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OMS Recomenta: Evite as Telas para Bebês
OMS Recomenta: Evite as Telas para Bebês

EVITE

Organização Mundial da Saúde recomenda: Bebês não devem ter contato com telas, e crianças de dois a cinco anos só poderiam usar celulares, tablets, TVs e videogrames durante uma hora por dia. Pesquisas embasam a orientação

Ainda não temos claro o quanto as telas, por si só, são nocivas, mas sabemos que elas estão deslocando o tempo de atividades essenciais para o desenvolvimento infantil, especialmente nos primeiros anos de vida.”

Renata Rocha Kieling

Neuropediatra e professora da Pós em Saúde da Criança e do Adolescente da UFRGS

 

O celular se tornou muito atraente, com filmezinhos e canções que ajudam a distrair, e os pais passaram a usar esse artifício desde muito cedo. Eles não têm noção do risco. Até os dois anos, é o tempo da aquisição da linguagem e do arcabouço psíquico-social.”

Ana Maria Costa da Silva

Pediatra, psiquiatra e professora da Universidade Federal de Minas Gerais

 

Se você tem crianças e adolescentes em casa, é bem provável que já tenha se questionado sobre o impacto de tablets, smartphones, TVs e videogames no desenvolvimento de seus filhos. Nativos digitais, meninos e meninas nascidos na última década são atraídos desde cedo pelas telas e, não raro, passam horas a fio diante de dispositivos móveis. Mas será que há, de fato, motivos para se preocupar?

 

As pesquisas sugerem que sim, e, no final de abril, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um guia inédito em que recomenda: bebês de até um ano não devem ter contato com telas, e crianças de dois a quatro anos só poderiam gastar uma hora por dia com isso. As novas diretrizes foram elaboradas para contribuir com o desenvolvimento motor e cognitivo e ajudar a evitar a obesidade infantil.

 

Debruçados sobre o tema do uso precoce de telas, cientistas já concluíram que o novo hábito está associado a uma série de problemas, embora ainda não tenha sido possível estabelecer relação direta de causa e efeito entre uso de telas e distúrbios físicos e psicológicos. Muitos estudos importantes estão em andamento (leia a entrevista abaixo), mas a velocidade da pesquisa científica não é a mesma dos avanços tecnológicos, em especial no que diz respeito aos novos usos de mídia digital.

 

— É tudo muito novo. Estamos falando dos últimos cinco, 10 anos, o que é pouco para avaliar impactos de longo prazo. Ainda não temos claro o quanto as telas, por si só, são nocivas para as crianças, mas sabemos que elas estão deslocando o tempo de atividades essenciais para o desenvolvimento infantil, especialmente nos primeiros anos de vida, e isso é preocupante – sintetiza a neuropediatra Renata Rocha Kieling, professora da Faculdade de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Universidade Federal do rio Grande do Sul (UFRGS).

 

Diante da inquietação crescente, a Academia Americana de Pediatria publicou, em 2016, uma revisão dos estudos existentes até então e listou as principais orientações sobre o tema. Para a entidade, naquele momento, as evidências já eram suficientes para recomendar que crianças de dois a cinco anos não fossem expostas a mais de uma hora de tela por dia.

 

No mesmo ano, a Sociedade Brasileira de Pediatria lançou um manual sobre o assunto, destinado a ajudar médicos e pais a cruzarem as águas turvas e imprevisíveis da Er Digital. O trabalho segue a mesma linha do compêndio norte-americano e desencoraja “a exposição passiva em frente às telas digitais” de crianças com menos de dois anos, principalmente durante as refeições e de uma a duas horas antes de dormir.

 

— As pesquisas indicam que as crianças não devem ser expostas de forma precoce às telas. O celular se tornou muito atraente, com filmezinhos e canções que ajudam a distrair, e os pais passaram a usar esse artifício desde muito cedo, em bebês de dois, três meses. Eles não têm noção do risco. Até os dois anos, é o tempo da aquisição da linguagem e do arcabouço psíquico-social. É claro que é necessário conviver com os avanços da tecnologia e saber tirar deles, mas não se pode esquecer que, no processo de formação, a gente ainda precisa daquelas coisas que parecem antigas: canção de ninar, histórias contadas pelos pais, brincadeiras, interação – diz a pediatra e psiquiatra Ana Maria Costa da Silva, membro do Departamento Científico de Desenvolvimento e Comportamento da SBP e professora da Universidade federal de Minas Gerais (UFMG)

 

DUAS CONCLUSÕES PREOCUPANTES

Mais recentemente, em janeiro de 2019, o Royal College of Pediatrics and Child Health do Reino Unido, lançou um novo guia, com uma revisão bibliográfica atualizada, baseada nos resumos de 940 estudos. A entidade também consultou 109 crianças e jovens de 11 a 24 anos sobre como utilizam e o que pensam dos gadgets. Por fim, chegou às seguintes conclusões:

 

1. Crianças com maior tempo de tela tendem a ter dieta menos saudável e indicadores mais pronunciados de obesidade.

 

2. Aquelas que usam muito esses dispositivos, particularmente mais de duas horas por dia, tendem a ter mais sintomas de depressão, embora alguns estudos tenham apontado que algum tempo de tela pode ser melhor para a saúde mental do que nenhum. Esse tempo “ideal” ou “seguro”, apesar das recomendações da Academia Americana de pediatria, ainda é alvo de dúvidas na comunidade médica.

 

— Por enquanto, não temos subsídios científicos claros para definir horas de uso. O que deve prevalecer é o bom senso – afirma o pediatra Leandro Meirelles Nunes, doutor em Saúde da Criança e do Adolescente e professor da Faculdade de Medicina da UFRGS.

 

Segundo o Royal College, também parece haver uma tendência de resultados mais pobres em termos educacionais, de qualidade do sono e de capacidade física em crianças que usam telas por longos períodos. A entidade também cita os riscos relacionados a conteúdos nocivos, principalmente por meio do cyberbullying ou da visualização de atos de violência e pornografia.

 

Outro ponto que merece atenção é a substituição de atividades positivas pelas telas, o que os cientistas chamam de “custo de oportunidade”.

 

— Se tem um momento em que deveríamos pedir “screen free” é o momento da refeição, da troca de fraldas, da hora de dormir, do banho. Esses momentos são sagrados na relação da mãe com seu filho. O que precisa ser avaliado é o que a tela está tirando da criança. Momentos de troca são fundamentais – diz Renata.

 

Nunes concorda. O professor sustenta que “o problema é o excesso”, que também vem sendo associado a alterações posturais, distúrbios de visão, dificuldades no desenvolvimento da linguagem, maior chance de desenvolver déficit de atenção, hiperatividade e distúrbios sociais. Mas também há pontos positivos, que não podem – e não devem – ser desconsiderados.

 

— A gente costuma brincar que, hoje, os bebês já saem da maternidade sabendo fazer touchscreem. Nem tudo, nessa história, é ruim. Há benefícios também. Existem aplicativos que estão sendo usados para a inclusão de autistas e aplicativos que as escolas usam para tarefas de matemática e de outras disciplinas, por exemplo. Como tudo na vida, o segredo é a moderação – conclui Nunes.

 

MANUAL DE RECOMENDAÇÕES

DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS)

 

Bebês com menos de um ano

— Devem realizar diferentes atividades várias vezes ao dia, especialmente brincadeiras no chão. Caso ainda não se movimente, os pais devem deixar a criança de bruços, durante 30 minutos, espalhados ao longo do dia, apenas quando o bebê estiver acordado.

 

— A criança não deve ficar mais de uma hora em carrinho de bebê, cadeiras ou canguru.

 

— Não deve ter contato com telas digitais

 

— Até os três meses, a recomendação é dormir entre 14 e 17 horas por dia. De quatro aos 11 meses, são 12 a 16 horas, incluindo cochilos.

 

Crianças de um a dois anos

— As atividades físicas, de qualquer intensidade, ao logo do dia devem durar ao menos três horas.

 

— Não devem ficar mais de uma hora em carrinhos de bebê, cadeiras ou canguru. O tempo sentado também não pode ser longo.

 

— As telas não são indicadas. A partir de dois anos, não deve superar uma hora por dia.

 

— O tempo de sono, incluindo cochilos, deve ser de 11 a 14 horas.

 

Crianças de três e quatro anos

— As atividades, de qualquer intensidade, ao longo do dia, devem durar ao menos três horas. Mas é indicado que, por pelo menos uma hora, as atividades sejam de intensidade moderada a vigorosa.

 

— Não devem ficar mais de uma hora em carrinhos de bebê, cadeira ou canguru. O temo sentado também não pode ser longo.

 

— O tempo diante de telas não deve superar uma hora por dia.

 

— O tempo de sono deve ser de 10 a 13 horas.

  

DA ACADEMIA AMERICANA DE PEDIATRIA 

1. Crianças de até 18 meses não devem ser expostas a telas. De 18 a 24 meses, os pais que quiserem introduzir o acesso a telas podem fazê-lo, desde que escolham programas ou aplicativos de boa qualidade e sempre acessem junto com os filhos. A companhia dos pais deve ser permanente entre os dois e cinco anos.

 

2. Evitar o uso de telas durante as refeições e uma hora antes de a criança dormir. Desligue TVs e gadgets sempre que não estiverem em uso.

 

3. Crianças e adolescentes em idade escolar devem fazer pelo menos uma hora de atividade física por dia e ter sono adequado, de oito a 12 horas.

 

DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA 

1. Desencorajar, evitar e até proibir a exposição passiva em frente às telas digitais, com conteúdos inapropriados de filmes e vídeos, para crianças com menos de dois anos, principalmente durante a hora das refeições ou uma a duas horas antes de dormir.

 

2. Crianças entre zero e 10 anos não devem fazer uso de televisão ou computador nos seus próprios quartos.

 

3. Adolescentes não devem ficar isolados nos seu quartos ou ignorar as horas saudáveis de sono à noite (de oito a nove horas/noite).

  

DO ROYAL COLLEGE OF PEDIATRICS AND CHILD HEALTH

A entidade britânica sugere que as famílias respondam às questões a seguir. Se estiverem satisfeitas com as respostas, “provavelmente estarão indo tão bem quanto podem com esse problema complicado”.

1. O tempo de tela da sua casa é controlado?

Para bebês e crianças menores, o tempo e o conteúdo são definidos pelos responsáveis. Se esses limites forem regularmente quebrados e se os pais sentirem que está fora de controle, isso pode indicar que eles precisam de ajuda especializada.

Para crianças mais velhas e jovens, há um movimento em direção à autonomia e ao autocontrole, mas isso precisa ser gradual e sob a orientação de um adulto.

Os adultos também precisam considerar seu próprio uso das telas, usando as perguntas abaixo para orientação.

É útil para todos nós nos perguntarmos, especialmente em relação aos smartphones, se estamos usando inconscientemente, o tempo todo.

 

Fique Atento

Estudo publicado em maio de 2017 por Brandon McDaniel (Ilinois State University) e Jane Radesky (University of Michigan), abrangendo mais de 300 pais norte;americanos, demonstrou que existe correlação entre deixar de interagir com uma criança para verificar o celular e o surgimento de problemas comportamentais nela.

 

2. O uso da tela interfere no que sua família quer fazer?

Isso obviamente varia de família para família. No entanto, muitas famílias querem gastar mais tempo juntas e há boas evidências de que isso é benéfico para o bem-estar de todos os membros. As refeições são uma oportunidade para isso, e muitas famílias declaram que as refeições são “zonas livres de tela”. Essa pode ser uma boa maneira de garantir a interação, mas cada família precisa encontrar seu próprio caminho. Para as crianças menores, a interação social face a face é vital para o desenvolvimento da linguagem e outras habilidades. Interação baseada em tela não substitui isso.

 

3. O uso da tela interfere no sono?

Mesmo uma privação de sono bastante modesta pode interferir na saúde física e mental, no sucesso educacional e nas relações familiares. É importante, portanto, que as telas não interfiram na rotina de dormir, seja para crianças ou adultos. Recomenda-se que as telas devem ser evitadas uma hora antes de dormir.

 

4. Você consegue controlar os lanhes durante o tempo de tela?

Pode ser fácil perder a noção de quanto é corrido, sobretudo se as refeições são na frente das telas. Os adultos devem monitorar o que é ingerido nessas horas, ainda mais por crianças com risco de obesidade.

 

O que disseram 109 crianças e jovens de 11 a 24 anos, ouvidos pelo Royal College of Pediatrics and Child Health

 

— Em um dia comum, eles gastam, em média, 2,5 horas no computador/laptop/tablet, 3 horas no smartphone e 2 horas vendo TV.

 

— 88% disseram que o tempo de tela teve impacto negativo nas horas de sono.

 

— 41% disseram que esse tempo afetou suas horas de lazer.

 

— 35% disseram que esse tempo teve um efeito negativo sobre seu humor e sua saúde mental.

 

— 18% disseram que impactou no tempo com a família e nos trabalhos da escola.

 

 

ENTREVISTA: FLORENCE BRESLIN

Pesquisadora do Laureate Institute for Brain Research

 

A SOCIEDADE ESTÁ VIVENCIANDO UM EXPERIMENTO EM ANDAMENTO”

 

Pesquisadora do Laureate Institute for Brain Research, em Tusla, nos Estados Unidos, Florence Breslin integra o time de investigadores do estudo ADOLESCENT BRAIN COGNITIVE DEVELOPMENT (ABCD) – em português, DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DO CÉREBRO ADOLESCENTE. Trata-se de uma ampla pesquisa, financiada pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA, que avaliará, entre outros aspectos, o efeito da exposição às telas da saúde de 11,8 mil meninos e meninas ao longo da próxima década. Dados preliminares obtidos por meio de ressonâncias magnéticas indicaram diferenças nos cérebros de algumas crianças que usam smartphones, tablets e videogames por mais de sete horas por dia. Por enquanto, Florence afirma que é cedo para qualquer conclusão definitiva sobre o que isso significa – há mais dúvidas do que certezas.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ela fala sobre as limitações da pesquisa e projeta seus objetivos para os próximos anos.

 

Os resultados iniciais da pesquisa indicaram mudanças nos cérebros de algumas crianças que usam smartphones, tablets e videogames de forma excessiva. Que conclusão podemos tirar? A exposição às telas é, de fato, um problema?

Não sabemos se as telas estão causando os resultados que vemos ou se esses problemas já existiam. Nosso estudo indica que aquelas crianças que usam mais as telas mostram alguma associação com pontuações de inteligência mais baixas. Mas também vimos que crianças com altas taxas de uso de videogames mostraram uma associação a maiores pontuações de inteligência. A história ainda não está clara. Diferentes tipos de atividades parecem ter associações diferentes e é muito provável que as mesmas atividades em crianças diferentes tenham resultados diferentes.

  

Quais são os próximos passos do estudo?

Nosso grupo continuará a estudar o tempo de tela na população do estudo ABCD, examinando mais de perto a conexão entre o tempo de tela e a saúde mental, particularmente o suicídio. O suicídio está aumentando entre os jovens e será importante conhecermos todos os fatores que contribuem para esse problema. Além disso, como o ABCD, é um estudo de 10 aos, poderemos acompanhar as crianças ao longo do tempo e começar a olhar para outras questões, tais como: podemos discernir o que pode estar causando essas diferenças? Existem certas atividades que são melhores ou mais seguras do que outras? Existem crianças específicas para as quais o tempo de tela pode ser mais prejudicial, como, por exemplo, crianças com psicopatologias subjacentes?

  

Os pais devem se preocupar?

A sociedade está vivenciando um experimento em andamento e, apesar de estarmos pesquisando, não saberemos as respostas para muitas perguntas por algum tempo. A tecnologia está se desenvolvendo e mudando mais rápido do que podemos estudá-la. Como em qualquer coisa, sempre deve haver preocupação se uma atividade, seja a exposição a telas, a drogas ou exercícios demais, começar a impedir a vida equilibrada do seu filho. Por exemplo: as crianças precisam de bastante sono, atividade física e tempo para ler e, se as telas começarem a afetar sua capacidade de fazer essas coisas, isso não é bom. Além disso, a partir de nossos dados, vemos correlações entre mais tempo de exibição e crianças externalizando comportamentos fortes, incluindo agressividade e quebra de regras. Mais uma vez, não podemos tirar conclusões sobre o que está causando isso.

 

Na dúvida, é melhor reduzir o tempo de exposição dos filhos às telas? Existe um número seguro de horas?

A Academia Americana de Pediatria (AAP) tem recomendações e nós apoiamos as suas recomendações. Em nossa pesquisa, vemos diferenças com base no tipo de atividade de tela das crianças, o que torna ainda mais difíceis essas recomendações. Esperamos continuar nossa pesquisa para que possamos responder à pergunta sobre quais atividades são melhores ou mais seguras para crianças em diferentes estágios, mas ainda não temos isso. Eu diria que, além das recomendações as AAP, se as crianças estão apresentando problemas de comportamento associados ao uso da tela ou à quantidade de sono ou outras atividades, a redução é uma boa decisão.

 

 

Fonte: Zero Hora/Caderno Vida-Em Família/Juliana Bublitz (juliana.bublitz@zerohora.com.br) em 05/05/2019