UM FESTIVAL PARA REALIZAR SONHOS DE JOVENS ARTISTAS
Música: Jennifer Stumm promove, no interior de São Paulo, evento com novos talentos em situação socioeconômica difícil.
A trajetória da violinista Jennifer Stumm parece um caminho de sonho para qualquer músico norte-americano. Nascida em Atlanta, ela se formou em duas das principais instituições musicais do país (e do mundo): o Curtis Institute, de Filadélfia, e a Juilliard School, em Nova York. Venceu concursos e logo estava atuando em palcos como o Carnegie Hall ou o Concertgebouw de Amsterdã. Até que, em 2004, esteve no Brasil pela primeira vez, onde trabalhou com jovens da escola de Música do estado de São Paulo. “Fiquei impressionada. O talento, a humanidade, a ânsia por crescer mesmo perante desafios socioeconômicos: eu não havia experimentado nada assim na minha vida. E ficou clara mais um a vez para mim uma crença antiga, a de que a música clássica deve ser dinâmica, viva, transformadora. Foi uma inspiração”, relembra Jennifer.
Inspiração tão grande que a artista, às voltas com a ideia de criar um festival dedicado á música d câmara, resolveu que era o Brasil o lugar ideal. “Os músicos que conheci tinham tanto a oferecer que podiam e deveriam ter a chance de tocar nos mesmos palcos mundo afora onde me apresento. Mas eles precisam de investimento, orientação, oportunidades. E daí veio a ideia de um festival que pudesse reuni-los com solistas internacionais experientes, um iluminando o caminho do outro, lembrando a nós e ao público o poder da música que escolhemos tocar.”
A primeira edição do Ilumina ocorreu em janeiro de 2015, no interior de São Paulo, mais especificamente em uma fazenda em São Bento do Sapucaí. Em janeiro de 2016, a segunda edição foi realizada na região de Bragança Paulista, onde vai acontecer, de 2 a 15 de janeiro, a terceira edição (inscrições para músicos de 18 a 26 anos estão abertas). “O festival é uma meritocracia. Os músicos se hospedam, comem e trabalham juntos como iguais, cada u dando aquilo que pode oferecer. Estarmos juntos em um local no campo cria um ambiente especial, um espaço seguro para interações. Ao contrário de muitos festivais, nos quais u jovem encontra um solista de renome durante uma hora por semana, aqui não há separação entre os artistas. Todos trabalham juntos em conjuntos de câmara de 60 a 80 horas por semana. Acreditamos que a melhor maneira de se aprender é fazendo – e que o impacto máximo para todos os músicos vem da experiência”, explica Jennifer.
A programação inclui concertos em cidades da região. “Pensamos muito sobre o que oferecemos á comunidade, em como colocar os ideais do Ilumina nas apresentações, atingindo plateias que não costumam ir a concertos. Na última edição, mais da maioria das 4 mil pessoas que nos assistiram estavam ouvindo algo totalmente novo. E acho também que estamos crescendo como organização: o primeiro festival foi bancado por um patrocinador individual e agora temos uma parceria com a Cultura Artística, a mais antiga sociedade de concertos da América latina. Eu realmente amo essa mistura entre o antigo e o novo”, afirma.
SOBREVIVÊNCIA.
“A geração que tenho visto no Ilumina representa algo único. A maior parte desses músicos vem de situações socioeconômicas difíceis. A música para eles é, então, mais do que só uma forma de arte, é uma forma de sobrevivência”, diz Jennifer, quando questionada sobre como entende o cenário musical brasileiro à luz da realidade americana ou europeia. “Isso é algo bastante diferente do que acontece no Hemisfério Norte e por isso é tão importante que essas vozes sejam ouvidas.” Ela vê diferenças também na ênfase da formação musical. “A música de câmara é muito pouco enfatizada, uma vez que o Brasil tem uma larga tradição orquestral. Acredito que tocar em pequenos grupos, em que cada um precisa ser responsável por si próprio e por seus colegas, é fundamental no desenvolvimento musical”, ressalta também.
Além da música de câmara, outra das “lições” do Ilumina tem a ver com a própria noção do que é o trabalho de um músico. “Artistas estão sempre buscando o próximo nível. É um ato de coragem, significa que você acredita que, com trabalho duro, pode conquistar algo, crescer. Então, a coisa mais importante a se aprender quando se é jovem é como pensar sobre o aprendizado: não se trata de uma série de tarefas, mas de atingir um jeito de ser. No Ilumina, passamos muito tempo falando sobre por que tocamos, sobre a ideia de que a música deve nos conectar com a nossa própria humanidade e lembrar a plateia da dela. Jovens músicos, muitas vezes, acham que o trabalho se limita a tocar as notas certas. Isso é uma pena. Eu gostaria que eles vissem o próprio poder que têm de usar a arte para influenciar a sociedade para melhor, sentindo que uma vida na música é uma vida de dedicação a uma causa.”
Fonte: O Estado De S. Paulo por João Luiz Sampaio em 28/8/2016