UM BOWIE EXPERIMENTAL
NO DIA EM QUE COMPLETA 69 ANOS, DAVID BOWIE LANÇA “BLACKSTAR’, DISCO QUE TRAZ O LADO MAIS VANGUARDA DO ARTISTA CONHECIDO PELAS TRANSFORMAÇÕES.
David Bowie já se transformou tantas vezes que qualquer nova mudança, por mais radical e inesperada que seja, reserva pouca margem para algum ineditismo ou grande reinvenção. O que não significa que não possa surpreender, como tantas vezes fez em sua carreira. E é por isso que ele novamente faz em BLACKSTAR, que tem lançamento oficial hoje (08/01/2015), dia em que Bowie completa 69 anos.
O novo disco é o sucessor de NEXT DAY (2013), que quebrou o silêncio dos 10 anos em que passou sem lançar um trabalho de inéditas. Foi uma temporada em que Bowie precisou ficar fora de cena para cuidar da saúde após ter sido detectado um problema cardíaco que o fez interromper a turnê de REALITY, em 2004. O retorno, sem nenhum anúncio, foi uma tremenda surpresa e aliviou os fãs que pouco sabiam de notícias sobre seu paradeiro e de suas condições de saúde. A resposta veio junto com NEXT DAY, que trouxe um Bowie renovado, retornando à cena com um inspirado disco de rock.
Em BLACKSTAR, ele muda mais um a vez de rota, agora apostando na música experimental. O novo disco retorna o lado vanguardista de Bowie, anticomercial até, reunindo sete faixas que se afastam do pop para flertar com o free jazz (pelos improvisos instrumentais), a música eletroacústica (pelo uso de sintetizadores e outros recursos) e o chamado gênero ambiente (por explorar timbres e texturas sonoras para criar atmosferas musicais). Daí a relação direta com os discos que Bowie fez na segunda metade dos anos 1970, na Alemanha, ao lado do produtor Brian Eno, inspirado pela onda do experimentalismo no rock eletrônico: STATION TO STATION (1976), LOW E HEROES (ambos de 1977). Mas não só isso: os ouvintes mais conhecedores da discografia do artista encontrarão, ao longo de BLACKSTAR, ecos de trabalhos lançados nos anos 1980 e 1990.
BATERIAS HIPNÓTICAS E SAXOFONES EXPLOSIVOS.
A autorreferência, aqui, não deve ser vista como reciclagem do passado, mas como forma de Bowie retomar certa estética que lhe é própria e o torna inconfundível. O trunfo disso é que BLACKSTAR dá provas de que o artista ainda tem o poder de se transformar e causar estranhezas, sem deixar de ser quem é. Isso fica claro já na abertura. A faixa-título, com quase 10 minutos de duração, é dividida por passagens e diferentes andamentos, trazendo as baterias hipnóticas, o saxofone explosivo, os arranjos dissonantes e os vocais fantasmagóricos que aparecem ao longo de todo o álbum. A música foi composta para a série policial franco-britânica THE LAST PANTHERS e lançada em videoclipe no final de novembro.
TIS A PITY SHE WAS A WHORE E SUE (OR IN A SEASON OF CRIME) já eram conhecidas desde o fim de 2014, mas ganharam versões diferentes. A primeira traz um sax intermitente a serviço de uma sinfonia que tira beleza do barulho e do ruído. A outra poderia ser a trilha de qualquer (bom) seriado baseado em tensão. Já GIRL LOVES ME é um tributo ao krautrock, enquanto DOLLAR DAYS e I CAN’T GIVE EVERYTHING AWAY são canções “menos difíceis” que poderiam estar em qualquer outro disco de Bowie. Em LAZARUS, cujo videoclipe foi liberado ontem, ele solta a voz com uma letra que explicita a temática sombria, pós-apocalíptica e, ao mesmo tempo, mística presente nas letras de todo o álbum: “OLHA AQUI, ESTOU NO CÉU / TENHO CICATRIZES QUE NÃO PODEM SER VISTAS”.
Em entrevista à revista Rolling Stone, o produtor Tony Visconti, espécie de porta-voz oficial de Bowie para a imprensa, disse que a inspiração inicial foi TO PIMP A BUTTERFLY, disco do rapper Kendrick Lamar que fez barulho em 2015. E, para a rádio americana NPR, Visconti contou que a ideia foi “gravar um álbum com músicos de jazz que não tocariam necessariamente jazz”. Mas a verdade é que, entre o hip-hop e o jazz, BLACKSTAR não é nem um nem outro. É apenas e somente Bowie.
Assista agora ao clipe de LAZARUS em www.zhora.co/lazarusclipe ou
https://www.youtube.com/watch?v=y-JqH1M4Ya8
imagens do clipe
BLACKSTAR de David Bowie
Columbia/Sony Music, 7 faixas, US$ 9,99 (iTunes) e disponível nos canais de streaming.
Fonte: ZeroHora/Francisco Dalcol (Francisco.dalcol@zerohora.com.br) em 08/01/2015.