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O Futuro da Educação é a Inteligência Artificial?
O Futuro da Educação é a Inteligência Artificial?

O futuro da educação não é a IA, mas a educação do futuro precisará ter ferramentas de IA, dizem especialistas

 

Em evento realizado em São Paulo, professores discutiram os desafios no uso da inteligência artificial, que envolvem desde a formação de redes, docentes e alunos até limites éticos

 

Não existe “se” e nem mesmo “quando”: a inteligência artificial (IA) já invadiu todos os espaços da sociedade e, agora, resta aprender a lidar com ela. Na educação, o desafio envolve desde a formação de redes, professores e alunos para o uso dessas ferramentas até debates sobre seus limites éticos.

 

O tema pautou a mesa O futuro da educação é a Inteligência Artificial? durante o 8º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, realizado em São Paulo. Professores de diferentes regiões do Brasil descreveram suas experiências com o assunto. Entre eles, um consenso: o futuro da educação não é a IA, mas envolverá, obrigatoriamente, ferramentas desse recurso.

— A IA não vai ser protagonista, mas, na educação do futuro, será uma ferramenta muito forte. O grande desafio será ter uma formação continuada dos professores para usar mais essa tecnologia e o controle ético de como trabalhar essa tecnologia, mas como uma ferramenta de fato: o contato professor-aluno da educação do presente e do futuro será sempre necessário — afirma Francisco Coelho, professor da rede estadual do Piauí.

 

Coelho trabalha com ferramentas tecnológicas há 14 anos e, nos últimos anos, viu a rede estadual do Piauí implementar a disciplina obrigatória de inteligência artificial do 9º ano do Ensino Fundamental ao 3º do Médio. O conteúdo faz parte do currículo das escolas de tempo integral, que, hoje, representam 70% do total das instituições estaduais. O programa de formação dos professores para ministrar essas aulas foi elaborado em parceria com as Universidades Federais do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Pampa (Unipampa), com o Instituto Federal Farroupilha (IFFar) e com a Google.

 

Nas aulas, os alunos não aprendem sobre programação: eles desenvolvem projetos práticos, que vão desde a ideação do problema até a modelagem da solução, com a orientação de um docente. No caso de Coelho, um grupo formado em uma de suas turmas criou o “AEE Buddy”, ferramenta de IA que se propõe a aprimorar a Educação Inclusiva, ao identificar comportamentos e emoções em ambientes de Atendimento Educacional Especializado (AEE). 

 

A iniciativa venceu o Seduckathon, um hackathon promovido pelo governo do Piauí para incentivar ideias ligadas à inteligência artificial, e, agora, participa de um hub que escolherá uma das 10 ideias vencedoras para fomentar o início de uma startup.

 

Professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Geber Ramalho coordena o projeto PRAIA – sigla para Pesquisa Realmente Aplicada em Inteligência Artificial –, um dos centros brasileiros de pesquisa aplicada em IA, resultante da parceria entre o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) nacional e um consórcio de 13 universidades nacionais e quatro internacionais. O foco da iniciativa é construir soluções baseadas em inteligência artificial que ajudem a promover a educação de qualidade, inclusiva e atualizada e fortalecer o aprendizado orientado a competências e novos modelos de educação.

— É óbvio que precisamos usar novas ferramentas, mas elas, sozinhas, não vão resolver totalmente o problema: a aula não ficou mais moderna só porque a escola recebeu novos tablets. A escola ainda é o locus mais refratário a mudanças, tanto que discutimos há anos métodos ativos de aprendizagem e, ainda assim, seguimos dando aula como há 50 anos. A IA pode ajudar nisso? Com certeza — pontua Ramalho.

 

Entre os apoios que a inteligência artificial pode oferecer, o docente da UFPE cita a sugestão de exercícios que ajudem o aluno a aprofundar e superar suas dificuldades, dando ao professor um diagnóstico mais preciso sobre as lacunas de aprendizagem de cada estudante. Segundo Ramalho, para além de reduzir o tempo gasto pelo educador com a correção de atividades, as ferramentas viabilizam a devolutiva com um feedback mais detalhado.

 

As pessoas têm medo de que a IA roube seus empregos. Uma coisa é certa: o médico que sabe usar a IA vai ter mais emprego do que aquele que não sabe. É uma nova ferramenta que você precisa aprender a dominar, com senso crítico.

GEBER RAMALHO/Professor da UFPE

 

Os alunos da rede municipal do Rio de Janeiro vêm ganhando um reforço de peso no ensino de inovação tecnológica. Lá, foram implementados cerca de 200 Ginásios Educacionais Tecnológicos (GETs), um novo modelo de escola que conta com um espaço chamado “colaboratório”, dotado de equipamentos tecnológicos para a realização de atividades como robótica e programação, por exemplo.

 

Virgínia Chagas é professora de turmas dos Anos Iniciais em uma instituição no Complexo do Alemão transformada em GET. Usou a inteligência artificial para revisitar clássicos infantis – por meio do Canva, A Branca de Neve se tornou Negra de Café, enquanto o Gato de Botas virou o Gato Malandro Carioca. Uma série de personagens infantis ganhou a cor negra, para promover a representatividade entre os estudantes.

— Meninos negros de oito anos e estão criando prompts. Se você colocar “saci”, ele não cria. Então, eles vão fazendo por conta própria. Eles vão dando a descrição do que queriam e, enquanto isso, íamos ensinando o que é adjetivo, substantivo. Eles foram aprendendo, até que disseram “tia, a gente quer aprender a fazer robô”. E agora estou numa fase em que eu tenho que aprender — descreve Virgínia.

 

Para a docente, a IA é um presente, e não um problema, pois sua comunidade lida com medos muito mais sérios do que o de perder emprego para a inteligência artificial.

— Quando eu vejo que aquela criança não tem direitos básicos, como o de tomar banho, a IA se torna um problema mínimo. Quando o município decidiu fazer os GETs, nós comemoramos, porque aí a prefeitura teria que resolver o problema da internet, que teria que funcionar de alguma maneira. A IA, para mim, é um “vamos andar”, e a gente está andando, por enquanto — define a professora.

 

Fábio Campos é professor e pesquisador da Universidade da Columbia (nos EUA) e participa do Transformative Learning Technologies Lab (Laboratório de Tecnologias de Aprendizagem Transformativa). Um dos projetos que desenvolve é na Rocinha, comunidade no Rio de Janeiro. A ideia surgiu a partir da criação do modelo de escolas cívico-militares, em 2019.

— Paulo Freire dizia que era preciso denunciar o que não estava funcionando e anunciar o que deveria vir. Este trabalho nasce da indignação com as escolas cívico-militares e tenta resolver esse binômio entre denunciar e anunciar, e a IA é uma das muitas ferramentas que entram nisso. Na Rocinha, eu trabalho com círculos de educação cívica: são jovens conversando com jovens, eternos círculos de diálogo social-ambiental-cívico, e a IA entra para que eles visualizem formas de lidar com a própria realidade — relata Campos.

 

O trabalho envolve a criação de prompts cumulativos. Ou seja: é possível pedir que a ferramenta faça uma imagem e, depois, demandar que outra imagem seja feita a partir daquela primeira. Com isso, reflexões sobre a realidade da favela e o futuro daquela comunidade ganharam vida.

— Quando temos imagens, mesmo que distópicas, mas baseadas na realidade do meio desses jovens, isso toca em temas mais profundos para eles — ressalta o pesquisador.

 

Desafios

Para Ramalho, os maiores desafios não são tecnológicos, mas pedagógicos: é preciso fazer com que o estudante se envolva naquela atividade e, garantir que a IA ajude, de fato, a trabalhar habilidades e repensar o papel de cada ator no processo educacional, uma vez que é passado o tempo de o professor ter o papel de detentor do conhecimento. Coelho também destaca como desafio a questão ética.

— Tem muito gestor desenvolvendo IA só para reduzir custo com professores. Também é preciso de ética do professor, que tem que ter muita consciência sobre como está usando a ferramenta, e ética do aluno, que precisa saber como usar a ferramenta de uma forma adequada — sintetiza o docente do Piauí.

 

Campos aponta, ainda, para a propaganda que algumas big techs fazem, de que a IA pode gerar planos de aula, o que permitiria que o professor gastasse menos tempo com isso e mais tempo com o aluno.

— Eu acho que tem um limite nessa automatização do ensino. O professor, quando usa essas ferramentas para criarem aulas, não ganham tempo para ficar com seus alunos por uma série de motivos. A mais básica é que o tempo de planejamento é regulamentado, e o aluno não está em sala de aula. E essas ferramentas que geram aulas automatizam algo que não deveria ser automatizado. O plano de aula não é agnóstico: existem muitas formas de ensinar e aprender. Um risco é que essas ferramentas tornem as coisas muito parecidas, rasas e sem pedagogia — define o professor da Columbia.

 

Ramalho avalia que a educação do futuro terá ferramentas de IA, o desafio é entender como absorvê-las dentro de uma dinâmica pedagógica que ofereça qualidade e motivação aos estudantes.

 

"A repórter viajou a convite da Jeduca." 

Zero Hora/Isabella Sander—12/09/2024