DOS ESCOMBROS DA INTOLERÂNCIA
A destruição de monumentos milenares na Síria fez surgir organizações especializadas em construir réplicas das obras perdidas com a ajuda de tecnologia 3D.
O ímpeto destrutivo dos terroristas do Estado Islâmico não se restringe a aniquilar integrantes de outras facções muçulmanas ou religiões. O grupo também se esforça para eliminar vestígios materiais de outras culturas, o que inclui tesouros arqueológicos, templos antigos e documentos históricos. Dezenas de construções milenares do Iraque e da Síria já foram reduzidas a pó ou saqueadas para alimentar o contrabando de obras de arte. Um dos lugares mais danificados foi a cidade síria de Palmira, invadida pelo EI em maio de 2015, que abrigava ruínas do Império Romano declaradas Patrimônio da Humanidade pela Unesco. O arqueólogo de 81 anos que passou metade de sua vida preservando o ponto turístico foi cruelmente assassinado.
No domingo de Páscoa, as tropas do ditador sírio Bashar Assad retomaram o controle de Palmira, o que deu esperança a quem quer recuperar as construções históricas valendo-se de técnicas que já vêm sendo utilizadas para fazer cópias de alguns dos principais monumentos destruídos pelos jihadistas. Umas das obras reconstruídas foi um arco do triunfo, datado do século II, erguido pelos romanos para celebrar a vitória sobre os persas em uma batalha. A implosão do arco foi confirmada pelos arqueólogos em outubro do ano passado (2015). Desde então, o Instituto de Arqueologia Digital (IDA), uma parceria entre as universidades Harvard e Oxford e o Museu do Futuro sediado em Dubai, criou um banco virtual de imagens para reproduzir uma planta em 3D do local por meio da fotogrametria – técnica que recria objetos a partir de fotos em duas dimensões e de vários ângulos diferentes.
Com base no cruzamento de fotos feitas por profissionais e turistas, o grupo construiu uma réplica em tamanho real, esculpida em mármore, do arco do triunfo de Palmira. A obra, de 15 estros de altura e 12 toneladas, será exposta na Trafalgar Square, em Londres, no dia 19. Depois, deve seguir para Nova York. O próximo projeto vai reconstruir o Templo de Bel dinamitado em agosto passado (2015) pelo Estado Islâmico. O IDA também distribui 5000 câmeras fotográficas simples a moradores de áreas de conflito do Oriente Médio e do norte da África com o intuito de ampliar seu acervo de 1 milhão de imagens de monumentos. “A cada obra reerguida, combatemos a mensagem de medo e ignorância que os terroristas querem disseminar”, disse Roger Michel, fundador e diretor do IDA. Annie Sartre-Fauriat, especialista em Síria da Unesco, não é tão otimista: “Enquanto o Exército sírio estiver na cidade, não fico tranquila. Não esqueçamos que ele também causou destruição e realizou muitos saques entre 2012 e 2015”. É preciso esperar pelo fim do conflito para sonhar com a reconstrução daquilo que a intolerância destruiu.
Fonte: Veja/Renata Lucchesi em 06/04/2016