SALGADO FOCA A AMAZÔNIA
Fotógrafo entra para a Academia de Belas-Artes da França, torna-se “imortal” e luta para reverter processo predatório na floresta.
Sebastião Salgado é o primeiro brasileiro a receber distinção desde a criação do prestigioso Institut de France, em 1795, incluindo-se todas as áreas, como letras ou ciências.
Depois de mostrar, com seu trabalho GÊNESIS, áreas do planeta que ainda não foram afetadas pela civilização, o fotógrafo Sebastião Salgado elabora atualmente um projeto para que a floresta Amazônica seja considerada uma reserva de capitais. O objetivo é criar um modelo econômico que garanta elevado retorno financeiro com a preservação ambiental, conta Salgado, que acaba de se tornar um “imortal” ao entrar para a Academia de Belas-Artes da França, uma das cinco academias do prestigioso Institut de France.
Ele é o primeiro brasileiro a receber essa distinção desde a criação do Institut, em 1795, incluindo-se todas as áreas, como letras ou ciências. É justamente nessa”. O fotógrafo já se reuniu até com o secretário-geral da ONU, António Guterres, para discutir a questão.
“Estamos destruindo a floresta Amazônica, tendo a impressão de que ela não vale nada. Mas ela vale muito”, diz Salgado ao Valor. Na prática, afirma, o montante equivale ao que custa para reflorestar depois, o que está longe de ser barato. O fotógrafo formado em economia no Brasil e na França tem feito muitos cálculos. E também sabe, na prática, quanto custa para plantar um hectare de árvores: O Instituto terra – fundado por ele e sua mulher, Lélia, em 1998 e que atua na região do Vale do Rio Doce – tem ampla experiência nessa área. A ONG já plantou 2,5 milhões de árvores em sua ação de reflorestamento da Mata Atlântica.
No caso da Amazônia, Salgado calcula que o replantio de árvores e do sub-bosque (vegetação baixa), incluindo a recriação do sistema de águas, custa US$ 25 mil por hectare de floresta. “Agora faça o cálculo: as propriedades rurais na Amazônia têm, em média, dez mil hectares.” Ou seja, diz ele, “US$ 250 milhões foram dilapidados” apenas para a empresa se instalar no local. “Jamais ela produzirá esse capital destruído. A relação é profundamente negativa.”
Por outro lado, o Brasil possui cerca de 420 milhões de hectares da Amazônia. “Quando multiplicamos isso por US$ 25 mil, é a maior reserva de capitais do mundo. E esse capital pode dar um retorno proporcional ao seu valor.” Além de buscar um modelo econômico para a floresta Amazônica “mais forte” do que o atual “sistema predatório”, Salgado espera obter fluxos financeiros para a região, mas prefere não dar detalhes a respeito.
Desde 2013, ele tem feito inúmeras viagens à Amazônia para um trabalho fotográfico que visa “fazer uma nova apresentação” da região. Ele criou até um grande estúdio na mata, onde os índios posam. Salgado já fotografou dez etnias indígenas e prevê retratar, no próximo ano, ainda mais quatro ou cinco. Muitas fotos da floresta completam o material.
Em sua agência no Canal Saint-Martin, em Paris, há várias fotos impressas de sua última expedição, em outubro, onde clicou um grupo de Korubos, no vale do Javari. O primeiro contato dessa etnia com a civilização ocorreu apenas em 2015. Eles utilizavam cassetetes e zarabatanas em vez de arco e flecha, conta Salgado, enquanto ressalta a beleza dos índios e explica detalhes do cotidiano da tribo, como o uso da casca de capim como navalha para cortar os cabelos ou o tipo de resina feita com caramujo triturado que faz as zarabatanas parecerem de plástico.
Cenas de colheita de frutos e de retornos da pesca e da caça, com macacos e mutuns, relatam a maneira de viver da tribo, ilustrada com a expressividade do trabalho em preto e branco de Salgado que contribuiu para a sua notoriedade internacional.
O livro com as novas fotos tiradas na Amazônia será publicado em 2019. O objetivo do fotógrafo é que a apresentação dessa obra coincida com o lançamento de seu projeto para que a floresta seja considerada uma reserva de capitais. “Não dá para fazer isso com um sistema político completamente instável e desestabilizado como é hoje no Brasil”, afirma Salgado, acrescentando que para levar adiante seu projeto de preservação da biodiversidade da Amazônia é preciso contar com um governo “bem eleito e que respeite as instituições, o que o governo atual não faz”.
O fotógrafo critica os cortes de recursos sofridos pela Fundação Nacional do Índio (Funai). “É ela que impede a penetração nos territórios indígenas protegidos. E o que fez o governo? Desestabilizou a Funai. Ela não pode mais fazer o filtro.” Foi por essa razão, completa, que ocorreu há dois meses ua chacina de índios no Vale do javari.
Apesar da crise atual no Brasil, Salgado mostra otimismo com as prisões de acusados de corrupção e com a mudança de mentalidade da sociedade, que não aceita mais tacitamente essas práticas. “Pela primeira vez na história desse país, estamos colocando os corruptos na cadeia. As coisas estão começando a mudar, e elas mudarão”, diz ele, que cantarola uma música de Carnaval de Jorge Veiga, dos anos 50, que falava sobre essas práticas. “Mostrar que as pessoas corruptas não são mais intocáveis representa um salto de qualidade.”
o mineiro de Aimorés, que reside em Paris desde 1969, na época exilado da ditadura militar, aprendeu a fotografia na França. Em 2018, ele completará 45 anos de carreira. Nesse período, percorreu o planeta para retratar problemas sociais – como no livro TRABALHADORES (1993) – e guerras e, nos últimos anos, apenas a natureza. Ele considera importante ter conseguido ligar seu trabalho de fotógrafo a suas preocupações éticas, sociais e ideológicas, utilizando uma linguagem estética para expressar isso. “Então eu olho hoje e digo que há uma certa coerência.”
Considerado um dos maiores fotógrafos da atualidade, ele conta que não sabe ligar um computador. Salgado passou a utilizar uma câmera digital, mas todo o processo de edição é feito como antigamente: prancha de contato, escolha de fotos com lupas, já que ele “não consegue ficar olhando para telas”, pequenas cópias, produção de negativos em grandes formatos para só então fazer as tiragens.
Salgado acredita que o trabalho dos fotógrafos continuará tendo alcance importante na atual sociedade inundada por imagens feitas com celulares. “Há uma grande confusão hoje. O que se faz com esses telefonezinhos são imagens, não são fotografias. Para ele, isso é uma nova linguagem decorrente da evolução da sociedade. “As pessoas fazem essas imagens para se comunicar e depois jogam fora ou perdem.” A fotografia, ressalta, é um objeto tangível, que existe, e que tem o “lado histórico, da memória.”
Salgado, de 73 anos, diz que os conceitos estão mudando e que ele é “praticamente o último dinossauro” que ainda viaja durante meses consecutivos para realizar seu trabalho. “Os fotógrafos que fazem isso são muito poucos.” Ao que tudo indica, sua produção deverá continuar. “O único momento em que estou feliz mesmo é quando eu vou. Aí estou na minha plenitude.”
Fonte: Revista Valor/Daniela Fernandes, de Paris, em 15/12/2017