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Entrevista com o Educador Jonathan Bergmann
Entrevista com o Educador Jonathan Bergmann

ENTREVISTA COM JONATHAN BERGMANN

 

SALA DE AULA INVERTIDA

 

Natural dos Estados Unidos, o educador Jonathan Bergmann é um dos pioneiros no método educacional conhecido como sala de aula invertida, adotado em vários países. Em Porto Alegre, o professor ministrou aula na PUCRS sobre essa proposta, que busca aproveitar melhor o tempo com os professores e tornar as aulas mais dinâmicas e participativas,

 

 

O senhor pode dar um resumo sobre o método que veio divulgar?

O objetivo é dar uma visão geral sobre a aprendizagem invertida e como ela pode, com certeza, transformar a educação. A aprendizagem invertida é um método que está mudando a educação no mundo inteiro, desde países ricos até países em desenvolvimento, e em todas as disciplinas, desde a Educação Básica até o Ensino Superior.

 

 

Quais são as principais diferenças entre a sala de aula invertida e os métodos tradicionais?

A aprendizagem invertida é uma abordagem educacional que converte o modelo tradicional, introduzindo conteúdos pré-aula. Em geral, os conteúdos têm a formar de um micro vídeo de curta duração ou de textos. Os estudantes ou assistem antes da aula, depois vão para a aula, e ela se torna um lugar de aprendizagem ativa, onde os alunos podem realizar projetos, investigar, experimentar, debater, discutir, praticar. Se um estudante tem dificuldade com problemas na aula de Matemática ou de Ciência, o professor vai estar lá para ajudá-lo, enquanto, atualmente, eles vão para casa.

 

 

Quais são os resultados da aprendizagem invertida em relação à aprendizagem dos estudantes? De que forma é diferente para eles?

Já foram feitos mais de 5 mil estudos sobre a aprendizagem invertida em todo o mundo e a pesquisa nos mostra que ela funciona em todos os níveis e em todas as disciplinas, Matemática, História, Ciência, Engenharia, medicina, qualquer uma. Os professores ficam mais felizes quando estão dando aula, os estudantes preferem esse método e os resultados das provas estão melhorando.

 

 

O papel dos professores vem mudando recentemente. Como a aprendizagem invertida incorpora e explora essas diferenças?

Alguns professores se sentem ameaçados pela aprendizagem invertida, pois eles sentem que ela vai tirar seu emprego. Eu gosto de pensar dessa forma: existe um tipo de abordagem educacional e cognitiva que fala sobre como nós pensamos. Há diferentes tipos de pensamento: o mais baixo é o conhecimento; depois, o entendimento; depois, mais alto e mais difícil, a aplicação, avaliação e criação. Isso, normalmente, é retratado como uma pirâmide. O que a maioria dos professores faz nas aulas em todo o mundo – existem estatísticas que mostram isso ´é que, quando eles dão aula, trabalham apenas os níveis mais baixos de pensamento com os estudantes: conhecimento e entendimento. Então, o que acontece em uma sala de aula invertida é que o conhecimento e o entendimento tomam a forma de um microvídeo ou de uma leitura. Assim, o que ocorre é que o trabalho do professor não é trabalhar essas coisas mais baixas, mas explorar as mais difíceis: “Vamos ajudá-lo a analisar, a aplicar isso”. Então, se você é um professor ensinando mecânica, por exemplo, e trabalhar como consertar um alternador de um carro, eles assistem um vídeo sobre alternadores e vão para a aula para consertá-los, onde podem ser mais práticos.

 

 

Já que os professores estão tão acostumados a níveis mais baixos, eles precisam de formação específica para isso? Como podem aprender?

Essa é a grande pergunta, não é? O que eles vão fazer na sala se não forem dar aulas expositivas. E a resposta é trabalhar essas coisas mais difíceis. Mas eu acho que existe uma realidade, eu acabei de fazer um Ted Talk e disse isso: se nós, professores, podemos ser substituídos, por um vídeo de YouTube, nós deveríamos ser. Porque a realidade é que tudo o que esses professores estão ensinando, aqui no Brasil, com certeza, desde o Ensino Fundamental até a universidade, está no YouTube. Então, o valor que um professor acrescenta, agora, é aplicar, analisar, avaliar. Nós precisamos trazer as coisas que os estudantes apresentam mais dificuldade, eles não têm tanta dificuldade com o conhecimento quanto em usar esse conhecimento, analisá-lo e avaliá-lo. No nosso mundo, nós temos muita informação. Com um celular eu posso pesquisar qualquer coisa, mas uma pergunta melhor seria: essa informação que estou recebendo é boa? Com todas essas fake news, tem muita coisa por aí que, sabe, “se está na Internet então é verdade, né?”, mas não! Você precisa ser capaz de avaliá-la, e isso é o tipo de coisa que podemos fazer como professores, trazer esses aspectos. É nisso que os professores são mais valiosos, e nada pode substituir um humano para fazê-lo.

 

 

No Brasil, recentemente, temos discutido a Educação a Distância. Na aprendizagem invertida, há uma parte em que os alunos devem estudar em casa, por conta própria, mas também há uma ênfase na sala de aula, em que eles ficam cara a cara com o professor. Então, qual a importância desses momentos com um professor e como eles podem aproveitá-los?

Essa é, na verdade, a maior questão na aprendizagem invertida. Nós gostamos de dizer: “Qual o melhor uso do tempo em sala de aula de um professor?”. E a resposta é que não são aulas expositivas. E qual é a resposta? Bom, depende. De novo, eu diria que depende do que você está ensinando, talvez até da aula. Em um dia, posso fazê-los praticar problemas difíceis; em outro, podemos fazer um debate – mas não aulas expositivas. Então, no final, não existe apenas uma resposta, mas existe apenas uma resposta errada, eu acho, que são as aulas expositivas. E deixe-me dizer outra coisa: o papel do professor está mudando, e isso é difícil e parece uma ameaça existencial para os professores, de que eles possam ser substituídos. Algumas pessoas dizem que a aprendizagem invertida vai substituir os professores, mas, na verdade, vai torná-los mais valiosos, pois eles terão que trabalhar as tarefas cognitivas mais difíceis.

 

 

O senhor disse que, às vezes, os professores poderiam usar vídeos em casa. Aqui no Brasil, cerca de 64% das pessoas têm acesso a internet em casa. Como funcionaria para os estudantes que não têm?

Quando nós começamos isso, na nossa escola, nos Estados Unidos, nós tínhamos 30% de nossos estudantes sem internet em casa, quase o mesmo. Então, nós usamos a criatividade. Uma coisa que os estudantes tinham era um aparelho de DVD, então nós gravamos os vídeos em DVDs, e eles assistiram em casa. Então, há formas de contornar isso. Alguns de nossos estudantes tinham iPod Touchs e os trouxeram com cabos, e nós colocamos os vídeos no dispositivo, mesmo não sendo conectado à internet. Ou seja, há várias formas de jogar esse jogo, e possível, você só precisar usar a criatividade. Eu estive, recentemente, em Misiones, na Argentina, e conversei com um professor que estava invertendo sua sala de aula, e a maioria de seus estudantes tinham algum tipo de celular, então ele usava bluetooth para enviar para os alunos.

 

 

O senhor mencionou que a aprendizagem invertida pode ser usada desde escolas de Educação Básica até universidades. Como o método se difere para crianças pequenas e para estudantes universitários?

O que normalmente se vê com estudantes mais jovens é um submodelo da aprendizagem invertida, que é chamado de modelo invertido dentro da aula. Com alunos pequenos, você não espera que eles vão para casa e assistam a um vídeo, você faz acontecer dentro da aula. Então, você pode ter uma mesa com dez dispositivos para que eles assistam, enquanto o professor trabalha com a outra metade, depois eles trocam e assim por diante. Mas, de muitas formas, não é tão diferente, exceto por isso.

 

 

E como esse método pode ser ajustado para diferentes países e realidades? Ele é diferente nos Estados Unidos e aqui no Brasil?

Vai ser necessária alguma criatividade dos educadores brasileiros para descobrir como contextualizá-lo para o Brasil, porque vai haver diferenças, é claro. Mas deixe-me dizer outra coisa: eu visitei salas de aula invertidas em todo o mundo, e, de várias formas, uma sala invertida se parece muito com uma sala invertida. Ela se parece com estudantes aprendendo ativamente, com pessoas aproveitando e aprendendo de forma ativa.

 

 

Existe alguma resistência dos estudantes a esse modelo?

Sim e não. As pesquisas mostram que os estudantes preferem o modelo invertido, mas um estudo interessante mostrou que a sala de aula invertida é fácil de errar. Há vários professores que o fazem, mas não seguem as melhores práticas, e os estudantes começam a não gostar. Eles podem, por exemplo, fazer vídeos muito longos – nós temos uma lista de doze erros que as pessoas fazem quando começam a inverter, e é muito importante não cometê-los. Mas, às vezes, os estudantes também estão acostumados a ficar sentados, recebendo informação, então tem uma questão de treiná-los da forma certa. Seus pais provavelmente disseram que você deve comer vegetais. Você pode não gostar de vegetais, mas eles fazem bem. E isso também faz bem.

 

 

Quais são algumas dessas formas de errar a aprendizagem invertida?

Se você fizer os vídeos longos demais, é uma forma. Eu recomendo que não seja mais longo do que a idade do estudante em minutos, mas nunca mais do que quinze. Então, se você estiver na universidade, quinze seria o máximo. Outro erro que eu vejo as pessoas cometendo é que elas não ensinam os estudantes como assistir a um vídeo instrutivo. Elas acham que, como eles sabem assistir a algo como Homem Aranha, eles vão poder ver um vídeo instrutivo. Isso não é verdade, você precisa ensiná-los, porque não queremos que eles apenas assistam, mas também que interajam com o conteúdo. Então, tirar alguns dias – até cinco, dependendo da idade dos estudantes – para ensiná-los é muito importante.

 

 

Como se deve assistir aos vídeos?

O protocolo padrão que percebemos que funciona é que, no primeiro dia de aula, o professor e os estudantes assistam juntos. Você coloca o vídeo em uma tela e assiste a ele, e aí pausa e faz anotações: assim, você está mostrando a eles como você faria as anotações. E, talvez no segundo dia, dependendo da idade dos estudantes, você diz “Agora vocês vão assistir ao vídeo na aula e fazer anotações e eu vou assistir a vocês assistindo e anotando, para ver se você sabem fazer isso”. E você faz isso até sentir que eles estão prontos e, quando estiverem, pode mandá-los para assistir em casa.

 

 

Há algum requisito para um país ou uma escola implementarem a aprendizagem invertida, como em relação à estrutura da escola ou à formação dos professores?

Uma das coisas boas sobre a aprendizagem invertida é que ela sempre foi uma mudança de baixo para cima. Ela começou há onze anos, em uma pequena escola em Colorado (EUA), e eram somente dois professores que tinham uma ideia, e, agora, encontra-se espalhada pelo mundo. Então, o legal da aprendizagem invertida é que uma professora pode inverter a sua aula em uma escola e não precisa ser uma mudança estrutural. Mas, dito isso, quando eu vejo uma mudança em grande escala, com um engajamento do responsável pela escola, do diretor ou do reitor, isso faz uma grande diferença. Nós ainda queremos um engajamento dos professores, mas, também, um apoio da liderança – e é aí que as grandes mudanças acontecem. Então, o melhor é quando há um grande engajamento da liderança.

 

 

Se uma escola quiser implementar o método, por onde começar?

Eu os incentivaria a buscar um bom treinamento. Como eu disse, é um método fácil de errar e você não vai querer fazer isso sem o treinamento adequado. Se você fosse um médico que quer aprender sobre uma nova técnica de cirurgia, é claro que você iria treinar antes de começar a fazê-la. Então, os estimularia a treinar sobre como fazer a aprendizagem invertida.

 

Fonte: Correio do Povo/Ana de Melo/supervisão de Maria José Vasconcelos em 18/11/2018.