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Inteligência Artificial, e Idiotização dos Humanos
Inteligência Artificial, e Idiotização dos Humanos

A IDIOTIZAÇÃO DOS HUMANOS

Trabalhar com inovação implica reconhecer a relevância das tecnologias. O que parece incompreensível, e até intolerável, é o deslumbramento coletivo com as máquinas, a ponto de negarmos a nós próprios

 

Nas palestras que realizamos com foco em inovação na educação, as pessoas nos perguntam sobre tecnologias disruptivas e como lidar com avanços da inteligência artificial (IA).  Para essas questões, vale lembrar Pierre Lévy, após análise profícua da então nascente cibernética, em seu livro TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA: não importa quantos dispositivos tecnológicos vierem a ser lançados, o importante é educar as pessoas para o seu uso.  De certa forma, é indicado um caminho, a educação, que, embora saibamos ser um processo lento e gradual, é uma esperança que se anuncia.  A partir dessa perspectiva, é preciso que a tecnologia esteja a serviço de um projeto educacional e pedagógico qualificado, ampliando as possibilidades de aprendizagem para todos, mas particularmente, nesse caso, para alunos e também para educadores.

 

É nesse contexto que propomos essa reflexão sobre como a tecnologia pode ser nossa aliada, produto que é da inteligência humana, ou como nossa inércia poderá nos assombrar ou, ainda, eventualmente causar nossa substituição.  Trabalhar com inovação implica reconhecer a relevância das tecnologias pelos muitos benefícios que sua aplicação traz às áreas de conhecimento.  O que parece incompreensível, e até intolerável, é o deslumbramento coletivo com as máquinas, a ponto de negarmos a nós próprios, protagonistas do conhecimento humano e civilizatório acumulado ao longo dos séculos e que, guardadas as diferenças do avanço digital contemporâneo, sempre produziu tecnologias, da faca ao motor, do fogo às diferentes formas de energia.  Portanto, somos senhores de nosso destino, se soubermos agir com humanidade, parcimônia, inteligência e solidariedade no trato dos dispositivos eletrônicos mais desenvolvidos.

 

É um horizonte amplo e infinito que se abre diante de nós e que nos oferece oportunidades de expansão da memória, de qualificação do pensamento e de ampliação dos sentidos.  Enfim, o ser humano é capaz de pegar para si os potes de ouro que, diz a lenda, estão nas pontas do arco-íris.

 

Atenção, entretanto!  Não será feliz o destino humano se formos relapsos em nossos compromissos éticos, distraídos com o nosso entorno, irresponsáveis em nossas tarefas, levianos em nossos julgamentos, enfim omissos na consecução da ética hegeliana da responsabilidade.  É nesse ponto da reflexão que entram em cotejo dois cenários: o da desesperança e o da esperança.  Nesse contexto tecnológico avassalador, apostamos na vitória da esperança.

 

A nossa percepção é que a tecnologia deve ser sempre utilizada para preservar a humanidade, nunca para ameaçá-la.  Em tarefas perigosas, eventualmente em tarefas de grande precisão, ou repetitivas, que transformam a pessoa em uma peça de engrenagem, faz sentido aprofundar o uso de tecnologia, uma vez que ela amplia as possibilidades para os humanos.

 

Já nas atividades que nos dão prazer, que nos permitem aprender algo novo e nos desenvolver como pessoas, não precisamos utilizar máquinas.  Escrever um texto, buscar argumentos para uma conversa com amigos, resolver problemas em grupo e conviver com a família, são alguns exemplos de situações em que nossas competências humanas são essenciais.  Nesses casos, a busca por um atalho pode gerar lacunas de compreensão e potencial afastamento social, ou quando buscamos padronizar respostas e comportamentos, estamos trilhando um caminho em direção à potencial perda de nossa relevância.

 

Podemos entrar em uma espiral da idiotização do ser humano, onde não somos mais relevantes para as decisões corriqueiras, tão pouco para a interação social.  Se isso acontecer em larga escala, parece que poderemos, sim, ser substituídos por máquinas.  Independente dos perigos de uma eventual extinção, esse processo nos levará ao esvaziamento do nosso ser.

 

Cabe finalmente exaltar as populações que, ao longo da história, souberam utilizar a tecnologia em benefício da humanidade.  No estágio em que nos encontramos, não se trata de uma opção compreender ou não o potencial ou os efeitos da inteligência artificial, pois trilhamos um caminho sem volta, cujos possíveis ganhos ou perdas não podem ser pensados isoladamente.  As alternativas para a construção de um círculo virtuoso só podem vir de ações coletivas, perpassadas pela esperança de que, pela educação, as pessoas consigam trazer as tecnologias como aliados na construção de um mundo mais justo e feliz.  Em síntese, a tecnologia é uma conquista civilizatória de repercussões ainda não exploradas; ela não deve ser nem endeusada, nem satanizada, mas domada pelo seu criador, pela educação para a tecnologia.

 

Fonte:  Zero Hora/Caderno DOC/Gustavo Borba/Ione Bentz/Diretor do Instituto para Inovação em Educação da Unisinos/Doutora em Linguística e Semiótica, professora de Design e Moda na Unisinos, em 13/08/2023