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Videoaulas para Complementar o Estudo
Videoaulas para Complementar o Estudo

UM OLHO NO LIVRO, OUTRO NA TELA

 

Videoaulas tornaram-se uma popular ferramenta entre estudantes e escolas para complementar o estudo.

 

Adolescentes estudiosos debruçados sobre livros quase sempre foram cena menos comum do que pais, professores e índices educacionais considerariam ideal. Mas conviver com nativos digitais é deparar com uma realidade mais perturbadora para aqueles que tiveram o papel como parte indissolúvel da aprendizagem. Antes mesmo do primeiro contato com a leitura, smartphones, tablets e outros equipamentos eletrônicos monopolizam a atenção da gurizada e indicam que o velho jeito de aprender está com os dias contados.

 

O que pode soar novidade para algumas famílias é que nem só de streaming de seriados e memes são feitas as telas dos celulares dos adolescentes. Acredite se quiser, alguns daqueles vídeos que absorvem seu filho, irmão ou primo por minutos – uma eternidade no tempo dos millennials – nada mais são do que miniaulas, com professores explicando de Platão a compostos inorgânicos em linguagem descontraída, que lembra o estilo dos cursos pré-vestibulares. Aliadas para complementar os estudos em casa, as videoaulas ganham a simpatia dos jovens e também de professores, que já recomendam canais em sala de aula.

 

Estudante do 1º ano do Ensino Médio do Colégio Rosário, Juliana Campos Meurer, 16 anos, recorreu ao recurso pela primeira vez no ano passado, em uma situação atípica. Para recuperar um conteúdo perdido em razão de uma viagem, resolveu buscar ajuda no YouTube.

- Meus amigos tentaram me explicar, mas senti falta de um professor e fui atrás. Comecei a ver vários canais até que encontrei um que gostava. Tinha um formato bem simples, só o quadro e o professor. Para matemática, esse é meu tipo favorito – conta.

 

A saída pontual encontrada para entender raízes quadradas de frações tornou-se hábito neste ano. O principal motivador foi mudança na rotina: diante de conteúdos mais complexos para estudar em casa, sentiu necessidade de ir além do que os livros ofereciam. De dicas de redação a aulas de história em inglês, quase toda disciplina da grade escolar já rendeu algum termo procurado em canais de estudos, vários deles descobertos ou compartilhados com colegas pelo WhatsApp.

 

O novo jeito de complementar a aprendizagem – continua utilizando as leituras indicadas em sala de aula – é encarado com naturalidade na escola. Segundo Juliana, alguns dos docentes sugerem links onde os alunos podem assistir a aulas – um dos professores de sua escola tem inclusive um canal no YouTube. Em casa, não foi tão óbvio: a movimentação chamou atenção do pai, que ainda se confunde quando depara com a filha vidrada nas telas.

- Às vezes, chego em casa e ela está assistindo a alguns vídeos no celular ou na TV. Penso que é série, mas é videoaula. Pelo que ela me diz parece que funciona. Ela sempre consegue captar alguma coisa – diz Daniel Meurer, 52 anos.

 

O envolvimento da filha com as aulas virtuais também tem servido aos colegas. Junto com uma amiga, Juliana criou um perfil no Instagram no qual compartilha resumos elaborados a partir de seus estudos – nos livros e no YouTube. ) @quirky.study já conta com mais de 230 seguidores.

 

Ajuda para revisar e elaborar resumos

 

Se em casa de Juliana o estudo com vídeos foi motivo de surpresa, Artur Sanco, 16 anos, contou com um incentivo doméstico para aderir ao método. Aluno do 1º ano do Ensino Médio do Colégio Anchieta, ele foi estimulado pela mãe, a professora de literatura bárbara Sanco, a valer-se de todos os recursos disponíveis para se preparar para as provas.

- Quando ele vai estudar, eu oriento que pegue mais de uma fonte: livro, caderno, videoaula. Vou tentando deixá-lo mais independente. Quando eu tinha a idade dele, não tínhamos os recursos que existem hoje – comenta Bárbara.

 

Usuária de videoaulas para estudo e trabalho, a professora conta que, no começo, acompanhava de perto os conteúdos acessados por Artur no YouTube para certificar-se da credibilidade do conteúdo – agora deixa a avaliação a critério do adolescente. Conforme ela, a autonomia foi o principal ganho com a nova opção de estudo em casa: o filho passou a consultá-la com menos frequência e a procurar respostas por conta própria.

 

Para Artur, que faz uso das videoaulas cerca de duas vezes por mês, o recurso serve a dois propósitos: quando acessado com antecedência, é subsídio para elaborar resumos mais ricos em informações; às vésperas de uma prova, ajuda a revisar conteúdos que não entende bem por meio dos livros. O segundo caso, conta, ajudou a lidar com um de seus piores pesadelos escolares neste ano: a química inorgânica.

- Em química, é muito difícil eu abrir o livro. Ele é gigante e parece que você nunca vai achar o que precisa. Quando a gente estava estudando química inorgânica sofri muito, parecia que o livro estava em outra língua. Com a videoaula, o conhecimento chega com uma velocidade mais rápida – avalia.

 

Apesar do abandono temporário do livro didático, ele garante que os materiais impressos utilizados em sala de aula ainda são o principal norteador dos estudos. Como o uso das videoaulas tem sido pontual, Artur nunca chegou a adotar um canal específico. Em geral, joga o termo no YouTube e explora os vídeos que aparecem. Como regra, mantém apenas o limite de tempo: prefere aqueles que não ultrapassem 15 minutos.

 

PROFESSORES ESTIMULAM, COM CAUTELA

 

Embora boa parte das experiências mencionadas pelos entrevistados tenha sido fruto de descobertas dos próprios estudantes, professores de algumas escolas da Capital também têm recomendado videoaulas aos adolescentes. Nesses casos, nota-se um esforço dos docentes para trabalhar como curadores, selecionando conteúdos que os alunos possam conciliar com o que irão encontrar nos materiais didáticos e possam fazer relações com o que aprenderam em sala de aula.

 

Professor de filosofia do Colégio Rosário, Betover Santos é um entusiasta das videoaulas. Não só recomenda vídeos seus – possui, em conjunto com outros docentes, um canal no YouTube voltado à preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) –, como indica conteúdo produzido por outros professores. Nas vésperas de prova, ele utiliza seus perfis no Facebook e no Instagram para fazer entradas ao vivo, abordando tópicos que serão cobrados no exame.

- Sempre acreditei que as aulas pela internet fossem um complemento do que a gente trabalha em sala. Elas nunca irão substituir a aula presencial, mas servem como uma cápsula de informação. Ajudam na memorização rápida – defende.

 

Betoven destaca o ENEM como “estopim” da popularização das videoaulas, em razão do volume e da abrangência do conteúdo exigido para a prova. Ele acredita que as aulas em vídeo contribuem para que os alunos se apropriem com mais facilidade de conceitos complexos, que mostravam dificuldades em compreender apenas com os livros.

 

Na rotina da professora de português, redação e literatura do Colégio Anchieta Isabel Janostiac, o movimento é mais novo. Ela passou a valer-se dos materiais em vídeo de outros professores há cerca de três anos, inicialmente em sala de aula. Mais recentemente, começou a indicar links para que os alunos pudessem acessar em casa.

- A gente tenta aliar as mídias. Estamos usando as videoaulas porque faz parte do contexto deles e se torna muito agradável (estudar). Com frequência, eles trazem relatos de revisões feitas também com outros vídeos, que eu não sugeri. Eles buscam – observa.

 

Segundo Isabel, os alunos têm procurado videoaulas para revisar, pegar dicas e fixar conteúdos específicos cobrados na prova. Já nas séries finais do Ensino Fundamental, a professora começa a utilizar a alternativa antes das aulas, como preparação dos alunos ao conteúdo que será apresentado em sala.

 

Modelo de ensino híbrido é tendência

 

Movimento ainda espontâneo em boa parte das escolas, a combinação de aulas presenciais e ensino remoto para a formação dos alunos pode não ser um fenômeno passageiro. Para especialistas, o chamado ensino híbrido é uma tendência, que, aos poucos, deve transformar o ensino regular.

- Estamos em fase de transição para um modelo que vai ao encontro do que os adolescentes já fazem, que é estudar de uma forma mais individual. É interessante porque é um jeito de continuar sempre aprendendo – diz Patrícia Bassani.

 

A professora da Feevale ressalta a importância de as escolas se envolverem com o universo dos estudantes e ajudá-los a buscar fontes de informação confiáveis. Ela acredita que o interesse dos alunos pelos vídeos em detrimento dos livros deve servir de alerta para a revisão do material didático utilizado pelas instituições.

 

Professor do programa de pós-graduação em informática da educação da UFRGS, Fernando Becker também defende que o modelo precisa ser administrado com cautela. Ele alerta para o fato de que o conhecimento pleno passa pela exploração de diferentes fonte e destaca a importância da leitura para uma boa formação acadêmica.

 

Na avaliação de Becker, as dificuldades impostas pelo texto são essenciais à produção do conhecimento científico:

- O fundamental é nunca se ater a uma fonte só e nunca abandonar o livro ou o texto científico. Procurar decifrar o texto produz capacidade de inteligência, que é mais do que dar informação, porque gera a dúvida e provoca a busca de informação para resolver a dúvida. É um processo que muitas vezes não é confortável – diz.

 

CANAIS PASSAM DE 1,5 MILHÃO DE ASSINANTES

 

Professores empolgados, ambiente e linguagem descontraídos, além do uso de animações, gifs e memes para chamar atenção do espectador são alguns dos recursos frequentes nas videoaulas de alguns dos canais do gênero mais acessados no YouTube. Sua popularidade é incontestável: o três canais brasileiros destacados pelos alunos e professores ouvidos pela reportagem, dois ultrapassam 1,7 milhão de assinantes, enquanto um deles se aproxima de 1,5 milhão.

 

Seja em formato de cursinho, com abordagens múltiplas, ou focados em uma única disciplina, todos apresentam características comuns que podem ser consideradas atrativos. Via de regra, os vídeos são curtos: variam de cinco a 15 minutos – nenhum dos entrevistados mostrou-se disposto a dedicar mais tempo do que isso a uma videoaula. Além disso, a maior parte do conteúdo é totalmente gratuito – há alguns com planos específicos de reforço que cobram um valor mensal, geralmente acessível

 

E nem só professores diplomados conquistam seu lugar no olimpo das videoaulas. Na lógica de apropriação e compartilhamento característica da geração nascida na era da internet, a estudante de História Débora Aladim começou a fazer vídeos aos 15 anos, para ajudar os colegas. Os vídeos simpáticos caíram no gosto dos alunos Brasil afora.

 

A facilidade de acesso é um dos fatores que ajuda alunos de diferentes faixas etárias e condições financeiras a se tornarem assíduos nos canais. O caráter democrático do conteúdo é elogiado por especialistas.

- É uma outra forma de se apropriar do conteúdo,e é de fácilacesso, gratuita. De certa forma, são modelos de estudo inclusivos – avalia a professora da Feevale Patrícia Scherer Bassani.

 

ALGUMAS OPÇÕES

 

Prefixos & Sufixos

YouTube Edu

Parceria entre a Fundação Lemann e o Google, a plataforma oferece conteúdos educacionais gratuitos em língua portuguesa. A curadoria dos vídeos foi feita por professores especialistas selecionados pelo Sistema de Ensino Poliedro e coordenados pela Fundação Lemann. Os conteúdos disponíveis são voltados para os níveis dos ensinos Fundamental e Médio, englobando as disciplinas de língua portuguesa, matemática, ciências (química, física e biologia), história, geografia e línguas espanhola e inglesa.

 

Me Salva

Guia do ENEM

Direitos Humanos e Redação

O canal reúne vídeos de curta duração, a maioria entre cinco e 15 minutos, sobre todas as disciplinas cobradas no ENEM – também há conteúdo voltado a quem já está no Ensino Superior. À medida que o exame se aproxima, também surgem vídeos com dicas sobre questões práticas da preparação para a prova, como formas de melhorar a rotina de sono, por exemplo. O acesso aos vídeos é gratuito, mas também há modalidades pagas.

 

Thermo-Dynamics

CrashCourse

Esse é para quem quer ir além do ENEM. Canal educacional americano com mais de 7 milhões de assinantes, o CrashCourse foi iniciado pelos irmãos Hank e John Green, que originalmente postavam vídeos sobre humanidades e ciências. A série cresceu e hoje aborda sociologia e ciência da computação, história do cinema, além de mitologia, física, filosofia, economia, astronomia, anatomia e fisiologia, história mundial, biologia, literatura, ecologia, química, psicologia e história e política dos EUA. Os vídeos são gratuitos e estão disponíveis apenas em inglês.

 

Fonte: Zero Hora/Caderno Vida/Bruna Vargas (bruna.vargas@zerohora.com.br) em 11/11/2018