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Daniel Dutra
Daniel Dutra

 

A escritora CERES MARCON entrevista o escritor DANIEL DUTRA

 

BIOGRAFIA
Daniel Dutra é natural de Pelotas – RS. É formado em Letras (UCPEL) e Mestre em Literatura Comparada (UFRGS). Sua dissertação de mestrado deu origem ao livro Literatura de ficção-científica no cinema: A Máquina do Tempo – do livro ao filme (2010, UFPEL), um estudo sobre a obra do escritor H.G. Wells. Na ficção participou com contos nas antologias Deus Ex Machina: Anjos e Demônios na Era do Vapor (Estronho, 2011), Erótica Fantástica – Vol. I (Draco, 2012), Solarpunk (Draco, 2013) e Erótica Steampunk – Por trás da Cortina de Vapor (Ornitorrinco, 2013).

 

 

Apesar de ter escrito tantos outros trabalhos, seu livro solo é A Eva Mecânica e outras histórias de ginoides. Qual foi o gatilho que fez você escrever sobre ginoides e ficção científica?

O “gatilho” foi uma reportagem que vi sobre a Actroide. Um robô com aparência feminina fabricado no Japão que entrou para o Livro dos Recordes em 2005 como o robô mais parecido com um ser humano. Paralelamente, comecei a observar em fóruns de internet muitos homens animados com essa notícia e elaborando várias teorias sobre como as ginoides iriam transformar o mundo, geralmente de uma forma que os favorecesse. Escrevi o conto “A Eva Mecânica” baseado nisso. Eu nem tinha planos de escrever outras histórias, mas com o tempo percebi que o tema “ginoides” dava muito pano para a manga e era impossível abordar tudo o que o tinha para ser explorado num único conto. Então comecei a escrever outras histórias. No final, tinha material para um livro inteiro de contos.

 

2. Há em sua obra uma crítica contra a sociedade machista ou é apenas a representação do que você vê no mundo atual?

Vamos por parte. Primeiro o livro não é uma crítica a sociedade machista porque a palavra “machismo” é usada para tantas coisas diferentes que hoje tudo virou “machismo”. Na prática quando alguém uma pessoa acusa a outra de “machismo” na verdade está dizendo “eu discordo de você, mas não tenho argumentos”. Não estou dizendo que mulheres não tenham seus problemas na sociedade. O que estou dizendo é que a palavra “machismo” virou um termo vago usado de forma pejorativa para atacar os outros, ou seja, ao invés de se debater a questão, usa-se essa palavra vaga numa tentativa de se fazer um “bullying”. Vou tentar explicar melhor dando um exemplo. Imagine uma mulher dona de casa. Então chega outra e diz, num tom de condenação, “você é machista”. Bom, me mostre um dicionário que defina “machismo” como “mulheres que desejam ser donas de casa”. Se uma mulher deseja ser dona de casa, ninguém tem que dar palpite na vida dela. E se há pessoas que tem algo contra as donas de casa, que apresentem argumentos ao invés de ficar falando “você é machista”. Ficam parecendo crianças de terceira série chamando os outros de “bobo” e “feio”.
Sobre o meu livro: ele é basicamente minha visão de como eu vejo as relações entre homens e mulheres e como a tecnologia modifica o comportamento afetivo e sexual humano.

 

 

3. As críticas e resenhas do teu livro são bem positivas: Leitor Cabuloso Reflexões Femininas Listas Literárias Aconteceu alguma que tenha sido contrária? Qual sua conclusão sobre esses apontamentos e qual a validade das leituras críticas?

No geral achei as críticas positivas. Discordo de algumas observações dos resenhistas, mas eles defenderam bem seu ponto de vista e eu respeito isso. Na verdade a que mais me chamou a atenção foi o comentário do Listas Literárias sobre alguns personagens do livro terem um complexo de Édipo. No conto “A Casa da Dor” eu estava era homenageando Vladmir Nabokov e o seu “Lolita”. Na história um pedófilo ironiza o tempo todo teorias freudianas que colocam a culpa de tudo na mãe ou tramas de infância, pois Nabokov considerava Freud um charlatão. Com o meu personagem, um estuprador, quis fazer algo parecido.

 

 

4. Apesar de suas histórias acontecerem no futuro, o legado do homem que subjuga a mulher não se desfez. Você acredita que a evolução da humanidade vai ocorrer apenas na área tecnológica e a parte moral continuará presa aos velhos preconceitos?

Dizer que o homem subjuga a mulher é discutível. Como dizem muitos homens casados “quem manda é a patroa”. Embora a mulher seja subjugada em algumas culturas, como em alguns países teocráticos fundamentalistas, não é regra, principalmente no mundo moderno ocidental, onde mulheres possuem todo um aparato estatal que as protege e defende seus interesses. Homens e mulheres em muitas culturas, mesmo naquelas onde o homem “domina”, estabelecem uma relação de colaboração mútua onde cada sexo procura fazer o seu melhor visando o bem comum.

Ademais, não existe uma “evolução da humanidade” porque a humanidade não caminha no sentido de pior para melhor. A humanidade apenas existe, e um dia pode deixar de existir. Falam que a peste negra matou milhões na idade média e adoram chamar esse período de “idade das trevas”, mas quanto a Hiroshima e Nagasaki? E quanto as duas Guerras Mundiais, aquecimento global, AIDS, Ebola, etc? Não parece que estamos nos saindo melhor do que há 500 anos.

Hoje se fala muito em “combater o preconceito”. Mas quantos preconceitos novos não nascem a cada dia? E muitas vezes aqueles mais engajados em “combater o preconceito” se revelam os mais preconceituosos. Uma vez um sujeito me disse que tinha o direito de achar patético um homem transar com uma ginoide. Respondi que há pessoas que acham patético um homem transar com outro homem. Ele ficou sem resposta. Ter preconceito contra homossexualismo não pode, mas ter preconceito contra ciberssexuais (o nome que dei no meu livro as pessoas que sentem atração sexual por robôs) pode? Como eu disse, a humanidade não evolui.

 

 

5. Você acredita que os robôs substituirão o homem, ou a mulher, assim como acontece no seu livro?

Hoje temos drones lutando em guerra. Não descarto a possibilidade de robôs substituírem o ser humano. No entanto, até chegarmos ao ponto de uma máquina poder emular a aparência humana ao ponto de ser indistinguível de uma pessoa real e interagir como se fosse um ser humano, ainda estamos muito longe. Pode acontecer, mas também pode nunca vir.

 

 

6. Em qual autor você busca inspiração para escrever, ou isso não faz parte da sua rotina de escrita?

Sou um grande fã do H.P. Lovecraft. Terminei recentemente minha tese de doutorado sobre o autor e a lição mais importante que aprendi com ele foi que o autor não deve apenas contar uma história, ele deve oferecer ao leitor o seu ponto de vista, e é o que tentei fazer com o “A Eva Mecânica e outras Histórias de Ginoides”. Lovecraft também me inspira em aspectos técnicos, estudei a fundo seu estilo narrativo e tomo de empréstimo alguns de seus truques. Outro autor que admiro muito é o alemão Ernst Jünger.

 

 

7. Você é mediador de uma página no Facebook para escritores. Você conseguiria apontar qual a maior dificuldade, ou uma das maiores dificuldades, que os participantes do grupo apresentam com relação à escrita?

Não conseguir pensar com a própria cabeça. É importante um escritor conhecer a gramática de sua língua e saber escrever textos coerentes, e também é importante ler os grandes clássicos da literatura. Mas isso de nada adianta se o escritor não for um bom observador da realidade e da literatura. Ray Bradbury diz que por trás de todo livro há um homem. Eu diria que trás de todo grande livro há um homem excepcional.

 

 

8. Você concorda com a premissa de que o escritor necessita conhecer técnicas de escrita para desenvolver um bom trabalho ou você acredita que bons textos só dependem de inspiração?

Concordo. Inspiração é hipervalorizada. Compreendo que quando estamos com vontade de escrever, pois considero inspiração apenas um jeito bonito de dizer “hoje estou afim de escrever”, as palavras fluem com maior facilidade, mas o fato é que conhecer técnicas de escrita ajuda muito. Em outras palavras, a técnica é útil no sentido que ajuda você a entender melhor porque um texto é genial e outro medíocre. Conhecer a técnica não te tornará um ótimo escritor porque não é tudo. A perspicácia do escritor, e isso não é algo se aprende, é fundamental. Porém, estudar a técnica de escrita ajuda com certeza.

 

 

9. Na sua opinião, a pesquisa para elaborar um texto é necessária? Por quê?

Depende da história que você quer contar. Se você vai escrever um drama sobre o holocausto, por exemplo, pesquisa é fundamental. Porém, se você quer escrever uma aventura ao estilo “Bastardos Inglórios” do Quentin Tarantino você não precisa de tanta pesquisa e pode tomar liberdades poéticas. Neste último caso é até recomendável.

 

 

10. Como você vê o mercado da Literatura de Ficção Científica no Brasil?

O mercado está melhor do que era antes do advento da internet no Brasil. Porém, ainda está longe de ser um fenômeno popular brasileiro. No Brasil um autor até consegue publicar com mais facilidade do que a décadas atrás, mas seu público continua restrito.

 

 

11. Qual a maior dificuldade que você encontrou para publicar seu livro?

Na verdade nenhuma. Tive muita sorte porque fui indicado por um autor da editora Literata, o Rochett Tavares, a quem sou eternamente agradecido pela oportunidade. Ele leu meus contos, gostou muito e me recomendou para a editora.

 

 

12. Você está trabalhando em algum projeto para publicar esse ano? Poderia falar um pouco sobre ele?

Estou escrevendo meu primeiro romance, ainda sem título, mas se passa no mesmo universo de “A Eva Mecânica e outras Histórias de Ginoides”. Pretendo publicar ainda esse ano, mas não é certo.

 

 

13. Para finalizar, as Mosqueteiras agradecem a atenção e dedicação para responder as nossas perguntas e deixamos esse espaço para tuas considerações finais.

Se você quer ser bom escritor, aprenda a pensar por si próprio. Há muitos que acham que pensam com a própria cabeça, mas estão apenas reproduzindo modismos intelectuais.