ENTREVISTA COM DEBORAH STAJNBERG SOBRE DIREITO AUTORAL
por Maria Helena Esteban
Em linhas gerais, o que todo autor deveria saber – ou nunca se esquecer – em relação à proteção de sua obra?
Embora a lei não determine obrigatoriamente o registro, é muito mais fácil a defesa dos direitos de autor se a obra estiver registrada. O autor deve ter muito cuidado ao apresentar essa obra, até para possíveis patrocinadores. Antes, ele deve registrar na Biblioteca Nacional. Porque o que acontece, às vezes, é de uma pessoa ficar interessada pelo projeto, ter uma ideia do que aquele autor escreveu e depois montar com outra equipe.
Qual é a melhor forma de proteger material escrito, como textos em geral, peças teatrais e roteiros?
Registrando na Biblioteca Nacional.
O registro de uma obra na Biblioteca Nacional não é obrigatório para seu uso ou publicação. Sendo facultativo, quais as vantagens deste registro?
A vantagem é que no caso de conflito ou dúvida sobre a autoria da obra, o registro facilita muito a defesa.
Quando a obra não é registrada na Biblioteca Nacional, quais cuidados o autor deve ter?
Deve fazer um termo de responsabilidade para ser assinado por todos os que vierem a ter acesso àquela obra.
Nos casos de obra sem registro, se necessário, o que é aceito como comprovação de autoria?
Qualquer meio de prova permitido em Direito: documentos, testemunhas etc. Já tivemos, inclusive, um caso assim, em que as testemunhas chegaram a ensaiar com a equipe antiga e puderam dizer sobre a montagem com outras pessoas.
Em casos similares, embora quase ninguém mais faça manuscritos, serviriam esboços anteriores, apontamentos desse trabalho?
No processo que citei anteriormente, tinha a própria troca de e-mail do diretor com a produtora e foi aceito como prova, porque demonstrava que ele, o diretor, havia tido acesso à obra do autor.
No caso que acaba de relatar, a pessoa teve acesso à obra com autorização do autor; e em casos em que a pessoa tenha acesso sem autorização do autor e a obra não esteja registrada?
Vai passar pelo mesmo procedimento. Você vai ter que provar em juízo. Pode ser através de testemunhas, outros manuscritos anteriores ou os próprios arquivos de computador.
Até que ponto podemos classificar uma obra como similar a outra? O que caracteriza o plágio?
Isso é da maior subjetividade, pois fora do contexto é impossível sabermos se houve plágio ou não. O ideal é um perito fazer tal aferição.
Por ser o plágio uma questão de subjetividade, qualquer pedido inicial de denúncia de plágio é aceito? A pessoa pode, a partir de seu próprio entendimento de que é um plágio, pleitear um direito de autoria?
O plágio tem esse caráter de subjetividade, você tem que analisar vários aspectos. Não é só porque na minha história tem uma fada e na sua tem uma fada que é um plágio; não é só porque a minha história se passa numa terra de duendes e a sua também que é um plágio. O juiz analisa muitos aspectos ao julgar um processo de plágio. Ele vê não apenas se o fio condutor da história é idêntico e não similar; como, às vezes, se houve um contato de uma pessoa com a outra... porque coincidências ocorrem. Na novela “O Clone”, não teve uma moça que processou a Glória Perez, dizendo ter escrito um livro anteriormente com gêmeos e clone? Houve um problema desse tipo... E o juiz não entendeu como plágio, avaliou que aquela era uma ideia muito genérica, que a clonagem humana é um tema atual.
Em quais fatos concretos um autor deve se basear para uma ação de plágio?
Ganhar um processo de plágio pode ser muito complicado. Você tem que produzir provas realmente fortes e, muitas vezes, envolve situações difíceis de provar.
Existe algum tipo de contrato ou cessão de direitos que possa transferir totalmente para outrem os direitos de um autor?
Não, o autor é senhor-possuidor de direitos morais que impedem tal situação. A cessão de direitos patrimoniais, que garantem o recebimento de remuneração, ele pode até ceder. Agora, os direitos morais de autor, que estão lá no artigo 24, ele não pode ceder, não são negociáveis.
É possível que a destinação de uma obra – de autor vivo – seja totalmente administrada por terceiros, sem que seu autor seja consultado?
Não. De autor vivo, não. O autor é sempre senhor de sua obra. O Roberto Carlos, por exemplo, não autoriza a gravação das músicas dele para quase ninguém. Depois que ele morrer, caberá aos herdeiros manter esse tipo de posicionamento ou não.
Quando uma obra é revendida, com obtenção de lucro, o autor deve voltar a ser remunerado?
Sim. Podemos tomar como exemplo as telenovelas, quando são vendidas para outro país, o autor tem direito de ser novamente remunerado. É direito de sequência.
Hoje, uma mesma obra pode ser utilizada em diversas mídias. Como conciliar a utilização delas? Um contrato firmado especificamente para uma mídia (livro, por exemplo) até que ponto restringe novos contratos, para suportes diferentes (como internet, televisão etc. )?
Os contratos de direitos autorais devem ser interpretados restritivamente. Então, se estiver estipulado que aquela obra só é liberada para ser prensada em livro, para ela virar e-book tem que ter outro contrato, outra autorização.
Então, vamos a outro exemplo, no caso de um contrato entre um autor e uma editora para a publicação de um livro, se o autor quiser fazer uma adaptação para teatro, ele não precisará da autorização da editora que publicou o livro?
Em tese, não. Mas tem que ver também o que está no contrato com a editora, porque a editora pode ter previsto essa situação. Mas se o contrato for apenas para publicação de livro, não tem problema nenhum.
Como o autor deve proceder quando o contrato previr a utilização específica em uma mídia e for utilizado para outra?
Quando o contrato especificar uma mídia e a obra for utilizada em outra, o autor tem o direito de fazer cessar esse uso indevido, que é o uso, por exemplo, de uma obra prevista para ser impressa em uma mídia digital. Ele tem que ser ressarcido também por perdas e danos.
Qual impacto teve a internet para a questão do direito autoral?
As pessoas passaram a ter acesso a todo um conteúdo que antes não tinham, porém ainda não há consciência plena de que o autor tem que se retribuído.
Qual o fórum competente para questões de direito do autor?
Depende muito da situação. O Código de Processo Civil dita as regras gerais desta competência que, geralmente, é da Justiça Estadual. Mas, por exemplo, quando se discute o título da obra, se uma das partes tem aquele título registrado como marca, no INPI, aí a discussão vai para a vara federal, porque obrigatoriamente o INPI tem que estar presente nessa demanda como consorte passivo. Mas se for uma discussão entre nós duas, por exemplo, aí é no foro estadual.
E quando a violação se dá fora do local de residência do autor? Vamos supor que o autor more no Rio de Janeiro e tenha conhecimento que no Rio Grande do Sul aconteceu a violação de seus direitos, e não tenha como se deslocar? Ou se a violação se der em outro país?
O autor pode ajuizar a causa no local de sua residência, até mesmo contra a violação de seus direitos em outro país. É apenas mais demorado, as citações são por carta rogatória.
E para questões autorais que envolvam a internet e que possam estar fora do domicílio do autor? Como agir?
Geralmente a jurisprudência tem entendido ser competente o local do ato ou fato que teve repercussão na violação aos direitos de autor.
De que forma deve se tratar uma obra que contenha referências a obra de outros autores, como trechos de textos, poemas inteiros, musicas etc.?
Sempre citar a fonte, contudo não é possível aceitar a reprodução integral de uma obra e, como a lei não especificou o que são pequenos trechos, sempre há riscos. Você deve se lembrar de liberar essas citações com a editora ou detentor dos direitos. Um exemplo clássico, que dou para meus alunos, é com aquela música “Canteiros”, do Fagner, que no meio cita um poema da Cecília Meireles. O que eles tinham que ter feito? A gravadora tinha que ter pedido às herdeiras de Cecília Meireles para conceder aquele texto para ser usado no meio da música. Como não fizeram, foram processados e as herdeiras ganharam a ação. Então, quando for uso de obra de outro autor, mesmo que seja citação, tem que pedir autorização. É sempre necessário.
Existe a possibilidade de se abrir mão de recebimento de direito autoral?
Sim, porém isso deve ser feito pelo autor e com todas as formalidades legais. Não acontece muito nas obras literárias, acontece mais nas obras musicais. Tem gente que não quer fazer parte do sistema. Por exemplo, a pessoa não quer se afiliar a uma das sociedades arrecadadoras do ECAD. Então, ela tem que chegar no ECAD e preencher um formulário, dizendo que ela não quer receber direitos autorais de execução pública. Porque no Brasil, no caso das músicas, a gente tem um sistema monopolista, onde você só recebe direito de execução pública se for filiado a uma das sociedades que compõem o ECAD. Não tem problema o autor renunciar, agora, quando o autor falece, a obra passa a ser uma herança. Temos um caso aqui no escritório em que o herdeiro era herdeiro único. Quando o pai morreu, ele não quis receber os direitos autorais. Então, ele ajudou a montar uma fundação. Todos os direitos autorais são destinados a custear a fundação dedicada à memória do pai dele. Você pode fazer isso, é juridicamente possível.
E quando o autor quer ceder o direito autoral para uma situação específica, por um período. Como deve proceder?
É só limitar claramente no contrato as questões de prazo e de forma. Se você limitar no contrato, está tudo bem.
Quando cessa o direito de autor?
Os morais nunca cessam. Os patrimoniais, 70 anos contados de 1º de janeiro do ano subseqüente a morte do autor.
O que transforma uma obra em objeto de domínio público?
Quando ultrapassa o referido prazo de 70 anos após a morte, como descrito anteriormente, porém apenas os direitos patrimoniais caem em domínio público, os morais não.
Quais são as punições previstas por desrespeito ao direito de autor?
São cíveis e penais. O artigo 184 do Código Penal prevê detenção, reclusão ou multa para o infrator. Há também sanções administrativas, como multas aplicadas, por exemplo, pelo ECAD.
Gostaria de fazer considerações finais?
Que os autores procurem sempre se informar com especialistas antes de firmarem qualquer documento, pois o que vemos são contratos ou termos mal redigidos porque o autor deu para um parente ou um amigo “dar uma olhada”. Se não puder procurar um advogado especializado, procure as entidades, procure a SBAT, o ECAD , a AUTIVIS , que é dos artistas visuais... Procure a sua entidade ou a Biblioteca Nacional. Hoje em dia, com a internet, você descobre tudo. Você não pode ter desleixo com a sua obra. A sua obra é sua obra, você tem cuidar com o maior cuidado, o maior carinho. A sua obra é o que vai ficar. Você vai embora, mas sua obra vai ficar. Eu sempre digo isso para os clientes do escritório: você, nós todos vamos embora, mas a obra vai ficar.
Que bibliografia sobre direito autoral indicaria para quem deseja se aprofundar no tema?
Eu sugiro os dois volumes do Eduardo Salles Pimenta “Princípios de Direito Autoral” (RJ: Ed. Lumen Juris, 2004), o livro “Direito Autoral” do José de Oliveira Ascensão (RJ: Ed Renovar, 1997), o “Direito de Autor” do Carlos Alberto Bittar (RJ, Ed.Forense Universitária, 2008). Tem ainda o “Direito de Autor” do Eduardo Lycurgo Leite (Brasília:Ed.Brasília Jurídica,2004) e o meu livro “O Show não pode parar” (RJ: Ed Espaço Jurídico, 2003).
Há uma relação bibliográfica na página oficial do Ministério da Cultura.
________________________________________
Deborah Stajnberg é doutoranda, Mestre em Direito Empresarial e pós-graduada em gerência da indústria do entretenimento. Advogada de diversos artistas e produtores, bem como assessora de casas de espetáculos e empresas de produção artística. Professora de diversos cursos de pós-graduação relacionados à cultura e entretenimento, tendo publicado nacional e internacionalmente diversos artigos sobre o tema.