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O Papel do Historiador por Adelina Antunes
O Papel do Historiador por Adelina Antunes

 

O papel do historiador

 

 

Todos temos uma noção, mais ou menos exata, mais ou menos profunda da história e dos heróis da antiguidade. O historiador, narrador de factos passados mais ou menos gloriosos, mais ou menos demonstrativos das vitórias e feitos, tinha o papel de levar até aos seus contemporâneos a descrição dos mesmos. De criar valores sociais comuns à sociedade que estudava. Contribuir para a criação de origens. Criar uma identidade comum. O modo como o fazia, a opinião pessoal, os gostos, o sentimento de nacionalidade, de pertença ou de propriedade levavam por vezes a que esse relato não fosse isento. As descrições, por vezes fantasiosas, enalteciam factos, transmitiam a história socialmente adequada à mensagem que se pretendia fosse transmitida sem que se verificasse uma preocupação com a total veracidade dos factos.

 

O historiador tem assim, desde a antiguidade, um papel social. A função de procurar e transmitir conhecimento. Decifrar enigmas do passado. Da conduta humana. Explicar porque é que determinados factos aconteceram numa determinada época. Determinar quais as nossas origens, o nosso passado, quais as repercussões que este tem no presente ou as possíveis influências no futuro.

 

É isso possível? Serão os nossos atos, a nossa história, a nossa realidade uma espécie de continuidade, de produto dos factos passados? Estará o nosso futuro condicionado pelo que fomos, pelo que somos?

 

Não isento de influências, não afastado das condições sociais, económicas, políticas e históricas que o envolvem, que caraterizam a sociedade em que está inserido compete ao historiador averiguar a verdade dos factos. Conhecê-los, compreendê-los, transmiti-los. Se a história é por vezes enaltecida por grandes feitos, se é contada apenas pelo que os seus principais protagonistas desenvolveram, se é divulgada de um modo parcial ou tendencioso, o conhecimento que adquirimos desse passado, desse evoluir, pode não corresponder totalmente à realidade. É neste contexto que o historiador procurará aferir, não só dos factos, como dos lugares, das condições de vida que caraterizaram cada época, enquadrando-os no contexto em que os mesmos ocorreram, de modo a transportar-nos a tempos e situações passadas, a compreendê-las, a vivencia-las, a reconhecer as transformações ideológicas, políticas, sociais, económicas ou mesmo religiosas por que passaram pessoas e sociedades e que estiveram na origem da tomada de decisões. Que influenciaram ou contribuíram para essas alterações.

 

O papel social do historiador é assim o de transmitir, dar a conhecer e consolidar um passado comum. As raízes e o percurso efetuado desde as origens até aos nossos dias. Contribuir para que o futuro seja orientado com base no passado. Mas não se lhe pode exigir que seja o mentor do que fomos do que somos ou do que seremos. Não se lhe pode pedir que opine. Que julgue. Que avalize as decisões, os acontecimentos ou as transformações ocorridas. A história mostra-nos que não se aprende com o passado. Que o facto de conhecer as nossas origens, o nosso percurso não faz de nós o que somos nem nos orienta no que seremos. Não é pelo facto de conhecermos o passado que melhoramos o futuro. Não é porque se cometeram erros que os mesmos não se repetirão. No entanto o reconhecimento desses factos, o revisitar tempos e situações porque a humanidade passou, contribui para que saibamos que nada é eterno. As crises sucedem-se, mas passam. Outras virão, é certo, mas também essas serão ultrapassadas, com mudanças! Com mais ou menos danos. Com maiores ou menores alterações, mas contribuindo para a construção do nosso percurso. Da nossa história.

 

A pesquisa realizada pelo historiador é, nos dias de hoje, uma prática que se reveste de racionalidade, sentido crítico, sujeita a regras de ensaio e erro, condicionadas por um conhecimento rigoroso dos fatos ocorridos e das condicionantes existentes em cada situação, em cada época. Não compete ao historiador produzir conhecimentos passíveis de comprovação ou refutação pelos métodos da ciência experimental (FLORESCANO, 19..: 77).  Este sabe que as ações humanas não são mensuráveis a esse ponto. Que as mesmas são condicionadas por fatores tão diversos como os sociais, económicos, políticos, religiosos ou outros que inviabilizam o estudo das mesmas de um modo individualizado. O objetivo da história é a produção de conhecimento. O do historiador é fazer com que esse conhecimento seja objetivo, realista e o mais exato possível. Decifrar os enigmas da conduta humana e explicar o desenvolvimento social (FLORESCANO, 19..: 78). 

 

Para tal serve-se dos métodos mais rigorosos que encontra ao seu dispor. A sua ação alarga-se à pesquisa da informação. À consulta das mais diversificadas fontes. Ao cruzamento de dados que podem ser obtidos pelos processos mais variados. Não basta a consulta de manuais. De documentos descritivos dos feitos do passado. Não lhe chega saber qual o modo de vida, as conquistas ou as derrotas que foram alcançadas ou sofridas. O historiador interessado em conhecer a realidade da história está em constante pesquisa. Serve-se de documentos que lhe permitam aferir de todos os elementos necessários ao real conhecimento dos factos. Quem fomos não é só o que está documentado nos manuais oficiais. Encontra-se também descrito nos mais ínfimos pormenores. Em documentos que, aparentemente, nada têm a ver com o percurso de um povo ou de uma nação. Há que aferir as alterações que se verificaram a diversos níveis. Desde o estudo da linguagem, da paisagística. Do comércio. Das migrações verificadas e que resultaram na mistura de culturas. Até factos tão distantes do percurso civilizacional como sejam as alterações climatéricas, politicas, sociais entre outras. Para que consiga aferir da realidade do percurso da história o historiador obriga-se a uma constante procura. À imposição de normas essenciais em comunicação. Em clareza de linguagem e de expressão. Na transmissão de uma análise cuidada da história. Do que fomos, Do que somos. Do que seremos…

 

Em suma, a função social do historiador passa por dar-nos a conhecer o passado. As origens. Os percursos que percorremos e que fizeram de nós o que somos. Que nos integram numa sociedade. Num grupo. Numa cultura. Reconstruir factos aparentemente isolados e interliga-los, confronta-los, de modo a formar um todo. Sem juízos de valor. Sem tomar partido, julgar factos ou pessoas. Sem se deixar influenciar por opiniões, comentários ou documentos que leia, estude ou consulte. Pondo de parte a sua própria opinião e tentando não se deixar condicionar pelo meio social, económico e político em que está inserido, reconstruir percursos, contextos e situações. Aferir de factos que fizeram da sociedade o que ela foi, sem a pretensão de que esses mesmos factos contribuam ou condicionem o que somos ou o que seremos, pois o conhecimento do passado não

 

O seu papel é, cada vez mais, o de ir além do que conhecemos, reconstruir um passado que vai além do conhecimento de reis ou dinastias. Um passado em que o Homem adquire o estatuto de ser social, com qualidades e defeitos. Capaz de grandes feitos mas também com derrotas. Que integra grupos não só de monumentos ou factos “históricos” mas de toda uma realidade que vai mais além. Que inclui povos, culturas, vitórias e derrotas. Grandes feitos e pequenas realizações. Mantendo-se, na medida do possível, imparcial pois as suas vivências e opiniões, são passíveis de condicionar o modo como vê, lê e reconstrói os factos do passado. Como os interpreta. Como os transmite.

 

Bibliografia

Bloch, Marc, Introdução à história. Mira-Sintra; Mem Martins: Publicações Europa América, 1997. Col. "Forum da História " [Edição revista, aumentada e criticada por Etienne Bloch, com prefácio de Jacques le Goff].
Duby, Georges, A História continua. Porto: Edições ASA, 1992.

 

FLORESCANO, A função social do historiador [em linha] disponível em: - http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_livres/artg4-4.pdf (consultado a 05 novembro de 2012)

Por: Adelina Antunes