O FANTASMA DA ÓPERA: QUALIDADE E MERCADO PROFISSIONAL
Um dos espetáculos mais populares na cidade de São Paulo, neste momento, lotando todas as suas sessões, é o musical O FANTASMA DA ÓPERA, baseado no romance-folhetim de Gaston Leroux, no jornal Le Gaulois, entre 1909 e 1910, recebendo formato em volume ainda naquele mesmo ano de 1910. tornou-se uma referência deste tipo de narrativa e por isso não surpreende que, em 1986, Andrew Lloyd Webber tenha desenvolvido, uma versão musicada, com libreto de Charles Hart e Richard Stilgoe, no Brasil adaptado por Cláudio Botelho, que hoje em dia é uma espécie de garantia de qualidade neste tipo de produção. Para a versão brasileira, a equipe da montagem norte-americana teve participação direta, de modo que o espetáculo a que assistimos, no Teatro Renault, é praticamente a mesma daquela vista em Nova Iorque.
Na montagem brasileira, destaca-se especialmente, de um lado, a cenografia, que é extremamente instrumental e prática, de modo que, a partir de uma única base, que é a parte superior do Teatro da Ópera de Paris, mediante pequenos equipamentos, abertura de cortinas e utilização da boca de cena do palco, apresentam-se os diferentes espaços da narrativa, inclusive os esgotos da cidade, pelos quais cruza o barco do Fantasma, levando sua vítima sequestrada, Christine Daaé.
Outro aspecto que me surpreendeu, já que não conhecia totalmente a obra, é a inovação estética e narrativa que Lloyd Webber traz para este espetáculo. Na verdade, O FANTASMA DA ÓPERA é praticamente uma partitura operística, muito mais sofisticada e, à primeira vista, bem menos popular do que outras criações do compositor. Eu diria que, aqui, Lloyd Webber resolve atravessar as fronteiras de um musical tradicional, tal como aqueles já apresentados em Nova Iorque, renovando-o, tornando-o mais complexo e denso, musicalmente falando. Também a concepção cênica é mais exigente, porque se passa em diferentes e múltiplos espaços, com um conjunto quantitativamente significativo de intérpretes: além do Fantasma e sua amada, existe o “mocinho” da história, um amigo de infância da cantora, que também a admira e ama, e que acaba por salvá-la das mãos do vilão. Na construção dramática proposta pelo libreto, há um evidente deslocamento das funções tradicionais da narrativa em torno de um mocinho e uma mocinha em confronto com um bandido. É que, na verdade, e sobretudo ao final do espetáculo, é o vilão quem ganha maior destaque, na medida em que ele é humanizado, ao contrário destas narrativas mais tradicionais.
Em dois atos, o primeiro segue um andamento mais tradicional, mais lento e que tem, como principal função, de certo modo, apresentar os contextos em que ocorre a ação. No segundo ato, mais curto, as ações se agilizam, as emoções invadem a cena e o espetáculo prende mais a atenção de todo o público. Para isso, é importante destacar uma série de tecnologias de ponta que ajudam o andamento da narrativa, inclusive com truques que fazem o fantasma desaparecer ou aparecer, conforme o episódio em desenvolvimento.
Não temos grandes nomes no elenco, mas Thiago Arancam, O Fantasma; Lina Mendes, a Christine; e Fred Silveira, como Raoul, o Visconde de Chagny, são três artistas de excelente formação, a partir do Brasil, com passagens de estudo e de atuação profissional no exterior, com excelentes referências. Aliás, uma leitura atenta ao programa do espetáculo, evidencia que todo o elenco, de modo geral, é altamente qualificado, o que significa que a produção fez um investimento muito cuidadoso, e certamente caro, para concretizar esta montagem.
O espetáculo original norte-americano, dirigido por Harold Prince, responsável por outros tantos espetáculos semelhantes, teve o acompanhamento do mesmo diretor em sua versão brasileira. Ou seja, estamos assistindo a um trabalho praticamente original. Esta tendência para os musicais, que retornaram no começo dos anos 2000, tem propiciado a montagem de excelentes trabalhos, abrindo um mercado profissional extremamente importante, evitando que muitos jovens artistas nacionais busquem, no exterior, a sua realização.
Fonte: Jornal do comércio/Antonio Hohlfeldt (a_hohlfeldt@yahoo.com.br) em 28/04/2019.