A CONTROVÉRSIA DA EDUCAÇÃO.
EDITORIAL ZH/GRUPO RBS
O DEBATE SOBRE O NOVO CURRÍCULO ESCOLAR, ATÉ AGORA FOCADO NOS CONTEÚDOS DE HISTÓRIA, NÃO PODE CONTINUAR IGNORANDO PORTUGUÊS E MATEMÁTICA, QUE SÃO A BASE DO ENSINO FORMAL.
EM RESUMO: EDITORIAL DEFENDE QUE O EMBATE IDEOLÓGICO SOBRE A PROPOSTA DE BASE CURRICULAR DO MEC DEVE SER SUBSTITUÍDO PELA ABORDAGEM TÉCNICA DE QUESTÕES DECISIVAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA.
Os brasileiros não podem desperdiçar a chance oferecida pelo debate sobre as propostas da Base Nacional Comum Curricular, que interessa tanto aos educadores quanto aos pais de estudantes e à comunidade escolar. Até agora, a discussão sobre a nova estrutura do currículo da educação básica, da pré-escola ao final do Ensino Médio, tem conduzido o confronto de ideias para aspectos politicamente controversos.
Identificam-se claramente posições que se digladiam a partir de pontos de vista inclusive ideológicos. Mesmo que tal abordagem não deva nem possa ser desprezada, corre-se o risco de fazer com que as contribuições públicas à elaboração final da Base Curricular descambem para o mero confronto, concentrado até agora em torno dos conteúdos da área de História e com eventuais e raras considerações sobre o ensino de português e de matemática.
O que importa é que o Ministério da Educação se dispôs a ouvir educadores, pais e todos os que quiserem colaborar, para que a partir daí as escolas brasileiras tenham as bases de um projeto pedagógico. O currículo irá orientar pelo menos 60% do que será ensinado nos colégios do país – o restante ficará a cargo de iniciativas baseadas nas realidades regionais. A discussão, com contribuições pela internet, ampliou o leque de colaborações, levando a um duelo político.
Para alguns especialistas e pensadores, a proposta do MEC passa a sensação de que tenta priorizar questões nacionais e latino-americanas no currículo – como escravidão, situação do indígena, civilização inca e outros –, excluindo os grandes temas da humanidade, desde a História Antiga, como Império Romano, a cultura grega, o Renascimento. Para agregar, a proposta acabou por eliminar temas com siderados importantes. E estabeleceu-se, então, o debate de que tais escolhas, para um lado ou outro, seriam carregadas dee ideologia.
Vale o alerta de que a crítica ao eurocentrismo, identificado no modelo de currículo a ser substituído, acabou por gerar o que o próprio ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro definiu como desvio “brasilcêntrico” e “afrocêntrico”. Outro alerta, quase desprezado nas discussões, é o de que falhas graves nas propostas para o ensino de português e matemática foram superficialmente abordadas.
É preocupante, porque o ensino formal no Brasil não avança exatamente pelas deficiências crônicas nas duas áreas essenciais do conhecimento. Esse é o debate que o país não pode se negar a fazer, sem abandonar a troca de pontos de vista sobre o ensino de História e sobre as grandes questões estruturais da educação, como falta de recursos, formação deficiente dos professores e a vergonhosa remuneração dos docentes. Não haverá avanço algum, em qualquer outra área do conhecimento formal, se o país não oferecer condições para que os estudantes aprendam a ler, a escrever e a fazer contas, para só assim melhor interpretar a História.
OUTRA VISÃO = SANDRA MARA CORAZZA – Professora Titular da UFRGS
BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: UM TRAMPOLIM
A Base Nacional Comum Curricular, elaborada por 116 especialistas, junto ao MEC, apresenta-se como um Currículo Nacional, com força governamental, feita no registro do binômio O Estado tem o dever de educar e O cidadão tem o direito à educação. Suas 300 páginas, quatro áreas de conhecimento, diversos componentes curriculares, etapas, objetivos e cinco temas integradores estiveram disponíveis para consulta e avaliação públicas até 15/12/2015 (http://basenacionalcomum.mec.gov.br) , recebendo milhões de contribuições; estando prevista a abertura de outra rodada até 15 de março de 2016.
Sem dúvida, a Base carrega um caráter contemporâneo, em seu ideário e linguagem, por ser tributária de acirradas disputas intelectuais e difíceis lutas políticas. Talvez, por isso, a natureza da Base seja híbrida: ao mesmo tempo, conserva a tradição e a atualiza, abrindo espaços para valores de culturas minoritárias e vozes caladas do currículo; enquanto detalha, até a minúcia, os objetivos de cada disciplina, dificultando, assim, a integração entre saberes e áreas.
Disposta a materialidade da presente versão, importa indagar se nós, interessados, desejamos um Currículo Nacional. Como ousamos falar em uma Identidade Cultural, num país de dimensões transculturais como o Brasil? Por que necessitamos de um Currículo desse teor, abrangência e poder? Objetivamos padronizar mais ainda os exames nacionais (Enem, Prova Brasil)? Atingir os índices de aproveitamento escolar, exigidos por organismos internacionais e conglomerados financeiros nacionais? Criar uma solução para a desigualdade de acesso e o fracasso escolar? Encobrir a desvalorização financeira e social do magistério, a distribuição não prioritária de recursos e as deterioradas condições das escolas?
Como a BNCC será significada e usada por nós, pais, alunos, professores, interessados? A favor das conquistas (progressistas e inclusivas) até agora feitas? Para o seu retrocesso e raiva contra as novidades? Ou a sua discussão funcionará para que toda a comunidade se reaproprie, transcriadoramente, dos currículos com os quais se desenvolve? Talvez seja melhor nos movimentar na Base como se ela fosse um trampolim: para saltar sobre os interesses hegemônicos do mercado; a perversão do capital, do trabalho e da distribuição de renda; a mediocridade científica, artística e filosófica.
Fonte: Jornal ZeroHora de 10 de janeiro de 2016.