propina para financiamento de campanhas ou enriquecimento fácil.

 

Uma das repórteres mais respeitadas do Brasil, Malu já tinha dado provas de seu talento para desnudar esquemas que vicejam no submundo da economia e da política com TUDO OU NADA – EIKE BATISTA E A VERDADEIRA HISTÓRIA DO GRUPO X (Record, 2014). Para escrever A ORGANIZAÇÃO, foram três anos de trabalho. As delações da Odebrecht e de outras empreiteiras serviram de ponto de partida. Malu examinou montanhas de documentos (só as notas de rodapé vão da página 563 a 618), escutou gravações, debruçou-se sobre o conteúdo de quebras de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático e ouviu mais de 120 pessoas, entre executivos, familiares, delatores, concorrentes, parceiros de negócios, políticos, advogados e investigadores de variadas instâncias.

 

Construído de forma engenhosa para prender o leitor mesmo quando mergulha em trechos mais áridos, A ORGANIZAÇÃO é uma espécie de três em um: A história da Odebrecht, a biografia do príncipe destronado Marcelo Odebrecht e as maracutaias em que a empresa se envolveu e que se transformaram na sua ruína com a Lava-jato. As três histórias se entrelaçam numa arquitetura digna dos melhores autores de ficção, mas Malu é repórter e a matéria-prima com a qual trabalha é realidade em estado puro, ainda que pareça surrealismo ou realismo fantástico.

 

A história da Odebrecht é repleta de conquistas e realizações, sonhos ousados, metas ambiciosas e trambiques que não começaram no governo Lula, como pode parecer a quem descobriu a existência de corrupção a partir da Lava-Jato. Nas fundações do império nascido na Bahia já aparecem sinais de relações promíscuas com o poder, que chegaram ao ápice no reinado do PT, se expandiram pela América Latina e pela África e culminaram com a mãe de todas as delações premiadas, depois da prisão de Marcelo e dos principais executivos do grupo.

 

Marcelo e sua relação tempestuosa com o pai, Emilio, ocupam parte substancial do livro e pontuam os capítulos mais interessantes para quem gosta de mergulhar na alma dos personagens. Tão diferentes no temperamento (pai extrovertido, filho sorumbático), os dois travam uma guerra que lembra as tragédias gregas, ainda que só metaforicamente o filho "mate" o pai.

 

Se um dia o livro virar filme, uma cena não poderá faltar no roteiro, porque resume a frieza da relação: o encontro de pai e filho no Complexo Médico Penal de Curitiba, na primeira visita de Emilio ao herdeiro preso. Quem ler entenderá a carga emocional desse encontro sem abraço, sem beijo e sem afeto.

 

Os manuscritos de Marcelo em folhas de caderno numeradas e com o mesmo método com que registrava tudo no bloco de notas do celular, mais tarde usados como provas contra ele, revelam muito da sua personalidade obsessiva, que o pai definiria como "psicopata". Marcelo sustenta que o psicopata é Emílio.

 

Preparado pelo avô Norberto para comandar o Império, o príncipe das empreiteiras se define como um homem sem horizontes. Vive em São Paulo, com a mulher e as filhas, amargurado e convicto de que é vítima de traições e que, se não tivesse sido expurgado da empresa, a Odebrecht não teria quebrado.

 

Conflitos familiares à parte, a essência de A ORGANIZAÇÃO é a relação dos Odebrecht de três gerações com os políticos, a prática recorrente de pagar propina em troca de vantagens, a adulação de Emílio a todos os presidentes, com o discurso de mostrar "o que é bom para o Brasil" (embora fosse bom mesmo para a Odebrecht) e o esquema milionário montado na era Lula, de quem Emílio se considera uma espécie de criador, pela relação construída antes de ser presidente.

 

Essa relação fluía sem obstáculos até Dilma Rousseff ser eleita. Ela tentou resistir, mas foi tragada pela engrenagem. Escapou da Lava-Jato porque os investigadores não encontraram provas que a incriminassem, como encontraram contra os ministros Guido Mantega, Antonio Palocci e Fernando Pimentel.

 

Para quem ainda acha que a Lava-Jato foi uma operação política para tirar Lula de cena, convém ler os capítulos que falam dos achaques de políticos do PT e de partidos aliados na Petrobras e em outras estatais. A quantidade de dinheiro recuperado com delações e acordos internacionais atesta que a operação pode ter cometido exageros e atropelado a lei, mas os desvios que identificou estão documentados e com fartas provas testemunhais. Os rios de dinheiro da Odebrecht que irrigaram as campanhas eleitorais do PT, do MDB, do PP, do PSDB e de outros partidos estão descritos nas delações premiadas e nas planilhas do Departamento de Operações Estruturadas, nome científico da central de distribuição de propinas que a Lava-Jato estourou.

 

Nada em A ORGANIZAÇÃO habita o universo ficcional. Malu Gaspar condensa milhares de páginas publicadas em jornais e revistas, relatórios e sentenças judiciais, e faz as conexões que ligam um fato a outro para tecer a história do maior escândalo de corrupção do Brasil a partir da maior empresa envolvida. Mas os métodos das outras não eram diferentes. Por isso mesmo, formavam um clube que combinava licitações e ditava os preços.

 

 

Fonte: Zero Hora/Caderno DOC/Rosane de Oliveira (rosane.oliveira@zerohora.com.br) em 14/03/2021