TROVADORISMO
A literatura brasileira tem suas raízes na literatura portuguesa. Por isso, para conhecê-la, precisamos saber como surgiu Portugal e como sua literatura se desenvolveu.
Prosperidade e fé
Portugal constituiu-se como nação independente em 1143, em plena Idade Média, época em que se assistiu ao fortalecimento do cristianismo e do papado.
Na Europa, o homem medieval vivia imerso no catolicismo desde o nascimento até a morte. Todos os momentos significativos de sua existência eram marcados pela presença da Igreja, e não ser católico significava estar praticamente à margem da sociedade.
A prosperidade que marcou a Alta Idade Média fortaleceu ainda mais a Igreja, que centralizou seu poder no papa, desafiando reis e imperadores e provocando o movimento das Cruzadas. Embora a corrupção do clero tivesse atingido níveis escandalosos em muitas ocasiões, diversos movimentos reformadores revitalizaram os ideais católicos e mantiveram a força da Igreja junto ao povo.
Por sua vez, houve uma ênfase acentuada na adoração a Cristo, acompanhada de perto pela veneração à Virgem Maria, a quem praticamente todas as grandes catedrais europeias foram consagradas.
As artes e a religião
Na arquitetura religiosa medieval, destacam-se dois estilos principais: o românico e o gótico.
O estilo românico teve seu apogeu no século XI e na primeira metade do século XII, caracterizando-se pelo uso do arco redondo, de grossas paredes de pedra, janelas pequenas e predomínio de linhas horizontais.
Ao longo dos séculos XII e XIII, o românico foi sendo substituído pelo gótico, que apresenta arcos ogivais, agulhas altíssimas, vitrais, rosáceas e elaboradas fachadas esculpidas. No conjunto, a construção gótica é muito mais leve que a românica.
A produção literária em Portugal
Para efeitos didáticos, a literatura medieval portuguesa costuma ser dividida em dois períodos, assim delimitados:
1ª época medieval 2ª época medieval
(1198-1418) Humanismo (1418-1527)
Poesia Trovadorismo Poesia palaciana
(cantigas)
Prosa Novelas de Crônicas de Fernão Lopes
Cavalaria
Teatro Peças simples
De cunho Gil Vicente
Religioso e satírico
Trovadorismo galego-português
Durante os séculos XII, XIII e XIV, desenvolveu-se um movimento poético que ficou conhecido por Trovadorismo. Nessa época, surgiram as cantigas, que eram poesias feitas para serem cantadas ao som de instrumentos musicais como a flauta, a viola, o alaúde e outros. O cantor dessas composições poéticas era comumente chamado de jogral e o autor delas recebia o nome de trovador. Daí a denominação dada a esse período – Trovadorismo.
O Trovadorismo português teve seu apogeu nos séculos XII e XIII, entrando em declínio no século XIV. Seu último grande incentivador foi o rei D. Dinis (1261-1325), que prestigiou a produção poética em sua corte, tendo sido ele próprio um dos mais fecundos e talentosos trovadores medievais.
A composição mais antiga que se conhece é a chamada “Cantiga da Ribeirinha” ou “Cantiga de guarvaia”, escrita provavelmente em 1198, e comumente assinalada como marco inicial da literatura portuguesa.
Nessa época, a língua portuguesa ainda não estava totalmente caracterizada. Espelhando a unidade linguística que havia entre Portugal e Galiza (reino situado ao norte de Portugal), o idioma usado nas cantigas trovadorescas era o galego-português.
Os únicos documentos que restaram sobre tal produção literária são os cancioneiros, coletâneas de cantigas com características variadas e escritas por diversos autores. Desses cancioneiros, são importantes para o conhecimento do Trovadorismo galego-português:
Classificação das cantigas
Com base na maioria das cantigas reunidas nos cancioneiros, podemos assim classifica-las:
Gênero lírico Gênero satírico
Cantigas de amor Cantigas de escárnio
Cantigas de amigo Cantigas de maldizer
Cantigas de amigo – Originárias da Península Ibérica, constituem a manifestação mais antiga e original do lirismo português. Nelas, o trovador procura traduzir os sentimentos femininos, falando como se fosse uma mulher. A palavra “amigo”, nessa época, significava namorado ou amante.
Dirigindo-se diretamente ao homem ou conversando com a mãe ou amigas, a mulher fala de seus problemas sentimentais, de suas expectativas amorosas, das saudades do amigo. Às vezes, procura um ambiente solitário e desabafa com a natureza.
Cantigas de amor – Originárias da região da Provença, no sul da França atual, expressam o amor distante e de extrema submissão do trovador pela dama, não escondendo, por trás das sutilezas da linguagem, todo o erotismo do desejo amoroso. Na Península Ibérica, o erotismo dos trovadores provençais não se manifesta tão claramente, porque o idealismo cristão peninsular aproximou a mulher da figura da Virgem.
Cantigas de escárnio e de maldizer – Olhando à realidade a sua volta, os trovadores tinham muitos motivos para compor cantigas satíricas e irreverentes, que deviam deixar algumas pessoas furiosas, como uma mulher que se queixou a um trovador de nunca ter merecido um cantar de amor.
Nas cantigas de escárnio, as referências à pessoa satirizada são indiretas; nas cantigas de maldizer, o ataque é explícito, com o uso até de linguagem obscena. Nessas cantigas, os trovadores ridicularizam os maus jograis e os cavaleiros covardes, falam de mulheres, contam casos amorosos, etc.
Importância da poesia trovadoresca
Estimulado pela poesia provençal e encontrando ressonância nas tradições populares da Península Ibérica, o lirismo trovadoresco desenvolveu-se durante os séculos XII e XIII. A partir do século seguinte, essa poesia caminha para uma progressiva individualização. Em meados do século XV, entra em declínio. Os jograis vão desaparecendo; os trovadores tornam-se poetas. A música separa-se da poesia, que passa a ser feita para a leitura. Surgem então novos recursos de composição poética. O gosto, porém, pela poesia intimista e sentimental que floresceu no Trovadorismo marcará profundamente toda a poesia portuguesa posterior. E o lirismo brasileiro também se reconhecerá como o fruto distante dessa semente plantada na Idade Média.
NOVELAS DE CAVALARIA
As novelas de cavalaria originaram-se dos antigos poemas de assuntos guerreiros, chamados canções de gesta. Na ficção, os cavaleiros da decadente cavalaria medieval são sempre valentes, e a vida uma sequência de perigos que ressaltam ainda mais a coragem e o destemor dos heróis, que estão a serviço de belas damas.
Na Península Ibérica, as novelas de cavalaria encontraram grande receptividade. Sob inspiração dos modelos estrangeiros, produziram-se inúmeras obras até o final do século XVI, tornando-se a península o último reduto desse tipo de ficção na Europa.
De toda essa produção, as obras que interessam mais de perto à literatura portuguesa são: Amadis de Gaula (1508) e Crônica do imperador Clarimundo (1520), de João de Barros; Palmeirim de Inglaterra (1547), de Francisco de Moraes; Memorial das proezas da segunda Távola Redonda (1567), de Jorge Ferreira de Vasconcelos.
Amadis de Gaula: uma história de amor e violência
Amadis é a figura central da história. Embora seja um valente cavaleiro, é tímido diante da mulher amada, perturbando-se ante sua simples presença. Na verdade, são dois aspectos da vida medieval que estão representados na novela: o convencional amor cortês, em que o cavaleiro dedica a vida a servir à sua dama, e a rudeza do guerreiro em luta contra seus inimigos, quando então extravasa sua fúri
A descrição realista, contudo, não se restringe às cenas de batalha. O sensualismo subjacente às cantigas de amor torna-se bem mais explícito nessa novela. O desejo amoroso se manifesta sem rodeios não só no homem, mas também na mulher.