MODERNO OU CONTEMPORÂNEO
POETA E CRÍTICO DE ARTES TRAÇA UM RETRATO DA ARTE NO RIO GRANDE DO SUL EM RETROSPECTIVA DO ANO QUE FINDOU.
Já de saco cheio.com, sinto-me obrigado, por regra de comportamento cultural atestar, neste momento apocalíptico na cultura desse país, incultada por falta de money e ética crudelizada, que a “arte contemporânea” é mesmo a arte de agora. Now! Mesmo que o público a observe, como uma espécie de prima irmã da arte moderna... Pois ao contrário da “Arte Moderna”, essa “Arte Contemporânea”, base de valor das Bienais pelo mundo, inclusive de nossa blablafônica Bienal do Mercosul, não dispõe de um tempo de constituição, nem de uma formulação estabilizada de reconhecimento geral. Sua simultaneidade, que ocorre no “agora”, exige e propõe uma junção do aqui e do agora, com a dúvida envolvente que, o aqui e agora, pode ser constatado fenomenologicamente que, já é passado, a partir de seu espírito artístico, envolto pelo domínio do lugar que o envolva! Ex: uma escultura de gelo ou chocolate passa a ser contemporânea de suas vidas cotidianas e urgências de nossas necessidades. Portanto, não mais moderna, por que deixará de existir, perderá seu espírito de totalidade e conteúdo como obra aparentemente “moderna” ou de vanguarda.
Em, paradoxo, pergunto o porquê de o moderno pertencer como um “cocar” de cacique do contemporâneo. Primaticcio, Giambologna, Michelangelo, Ticiano e o arquiteto Giulio Romano, discípulo progressista de Rafael em meados de 1500, eram “modernos” de suas épocas, buscando sempre, contrastes, novas sombras, luzes, orquestração de cores, composições e novas transfigurações que se desdobrariam em muitos “irmos” pelos séculos seguintes! No mesmo exemplo, digo que esse “moderno” Giulio, um Rafael, “maneirista”, abduzia os “realistas” da época, com truques de claroescuro acentuando os coloridos metálicos das vestes, alongando sombras, e inundando as cenas de crepúsculos em forma e cores... (ver “Sagrada Família”, com São Tiago e São Marcos, 1523). Trazendo essa abdução para o “contemporâneo” dito, e maldito atual, do aqui e ali, disperso pela pluralidade incontrolável de “agoras”, licença poética, seria legível tornar para dentro da esfera artística, um grande contemporâneo em “artista literário e filosófico”, atemporal, recolhido à desconstrução, simulação, vazio, resíduo, e ruínas de classificação, com códigos de barra pré, pós ou neotranslógicos que pudesse ser reconhecido pela energia “Planck” ou encontrado seu DNA em buracos de minhocas, daqui a 2000 anos. E seria dito “de época”, em que “contemporâneo”, era fazer arte num país de salário mínimo, Bolsa Família e política cultural como mecanismos de poder do estado. E que contemporâneo em arte era uma manifestação de modernismo cloacal no novo status econômico, de reconhecimento público, a ponto de parecer necessário e oportuno, coloca-lo sobre um pedestal e aplaudir ou chorar seu desaparecimento...
Essa constelação de máscaras de mídias burras e teorias herdadas pela burguesia, vestidas de “papagaio de pirata”, geram valores encobertos por cortinas de fumaça que poluem o verdadeiro estado das coisas, que a poesia, suspensa nas nuvens do idealismo, há de fazer chover sobre os pergaminhos de um passado retórico, e borrado que nos impedem de “olhar” a arte como um sentido universal e acessível para todos. Ao papel dos tempos não importa ser moderno ou contemporâneo, pois a Bienal do Mercosul, mesmo com sua erudição no superlativo, valorizou nossos artistas modernos, de raiz moderna, e de uma feição, no terreno das teorias, provou, talvez sem querer, que a liberdade do conhecimento, jamais virá de véspera. E assim, poderíamos dizer que mesmo no afogadilho de um ano extremamente cruel com a cultura desse Estado e país, podemos publicar, que sobrevivemos, com grandes exposições, de ótimos artistas, que ainda removem as pedras do caminho...
Fonte: Correio do Povo – CS Caderno de Sábado/Zé Augusto Marques (Poeta e crítico de artes) em 2 de janeiro de 2016.