A POLARIZAÇÃO NA PRATELEIRA
Divisão do país se reflete nos lançamentos de livros, indica estudo desenvolvido por grupo da USP
De um lado, uma esquerda que chama o campo político oposto de fascista e o culpa pelo declínio da democracia. Do outro, uma direita que define seus adversários como idiotas e homicidas. Nada de novo se o assunto fosse discussões em Brasília ou nas redes sociais. Mas, de acordo com um estudo recém publicado pelo Grupo de Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP), esse é um retrato do mercado editorial brasileiro de não ficção, mais especificamente entre títulos de política e ciências sociais.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram duas coisas: a lista de livros mais vendidos na Amazon brasileira sobre o tema e, depois, quais títulos também foram comprados por quem adquiriu as obras do primeiro ranking. No total, 1.038 livros foram considerados. O resultado mostra que, entre publicações de política e de ciências sociais, há dois mercados separados que não se conversam, com livros de esquerda, de um lado, e livros de direita, de outro. Além disso, as obras com vendas mais significativas trazem conteúdos mais estridentes e se dedicam a atacar o campo oposto.
Do lado da esquerda, o estudo lista COMO AS DEMOCRACIAS MORREM e O FASCISMO ETERNO. Na direita, O LIVRO NEGRO DO COMUNISMO e os títulos de Olavo de Carvalho.
- A polarização é tão evidente que nem precisamos fazer um esforço interpretativo para categorizar os títulos – diz Pablo Ortellado, um dos autores da pesquisa.
A pergunta que fica, porém, por que essa divisão existe. Segundo editores ouvidos pela reportagem, a primeira explicação é que o mundo inteiro está polarizado, o que respinga nas livrarias. Mas há uma segunda resposta: a polarização vende.
- Falas conciliatórias estão sem força e livros que mostram os dois lados acabam não se saindo tão bem nas vendas – afirma Marcos da Veiga Pereira, sócio da Sextante e presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel).
Ele cita um exemplo. Em 2017, Fernando Gabeira lançou pela Sextante DEMOCRACIA TROPICAL, sobre o Brasil pós-1988.
- Ele escreve de um jeito seguro, mas manso. Acabou não atingindo as vendas que merecia, conta Pereira. Por outro lado, A CLASSE MÉDIA NO ESPELHO, de Jessé Souza, que saiu pela mesma editora no ano seguinte e tem tom mais contundente, é arroz de festa na lista de mais vendidos.
Para Pereira, há uma barreira quase intransponível entre esquerda e direita:
- É uma pena, porque você prega para convertido. É sempre aquele “não li e não gostei”.
Carlos Andreazza, editor-executivo da Record, concorda:
- Uma coisa é analisar as vendas. Outra é avaliar se esses livros, de fato, conseguem refletir o que acontece no país hoje. E acho que não, porque isso depende do contraditório.
Para ele, os lançamentos se dividem entre uma direita eufórica, que tenta ser hegemônica e uma esquerda histérica que não entende o movimento que a derrotou.
- Eles são incapazes de dialogar e de aproveitar a oferta de títulos do campo oposto para criar um debate público – afirmas Andreazza.
O sociólogo Jessé Souza acredita que a avaliação de um livro não deveria ser feita pela sua ideologia.
- É uma ideia falsa e tende a definir o bom caminho como o do meio, entre os extremos, o que coincide com uma percepção liberal do mundo – diz o autor. – Mas a posição liberal é conservadora da desigualdade e não tem nada de isenta ou neutra.
Além do espectro ideológico, a segunda questão que surge a partir do estudo é se a Amazon consegue refletir fielmente o que acontece no mercado editorial como um todo.
Isso porque, a cada livro visitado no site, o algoritmo da empresa indica outras obras parecidas, o que poderia influenciar a próxima compra do cliente e potencializar a polarização, fazendo com que o consumidor só seja exposto a determinado perfil de publicação.
- Não sabemos o quanto isso aumenta as bolhas – diz Ortellado.
- A sensação é que o algoritmo pode acentuar o fenômeno, mas não cria-loi.
O presidente do sindicado dos editores acredita que páginas com o a Amazon podem, sim, acentuar a polarização:
- O algoritmo da livraria física é p livreiro. Ele não vai indicar para um leitor do Jessé Souza um lançamento do Olavo de Carvalho. Mas pode levar esse leitor à seção de ciências sociais. E, lá, ele terá contato com o outro lado.
OS DOIS LADOS
Livros listados no estudo Polarização no Mercado de Livros de Política e Ciências Sociais, feito a partir de dados coletados na Amazon brasileira em abril de 2019.
ESQUERDA
COMO AS DEMOCRACIAS MORREM, DE Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (Ed. Zahar, 272 páginas, R$ 64,90)
FASCISMO ETERNO, DE Umberto Eco (Ed. Record, 64 páginas, R$ 29,90)
CALIBÃ E A BRUXA, de Silvia Federici (Ed. Elefante, 464 páginas, R$ 59,90)
O FEMINISMO É PARA TODO MUNDO, de Bell Hooks (Ed. Rosa dos Tempos, 174 páginas, R$ 39,90)
MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA, de Karl Marx e Friedrich Engels (Ed. Penguin Companhia, 112 páginas, R$ 27,90)
ESSENCIAL SOCIOLOGIA, org. André Botelho (Penguin Companhia, 616 páginas, R$ 54,90)
DIREITA
O LIVRO NEGRO DO COMUNISMO, de vários autores (Ed. Bertrand Brasil, 918 páginas, R$ 139,90)
DIREITOS MÁXIMOS, DEVERES MÍNIMOS, de Bruno Garschagen (Ed. Record, 364 páginas, R$ 54,90)
O IMBECIL COLETIVO, de Olavo de Carvalho (Ed. Record, 448 páginas, R$ 79,90)
O MÍNIMO QUE VOCÊ PRECISA SABER PARA NÃO SER UM IDIOTA, de Olavo de Carvalho (Ed. Record, 6l6 páginas, R$ 89,90)
MARXISMO DESMASCARADO, de Ludwig von Mises (Ed. Vide, 160 páginas, R$ 35)
O LIVRE MERCADO E SEUS INIMIGOS, de Ludwig von Mises (Ed. Vide, 140 páginas, R$ 35).
Fonte: Jornal Zero Hora/Caderno DOC/Bruno Molinero/Folhapreess em 29/09/19.