“JORNAIS DEVEM EXPRESSAR E DEFENDER SUAS OPINIÕES”
ENTREVISTA: SÉRGIO DÁVILA
JORNALISTA, EDITOR-EXECUTIVO DO JORNAL FOLHA DE S. PAULO
COMO REPÓRTER, SÉRGIO DÁVILA CONSTRUIU REPUTAÇÃO COMO CORRESPONDENTE ESTRANGEIRO NOS EUA EM UMA DAS DÉCADAS MAIS TUMULTUADAS DA HISTÓRIA RECENTE: ACOMPANHOU AS ELEIÇÕES DE GEORGE w. BUSH E DE OBAMA, OS ATENTADOS DE 11 DE SETEMBRO DE 2001, E FEZ PARTE, COM O FOTÓGRAFO JUCA VARELLA, DA ÚNICA DUPLA BRASILEIRA A COBRIR A INVASÃO AMERICANA DO IRAQUE EM 2003 – O QUE VALEU A AMBOS O PRÊMIO ESSO DAQUELE ANO. DESDE 2010, DÁVILA, 49 ANOS, É EDITOR-EXECUTIVO DA FOLHA DE S. PAULO. NESTE NOVO FRONT, AGORA DOMÉSTICO, O JORNALISTA IDENTIFICA UM ACIRRAMENTO MUITO GRANDE DA POLARIDADE NO DEBATE PÚBLICO, UMA AMEAÇA AO BOM JORNALISMO. ELE CONCEDEU A SEGUINTE ENTREVISTA POR TELEFONE, DE SÃO PAULO:
Sobre que aspecto do jornalismo você pretende falar em Porto Alegre?
Sobre os desafios de ser imparcial em um país polarizado. Talvez como nunca antes na história recente do país, a discussão política e econômica está em clima de “nós” contra “eles”, independentemente de o interlocutor se considerar “nós” ou “eles”. Isso prejudica o exercício do bom jorna lismo. O jornalismo cresce quando dá espaço para o contraditório, expõe os diversos pontos de vista, deixa que lados em discussão tenham o mesmo espaço para se manifestar, e isso se torna mais difícil em um ambiente em que as pressões se tornam mais fortes de um lado ou do outro para que você só dê voz para um lado.
Muita gente discute, não apenas na academia, se a imparcialidade é possível ou um mito jornalístico, dado que o processo de edição já é uma interferência. A imparcialidade é possível?
Acho que talvez seja possível idealmente, mas não na vida real. O jornalista e os jornais não deveriam abrir mão do anseio de alcançar essa imparcialidade. Essa luta para alcançar a imparcialidade já faz com que o material produzido seja o mais próximo possível dela. E não acho que imparcial, equidistante ou plural queira dizer sem opinião. Defendo que os jornais, na sua parte de opinião, a expressem e a defendam, mas na parte informativa, de reportagem, almejem o equilíbrio.
Em setembro, a Folha publicou um editorial no qual afirmava que “a presidente abusou do direito de errar” e que “não lhe restará, caso se dobre sob o peso da crise, senão abandonar suas responsabilidades presidenciais e, eventualmente, o cargo que ocupa”. Quando você fala de um jornal deixar claras suas posições, isso é parte dessa política?
Esse texto foi um editorial de primeira página, de muito impacto. A Folha usa esse recurso muito raramente, quando quer deixar clara a gravidade da opinião que está expressando, e foi isso que aconteceu nesse caso. E foi um texto criticado por vários atores do mundo político, polêmico, mas faz parte dessa política da Folha de deixar suas opiniões claras. E deixar clara também para o leitor a diferença entre o que é opinião e o que é reportagem.
Mas não se cria talvez uma confusão para o leitor, já que tanto a opinião quanto a reportagem estão sendo veiculadas no mesmo veículo e produzidas na mesma redação?
Acho que pode causar, sim. A gente tem que levar em conta o fato de que uma parcela, espero que pequena, do leitorado, possa achar; “Se o jornal pensa isso, como esperar isenção quando ele for cobrir esse assunto?". É legítimo esperar certa confusão, mas o leitor que está acostumado a ler o jornal há muito tempo começa a perceber, por sinais gráficos, usos de determinada fonte, colocação em uma página ou em determinada seção do site, que há momentos em que o jornal está dando uma opinião e há outros em que está passando informação. Acho que o leitor acostumado tem ferramentas para perceber a diferença. Mas uma parcela de confusão é inevitável. Você tem que usar todos os recursos gráficos e visuais para deixar clara a diferença, e garantir no funcionamento da redação que esses setores não se contaminem. No caso da Folha, do qual posso falar com mais propriedade porque conheço, existe uma editoria de opinião que responde diretamente ao Publisher do jornal, Otávio Frias Filho. Então, esse editor de opinião não responde a mim, que sou editor-executivo da redação.
A publicidade na rede se orienta por cliques, e casos recentes, como o da revista americana The New Republic, mostram que o modelo de jornalismo pensado para atrair os cliques na rede pode não ser o mesmo do jornalismo impresso. Como lidar com essa tensão entre as bases do jornalismo e a busca pelo clique?
É uma questão interessante, porque esse novo modelo passa uma nova responsabilidade que o jornalista não tinha antes. Até há 20 anos, a gente escrevia uma reportagem, entregava, era publicada, e você media a repercussão pelo que ouvia na rua, pelas cartas enviadas à redação ou pelos telefonemas, mas seu trabalho era encerrado no momento em que entregava o texto. Hoje, o jornalista é chamado a participar da distribuição, da circulação so produto que faz. É um cenário novo e curioso. É como se a gente, há 20 anos, fosse chamado pelo departamento de circulação para ajudar a distribuir o jornal no bairro tal, no semáforo tal. A gente tem que olhar com cuidado esse novo papel. O jornalista não deve ser o que os americanos chamam de “click whore”, o louco pelo clique, que faz título e lide da reportagem, pensando nos cliques que vai gerar. O norte deve continuar sendo a melhor informação possível da melhor maneira que se conseguiu apurá-la. Mas aí, obviamente, se você conseguir fazer um título mais atraente, um lide mais saboroso, isso acho válido, porque sempre que você fez isso, atraiu mais leitores, só não tinha a resposta tão imediata.
Você falou de polarização, e um dos locais onde ela transparece é nos comentários em sites de notícias. Deve haver moderação? Qual a política do conteúdo da Folha na rede?
A gente começou há cinco anos com uma postura muito liberal. Todo mundo era convidado a escrever, livremente e sem restrição. Aos poucos, a gente foi vendo que esse fórum não funciona dessa maneira, tem de ser regulado. Começamos a impor regras que o comentarista deve seguir, e se eu tivesse que resumi-las, eu diria que as regras estão na Constituição do Brasil, que diz que é livre a manifestação da opinião, vedado o anonimato. Quer exprimir sua opinião, coloca sua cara, seu nome, seu sobrenome e seu endereço, porque é muito fácil xingar os outros sob o manto do anonimato. E além disso a gente toma uma série de outras medidas, como uma lista de termos que levantam uma bandeira para a gente verificar aquele comentário, palavrão, temas polêmicos, que vão acionar uma medição antes de ir para o ar.
Fonte: ZeroHora/Carlos André Moreira/Sérgio Dávila participou do projeto Em Pauta ZH – Debates sobre jornalismo em 28 de outubro. Entrevista publicada em 25/10/2015.